• Constelações •

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"Ele fixa o número das estrelas, e a cada uma dá um nome."

Jonas não havia assinado, bem como o Lucas disse. E eu nem tentei entender o porquê de ele não ter feito isso. Ele é o meu melhor amigo, tinha o dever de me apoiar com isso. E mais... se ele quisesse que o projeto fosse pra frente, teria conseguido bem mais assinaturas. Ele tinha mais três amigos além de mim. Tenho certeza que os traria facilmente para o projeto. Mas não, não assinou. Não quis. E ainda disse ao pastor que não queria.
Sua culpa foi comprovada quando ele não disse nada após eu ter jogado o papel nele e o chamado de traidor. Nem ao menos veio atrás de mim, para tentar explicar e me dar algum motivo plausível para me deixar na mão daquela maneira.
No meio do caminho, encontrei Daniel, que ia andando devagar. Talvez com a intenção de que eu o encontrasse mesmo.

- Espera aí! Ei... espera! - ele puxou um dos meus braços.

Eu parei e virei.

- O que foi? Por que tá assim? Aconteceu alguma coisa?

Suspirei fundo, antes de responder.

- Deu errado! - eu disse, balançando a cabeça.

Nem conseguia olhar em seus olhos, eu grudava os olhos no chão.

- O que deu errado, Lauro?

- O projeto! - finalmente o fitei - Ninguém mais quis assinar, além de nós dois e a Carol.

- Espera aí, e o Jonas? Eu pensei que ele fosse conseguir mais umas dez pessoas com quem ele se dá bastante.

- Ele... - Eu aguentei o choro - ele não quis.

As lágrimas que queriam cair não eram de tristeza, eram de raiva. Eu não acredito que Abner podia pensar que eu queria tomar o lugar dele, só porque eu lhe sugeria uma ação evangelística. E Jonas? Que merda ele tinha na cabeça pra planejar a ação e depois não querer participar?

- Jonas não quis? Mas não foi ele que levou o projeto ao pastor?

- Sim! Mas... ai eu nem sei mais o que pensar. Sério! - sequei uma lágrima que já havia desobedecido minha vontade - Desculpa!

- Tá tudo bem... pode chorar se quiser. - disse ele.

- Não... Eu não... Não faço isso na frente de ninguém! Demonstra fraqueza. Se tem uma coisa que eu não quero demonstrar é que sou fraco. - outra lágrima se rebelou.

- Tá! Vamos andando! - disse enquanto tomava a frente, a caminho da rua na qual morávamos.

- Abner nem sequer assinou a lista, pra pelo menos fingir que queria a ajuda. É muita ingratidão da pessoa. Que Deus me perdoe por isso.

- Eu não entendo! Tu faz um projeto tão bonito, com intuito de ajudar o conjunto e a igreja. E eles não aceitam?!

- Sempre é assim! As necessidades deles sempre estão na frente das da igreja. A gente monta uma coisa dessas, e não querem, com a desculpa de que vai ter uma consagração distrital. Pra quê? Eles vivem se consagrando pra ficar cantando dentro da igreja. Quem eles acham que vão salvar com isso? Eu sei que é adoração, mas isso não vale de nada se não tiver ação, se não tiver amor pelo próximo. Lá tem uma monte de gente que é um grande adorador no culto, que canta e até fala em línguas, mas vive falando mal dos outros e fazendo um inferno na vida dos irmãos. Lucas é um desse, só máscara. Vive me infernizando por... - eu lembrei na hora de que Daniel não podia saber.

- O que foi?

- Nada! Eu falei demais!

- Eu entendo. Sério! Entendo mesmo. Na igreja de onde eu vim, lá no sítio, era assim mesmo. Mas só tem uma diferença, que é no pastor. Era ele que queria fazer essas coisas que tu gosta de fazer. Aqui é o contrário.

- É... infelizmente!

- Deus quer pessoas como tu pra fazer obras revolucionárias. Tem um versículo que diz... - ele sempre citando a bíblia para tudo.

E, como sempre, era o único capaz de me deixar mais tranquilo em meio a uma situação igual àquela. Eu ouvi cada palavra que saía de sua boca com enorme prazer, enquanto passávamos por todas as ruas que levavam ao nosso destino. Talvez fosse coisa de Deus ele ter aparecido, não era uma tentação, mas sim um anjo. E eu não deveria sentir atração por um anjo enviado para me ajudar. Eu deveria respeitá-lo como um homem de Deus que ele era. Eu o admirava por ser tão dedicado a Deus, por ser um ótimo pregador e estar sempre compromissado com os cultos e com as orações, pois desde que chegou, nunca faltou a nada.
Quando chegamos no canto onde tínhamos que nos despedir, nós paramos para continuar conversando, pois ele ainda não tinha terminado de me dar conselhos. Essa era a primeira vez que parávamos ali.

- Acho que nós devemos passar por essas coisas, sabe?! É uma batalha diária do cristão. O negócio é não se abater com esses conflitos, pois saiba que tu está no caminho certo. Isso foi Jesus que disse.

- Ah! Muito obrigado... Eu me sinto bem melhor!

- Que bom! - ele abriu um largo sorriso.

Eu olhei para cima, o céu brilhava tanto que não pude ficar sem comentar.

- Hoje tá fazendo uma linda noite! Olha quantas estrelas e planetas estão brilhando!

Ele seguiu meus olhos e os dele passearam de leste a oeste.

- Queria ver as três Marias! - disse ele.

- Órion! - falei.

Ele me olhou.

- Hum?

- Órion, esse é o nome dado à constelação das três Marias.

- Sério? Eu não sabia. - ele exclamou com entusiasmo.

- É! Eu gosto do céu, não só o bíblico. O sideral também. - nós dois rimos - E também gosto das famosas Marias. Elas aparecem, geralmente, no verão. Vamos ter que esperar mais um pouco. - rimos novamente - Não sei se tu já prestou atenção nas quatro estrelas em volta das três. Fazem parte da constelação de Órion. Todas elas formam um caçador chamado Órion. As três Marias, Alnitak, Alnilam e Mintaka, são apenas seu cinturão. Em volta há duas gigantes, uma vermelha e outra azul.

Ele me olhou com uma expressão encantadora, como se estivesse sentindo prazer em ouvir tudo aquilo sobre as estrelas. Eu lhe falei sobre quase todas as constelações que conhecia, ele me ouviu cordialmente. Aquela noite horrível não podia acabar de forma melhor.
Na conversa, esquecemos da hora. Quando paramos para observar em volta, na Terra mesmo, já não tinha mais ninguém além de nós dois na rua. As casas já estavam todas fechadas e com as luzes apagadas. Um breu atrapalhado pelos postes que nos iluminavam.

- São uma e cinco. - eu disse, olhando a tela do celular.

- Caramba! Parece que acabamos de chegar aqui. - ele disse sorrindo.

- Sim! - eu respondi, mantendo meu olhar nele.

Durante alguns segundos foi isso o que aconteceu, nossos olhares contemplaram-se de forma que nem um nem outro quis se desviar.

- Tenho que ir! - ele disse, por fim.

- Sim! Eu também! - respondi.

Ele veio em minha direção e me abraçou. Sem reação de fazer o mesmo, eu apenas passeei meu olhar em volta, para garantir que ninguém nos via. E, então, fechei os olhos, sentindo o aroma do seu perfume, e o envolvi em meus braços também.


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[EM REVISÃO] O Fruto ProibidoOnde histórias criam vida. Descubra agora