• Conflitos •

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"...orai pelos que vos maltratam e vos perseguem."

Uma das passagens bíblicas mais conhecidas é "Porque Deus amou a humanidade de tal forma que deu seu filho unigênito para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna". Eu acreditava nesse amor, no sacrifício divino, em meu resgate. E foi isso que me deu forças para acreditar que Ele me ama e que por isso me chamou a este mundo, porém... ao mesmo tempo em que acreditava nisso, indagava-me do que adianta corresponder a Ele e guardar em mim sentimentos tão pecaminosos quanto os que a própria Bíblia descreve como detestáveis?!

Era válido um enclausuramento em mim mesmo perante os preceitos divinos? Como pode uma matéria criada pelo próprio Deus majestoso ser corrompida a tal ponto de ter de conviver exaustivamente com isso? Eu não sabia de nada, não tinha resposta para tais perguntas, nem mesmo as sabia entender bem nessa época, minha vida era tão confusa quanto a minha mente. Então... eu preferia fugir. Não era uma fuga real, mas mental, fugia de mim mesmo e das minhas indagações.

Como disse um dia um grandiosíssimo escritor russo, existem coisas que compartilhamos com os outros; outras, somente conosco e a mais ninguém. Mas há aquelas que nem a nós mesmos queremos revelar. Eu, comigo, estava nesse estágio há muito tempo. Eu era assim, fugia da mente como se foge do Diabo, uma laboriosa luta.

Mas... vamos ao que interessa: como toda a minha história de amor começou.

Na época, mantinha-me à rédea das regras religiosas. Cada passo em falso era um martírio mental equivalente a trezentas chicotadas. E, como todo bom cristão, tentava manter minha vida tão organizada quanto a minha Bíblia, com as passagens preferidas todas marcadas. Mas perguntava-me, por vezes, do que adiantava tudo aquilo? Nada parecia ser real, um fingimento só. Não que eu não cumprisse as ordens, os parâmetros para ser um bom cristão, eu os fazia muito bem, mas... em alguma coisa eu estava falhando.

A caminho da igreja, esforçava-me para não pensar nessas questões. Olhava o caminho à minha frente, um estreito corredor, margeado por árvores centenárias que se erguiam como sentinelas silenciosas. As folhas secas cobriam o chão em um tapete de tons ocres, guardando ainda a umidade da chuva que havia caído na noite anterior. A cada passo, meus sapatos esmagavam as folhas úmidas, produzindo um som suave, quase melancólico, como se o próprio chão sussurrasse histórias de tudo o que havia testemunhado ao longo dos anos. Pequenas poças d'água se formavam nas irregularidades das pedras, refletindo o céu nublado como pequenos espelhos distorcidos.

O ar estava frio e denso, carregado com o perfume terroso de folhas molhadas e do musgo que cobria os troncos das árvores. O vento soprava de leve, agitando os galhos desnudos e fazendo com que algumas folhas se desprendessem e dançassem no ar, caindo suavemente ao meu redor. O caminho era estreito, mas familiar, como uma passagem secreta que conduzia a um lugar que eu conhecia bem, mas que sempre me fazia sentir um arrepio de expectativa.

Ao fim do caminho, ela surgia: a igreja. Era uma construção modesta, sem a grandiosidade das catedrais, mas ainda assim imponente à sua maneira. Sua fachada era simples, pintada de um bege desbotado pelo tempo e pelas chuvas, com manchas escuras que escorriam das calhas de metal oxidado. A arquitetura era simples, sem excessos de ornamentos, buscando uma funcionalidade que priorizava o acolhimento e a comunhão sobre a ostentação. Apesar disso, era a mais bonita das igrejas protestantes na cidade.

O edifício tinha um telhado de duas águas com telhas de barro que estavam manchadas de musgo aqui e ali, um testemunho silencioso do passar dos anos e da umidade constante daquela região. As paredes laterais eram pontuadas por janelas retangulares com vidro martelado, permitindo que a luz do dia entrasse de maneira difusa, como um véu que dava ao ambiente uma penumbra reconfortante, mas também cheia de sombras dançantes. No entanto, no final da tarde nublada, o interior da igreja parecia um pouco mais escuro, como se estivesse guardando segredos em seus cantos.

[EM REVISÃO] O Fruto ProibidoOnde histórias criam vida. Descubra agora