• Alianças •

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"Excepcional era o teu amor, ultrapassando o amor de mulheres."

Um nervosismo percorreu todo o meu corpo, deixando-me imóvel. Mas ele foi o culpado por trazer aquele assunto para a nossa conversa, justamente quando falávamos de nós, da nossa amizade. Por que ele falaria aquilo se não tivesse outra intenção?

Olhei em volta e não tinha mais ninguém na rua. Um vento gelado roçava meu pescoço e depois uma ventania mais forte vinha de encontro ao meu corpo. Parecia que toda aquela escuridão soprava em nós uma brisa angustiante, pois a cada sopro me causava uma ânsia que fazia com que minhas pernas tremessem incontrolavelmente.

- O que foi? - ele perguntou.

- Nada! Eu... Só estou... pensando sobre isso. - respondo todo nervoso.

- Pois é! Tem um versículo que diz que Jônatas amou a alma de Davi, e isso que gera a polêmica toda. Mas eu acho que eles não colocariam um caso desse na bíblia. Eu acho que não.

- É! Eu também acho. - respondo.

Aqueles olhos me fitavam como se quisessem que eu dissesse algo. Como se estivessem me colocando contra a parede, e pedindo que eu revelasse toda a verdade sobre o que sentia. Talvez ele já tivesse percebido há tempos que eu o olhava de forma diferente. Mas eu não faria aquilo. Não diria nada, enquanto não tivesse a certeza de que nada demais aconteceria entre nós dois.

- Acho que eles tiveram uma amizade fora do comum para alguns. E talvez essas só consigam enxergar o lado ruim. Mas eu enxergo uma amizade muito forte. Parece que eles são irmãos mesmo. - enfim respondo de forma inteligível.

- Também acho! Eu li várias outras passagens que falam deles, como a parte na qual Davi fala que o amor dele por Jônatas ultrapassava o de mulheres. - ele fica a me observar.

- Tá... confesso! Essa parte é estranha. - nós sorrimos.

- Falta mais pesquisa da minha parte, mas eu acho que aí ele quis demonstrar o tanto de fraternidade que havia entre eles.

- Que era mais forte que a fraqueza de Davi por mulheres. - completei.

- Sim! Isso mesmo! Era uma aliança igual a nossa. - eu que já estava envergonhado, fiquei ainda mais sem jeito com aquele comentário.

A forma como a Lua banhava seu rosto com um lindo brilho prateado o deixava com um olhar mais misterioso. Algumas vezes eu não conseguia discernir se ele olhava para mim ou para qualquer outro lugar. Mas a parte que era inteiramente tomada pelo luar me fazia perceber o quanto ele era bonito, e o quanto sua pele era branca e macia. Em seu rosto não havia nenhuma marca de espinha, como se isso nunca tivesse sido um problema.

- O que está achando da peça? - perguntei.

- Eu estou gostando. Nunca tinha participado antes, mas parece que levo jeito. Eu já consegui decorar a maioria das falas.

- Hum!!! Eu fico muito feliz... pensei que tu não fosse se dar bem e querer sair. Mas parece que me enganei. Há um grande ator em ti. - Ele apenas sorriu.

Parece que pela primeira vez os assuntos haviam cessado. Mais uma vez nos pegamos no meio de um estranho olhar um para o outro. Apesar da vergonha que eu sentia em fazer isso, eu tentava continuar. Enquanto dentro de mim havia uma briga entre o querer ficar ali com ele até de manhã, se fosse possível, e a triste despedida, que poderia ser para sempre. Não que nós deixaríamos de nos ver, mas aqueles encontros, aquelas conversas que sempre tínhamos naquele mesmo lugar nunca mais iriam voltar a se repetir. Eu sei que precisava disso, que tinha de tentar sair desse precipício onde me joguei. Mas estava muito difícil olhar para ele e dizer que eu não podia mais ser seu amigo. Ele iria querer explicações do porquê daquilo. Eu não saberia o que dizer, e teria vergonha de falar a verdade. Estava em um beco sem saída, onde tinha que decidir entre me afundar mais na lama ou sair dela antes que fosse tarde.

"Acho que já é tarde", pensei. Acho que não consigo mais me livrar disso. Daniel está em todos os meus pensamentos e em todos os assuntos que saíam da minha boca.

- Tá pensando em quê? - ele, serenamente, perguntou.

- Que é tarde demais! - nem me dei conta que acabava de revelar meu pensamento. Sorte a minha que não foi uma parte mais comprometedora.

- Acho que ainda é mais cedo que ontem. Já quer ir?

- Não!!! Eu tava pensando em outra coisa. Deixa pra lá. - nós sorrimos - Eu quero te mostrar uma coisa. - eu disse.

- O quê? - ele respondeu.

Eu tirei do bolso o meu celular, deslizei a tela e o apontei para cima. Era possível enxergar todas as constelações por ali. Víamos todas as que apareciam acima e abaixo de nós.

- Olha! Gostei... dá pra ver tudo. - ele veio para perto.

- Sim! Agora a gente pode caçar todas as constelações que quisermos. Assim fica mais fácil.

As únicas constelações que eu havia encontrado sem a ajuda do aplicativo era a Órion, a Cruzeiro do Sul e a do Cisne. As outras eram um pouco mais difíceis de encontrar.

- Aqui a Órion. Agora dá pra ver!

- Sim! Daqui a um tempo pederemos ver ela a olho nu. - eu disse.

Ficamos por um bom tempo olhando as estrelas, os planetas e as constelações. Depois, quando percebemos que já estava bem tarde, nos despedimos.

- Tchau! - disse ele, vindo em minha direção para me dar mais um abraço daqueles.

Eu apenas me deixei ser envolvido em seus braços. O momento da despedida tinha algo de bom. Ele me pegava e puxava contra seu peito, apertando forte. Eu sentia cada parte sua encostando em mim, me causando uma estranha alegria. Nós não nos importávamos mais se alguém estava olhando por algum buraco de sua casa. Eu mesmo só queria curtir aquele maravilhoso momento nos braços dele. E era justamente o momento que eu devia dizer que não deveríamos mais nos ver. Era ali naquele lugar e momento que eu tantas vezes fantasiei dizer que não dava mais, que aquilo me fazia sofrer. Mas o medo me travava, e eu só conseguia ficar perdidamente agarrado a ele, sentindo seu cheiro e seu corpo colado ao meu, até que nos desgrudássemos e caminhássemos em direções diferentes, ele para a sua casa e eu para a minha. Ambos com o coração apertado pela despedida.

Nas sexta-feiras havia cultos também. Numa dessas, Abner disse que queria falar comigo sobre algo muito sério. Eu já tinha deixado o projeto de lado, para evitar comentários sobre eu querer tomar o lugar dele, eu havia me conformado em ficar em meu lugar quieto. Talvez ele tivesse voltado atrás e, quem sabe, agora queria me ajudar a levar o projeto adiante. Eu esperava que ele fizesse isso algum dia.

Nós fomos para uma sala, onde nos sentamos e ficamos apenas nós dois. Então ele olhou para mim e começou a respirar fundo.

- Diga! - eu falei.

- Lauro, eu... pensei muito antes de te chamar. Não pense que eu quero... - respirava mais ainda. Parecia preocupado e nervoso - o teu mal. Se estou fazendo isso é pro teu bem. Tá bom? - eu apenas assenti com a cabeça.

Comecei a ficar nervoso também, parecia não se tratar do que eu estava pensando. Pela cara e pelo nervosismo dele parecia ser algo sério.

- Eu vou te fazer umas perguntas, e... Te aconselhar a tomar algumas decisões. - pareceia que dava voltas, com medo de falar.

- Não tô entendendo. Eu fiz algo de errado, Abner? Tem a ver com o quê? - perguntei.

- Tem a ver contigo e com o Daniel.

- Tem a ver contigo e com o Daniel

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[EM REVISÃO] O Fruto ProibidoOnde histórias criam vida. Descubra agora