• Ausência •

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"O coração alegre serve de bom remédio,
mas o espírito abatido virá a secar os ossos."

Uma semana depois, eu fui ao culto. As coisas em minha casa não iam muito bem, pois meus pais brigavam diariamente. A igreja era o único lugar no mundo onde eu me sentia à vontade e em paz. Lá eu me esquecia dos problemas, das frustrações e das fraquezas que insistiam em me torturar sempre que dava. Tudo o que eu fazia em casa era chorar, quando não em meu quarto, no banheiro.

Eu sabia que iria encontrar com Daniel e que tudo iria ficar bem melhor no momento em que ele me dirigisse a palavra. As nossas conversas me deixavam bem melhor. Era sempre assim. Eu sabia que essa angústia toda iria embora daqui a pouco.

Porém, para a minha frustração, ele ainda não havia chegado. Algo muito estranho para quem sempre chegava pontualmente às programações da igreja. Já estava a uns quatro meses na congregação e nunca tinha chegado tarde ou faltado. Então lembrei-me do que Jonas tinha falado sobre ele no ensaio. Talvez tivesse a ver com isso, talvez ele tenha ficado com vergonha de vir depois daquela cena. "Eu deveria ter passado pela casa dele", pensei.

O relógio grudado à parede suja, que parecia ter cor de creme vencido, mostrava que já havia se passado meia hora desde o início do culto. A cada três minutos eu voltava a olhá-lo, e, em seguida, para a porta.

- Vai acabar ficando com torcicolo! - cochichou alguém atrás de mim.

Era o Lucas.

- Não ligo!

- Já te falaram do Jonas?

- O quê? - ele parecia um pouco chateado.

- Bom... me falaram que vai passar um tempo sem vir à igreja, para se redimir.

- Redimir? - sorri - Não chegou a esse ponto. Foi apenas uma discussão que tivemos. Nada demais.

- Não tô falando disso.

- De quê, então?

- Viram ele porre em um bar na praça. Disseram que ele estava até sem camisa, apenas de bermuda.

- Meu Deus! Quando foi isso?

- Umas duas semanas. Mas só agora veio à tona.

- Como eu não sabia disso? Meu Deus! Por isso... - não completei o pensamento.

- É! Como vai saber? Tu deixou ele de mão. Teus olhos e ouvidos agora são todos do Daniel. - ele sorriu.

Virei-me para a frente. Alguém falava no púlpito, mas eu não entendia uma só palavra. Agora eu tinha duas preocupações a mais para o tormento ficar completo. Daniel não viria e eu ficaria com o coração apertado por isso; e Jonas estava em um momento difícil de sua vida, sozinho, sem me ter por perto. Eu nem tentei compreender o que ele estava passando; o porquê de não ter assinado aquela bendita lista.

Senti uma correria fria por meu rosto. Era uma lágrima. Eu não aguentava aquilo tudo sem desabar. Havia um aperto em meu coração e um imenso nó em minha garganta querendo sair. Eu abaixei meu rosto, para que não percebessem minhas lágrimas. Uma enxurrada começou a escorrer de dentro de mim, como que vindos de uma cachoeira imensa.

"Sou um péssimo amigo", pensei. E era mesmo. Tanto para Jonas quanto para Daniel. Na verdade, para todo mundo. O problema estava em mim, em não conseguir conservar uma amizade sem destruí-la ou ter de matá-la.

Agora eu havia perdido a amizade de Jonas. Meu amigo de longas datas, que sempre esteve ao meu lado, me dando forças para continuar.

Depois de limpar as lágrimas, quis olhar para a porta, mas olhei primeiro para o relógio. Já era muito tarde. Com certeza, Daniel não viria mais. Uma angústia bem maior se apoderou do meu coração, que parecia que eu ia ter um infarto.

Nada do que tinha ali me atraia mais. Eu não estava lá, meus pensamentos voavam longe. Ao mesmo tempo que eu me repreendia por ter me apaixonado por Daniel, me pegava pensando em nós, em como ficamos tão próximos e em como eu gostava de estar perto dele, de nossas conversas tão longas e tão interessantes.

Meu coração palpitava. Lembrei-me das inúmeras noites que, em meu quarto, minhas lágrimas molhavam meu travesseiro, e de como eu tapava a minha boca para que meus gemidos não fossem ouvidos por meus pais. Ficava no escuro, calado com tudo gritando por dentro. A minha alma gritava, pedia socorro a Deus. Como eu poderia continuar naquele sofrimento? Como poderia continuar amando um pecado do qual nunca conseguir me livrar?

Eu não entendia.

Às vezes, eu olhava para os meus amigos. Via-os ser o que chamam de masculinos. Via como falavam de seus desejos, da vontade que tinham de ter em seus braços algumas das meninas. Eu me perguntava "por quê?". Eu queria tanto sentir aquilo também, ser normal no local onde decidi me refugiar do mundo. Mas não conseguia. Eu olhava para uma mulher e não sentia o mesmo que sentia quando olhava para um homem. Embora eu enganasse muito a mim e aos outros quanto a isso.

É angustiante querer transgredir o que se sente. Calar seu sentimento e lhe dizer que não é daquele jeito. Eu sentia que estava fazendo o certo para Deus e para os outros. Mas também sentia que o que fazia era uma transgressão contra meu interior, contra a minha alma. E a indecisão tomava de conta.

Ninguém nunca irá entender o que alguém como eu sente. Não! Nunca entenderão a dor que eu sentia todas as vezes que Lucas zombava de mim, como se eu fosse uma aberração. Eu chorava, clamava a Deus pedindo perdão nem sei pelo quê. Gritava na igreja quando podia sem que ninguém soubesse o motivo da minha dor. Eu clamava, mas não sabia por quê. Eu não entendia a mim mesmo. Eu não sabia se chorava com raiva de mim por não conseguir ou com raiva de tudo o que me impedia de ser o que sou.

De repente, minhas mãos estão completamente cobertas de lágrimas. Eu então comecei a falar com Deus dos meus tormentos.

- Eu não... não consigo... - comecei a dizer baixinho - Eu juro que tentei. Eu... juro... juro! Lutei com todas as minhas forças. Eu lutei bastante. Mas isso é demais pra mim, Deus. Não consigo mais chorar no escuro, porque ninguém pode saber o porquê do meu sofrimento. O Senhor sabe... que às vezes eu só quero morrer. O Senhor sabe o quanto tenho repreendido o meu eu interior. E pra quê, Deus? Por que me desampara? Por quê?

As lágrimas iam caindo rapidamente, sem que eu fizesse qualquer esforço. Senti uma fraqueza tremenda, e lembrei que tinha feito um jejum. Fiquei a manhã e parte da tarde sem comer, por Daniel. Para arrancá-lo do coração.

- Lau, tá tudo bem? - disse Carol ao se sentar ao meu lado.

Eu a olhei. Tudo estava embaçado por conta das lágrimas que não paravam de cair de meus olhos. Não conseguir dizer nenhuma palavra. Estava fraco demais para isso, eu apenas chorei mais e mais.

Ela, com carinho, puxou-me para seus ombros e enfiou meu rosto em seu colo. Era incrível como eu conseguia chorar ainda. Parece que havia uma fonte de água interminável dentro de mim. Daí eu só consegui ouvir suas primeiras palavras.

- Xiiii! Tudo bem, Lau! Vai ficar tudo...


- Xiiii! Tudo bem, Lau! Vai ficar tudo

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[EM REVISÃO] O Fruto ProibidoOnde histórias criam vida. Descubra agora