O caminho todo seguimos em silêncio, deixei Any no hospital e dirigi sem rumo.
Eu coloquei o mundo no mudo por um tempo. Precisava parar para pensar em uma solução, seja ela qual for. Por mais que isso soasse covarde, não conseguiria falar com Christopher agora. Não tinha coragem suficiente para contar a verdade à ele muito menos agora que nem tinha decidido o que iria fazer. Sempre estava um passo a frente de tudo e de todos. Não podia acreditar que cometi esse erro de cálculo e não considerei essa possibilidade, o amor a havia deixado descuidada e burra e não poderia parar de se julgar por isso.
O tempo passava e com ele o que restava da minha sanidade mental. Eu já lutava contra a maré que insistia em me levar para o fundo uma e outra vez. Eu escutava meu celular tocar mas não estava pronta para atender.
"Desculpe. Eu preciso de um tempo"
Foi tudo que eu consegui mandar. As horas se passaram e as chamadas persistiam. Eu estava voltando aos meus velhos hábitos de me fechar para o mundo. Por que é isso que eu faço quando estou machucada. Eu fui moldada para ser uma rocha mas eu não consigo mais lidar com os danos causados pelos constantes golpes. Eu estava desmoronando e arrastando um monte de gente comigo. Quem eu sempre prometi que protegeria e por mais machucada que eu pudesse sair disso falhar com as pessoas que eu amava doeria bem mais.
Os dias passaram e as chamadas também. Por mais que racionalmente eu desejei que elas parassem o meu lado egoísta queria que Christopher não desistisse de mim. Nesses dias eu fiz o que sabia fazer de melhor: fugir das emoções. A única pessoa que ainda via era Anahí mas ela dedicava todo o seu tempo livre à Poncho que já havia saído do hospital e se recuperava na casa dela. Era melhor machucar Christopher agora do que vê-lo morto e vê-lo machucado por minha culpa não era uma possibilidade.
Saltei a janela como de costume, ele nem se virou mas percebi seu corpo enrijecer.
- Finalmente decidiu aparecer - seu tom frio me deixou ainda mais ansiosa
- É muito mais complicado do que você pensa Christopher - era inevitável assumir meu sistema de defesa, eu sabia que me machucaria nesse processo
- Essa é sempre a sua resposta pra tudo e sinceramente? Eu estou cansado dela
- Não podemos continuar juntos... eu sinto muito - minha voz saiu quase inaudível
- Confesso que não estou surpreso Dulce ou quem esta comigo agora é a Roberta? - ele me olhava com raiva
- Christopher não fala assim... - falei embargada - eu queria que as coisas tivessem sido diferentes, você tem que acreditar que eu tentei
- E na primeira dificuldade você desiste?
- Você não sabe do que esta falando, então não me julgue - voltei ao meu tom frio
- O que você quer que eu faça? Você nunca me conta nada - ele aumentou o tom de voz - Você simplesmente me coloca pra fora da sua vida. Eu arrisquei tudo pra ficar com você Dulce, inclusive minha própria vida e você me descarta como se não fosse nada. Como você acha que eu me sinto sobre isso? Eu corro atrás de você o tempo todo e sinceramente estou cansado desse jogo de gato e rato. Eu te amo mas tenho que me amar primeiro.
- Eu sinto muito... - foi tudo que eu consegui dizer antes de ir embora.
- Adeus Dulce - foi a última coisa que ouvi
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Andava pelas ruas, invisível como sempre. Poncho tinha marcado comigo para me passar os detalhes do próximo roubo e eu fui ao seu encontro no piloto automático. Era isso que eu vinha fazendo
- Te pegamos Roberta - eu senti o frio metal encostar na parte de trás da minha cabeça.
- Eu sinto muito - sussurrou uma voz que eu conhecia muito bem, era Poncho
- Você sabe as regras. Aqui não tem espaço para traidores - Poncho apareceu na minha frente e mirou a arma no meu peito - Você fez sua escolha quando tentou escapar. Atira Poncho, é sua liberdade pela dela.
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Houve alguns segundos de completo silencio e vi a mão de Poncho tremer enquanto segurava o revolver. Mas sua hesitação durou pouco, ele atirou uma e outra vez e Dulce caiu no chão com um som oco. Uma mancha vermelha começou a se ampliar no chão em que Dulce jazia inerte.
- Se livre do corpo - foi tudo que falaram antes de partir e Poncho se aproximou dela
- Eu sinto muito - ele repetia se abaixando perto de Dulce - Não era pra ser assim
O corpo de Dulce não reagia enquanto era carregado por Poncho para a mala do carro. Uma limpeza foi feita e não havia um rastro sequer do que havia acontecido. Dulce se fora e tudo que acontecera ali como se jamais houvesse existido. Ela não existia para as autoridades, era muito fácil apagá-la. Ela não existia para quase todos, uma simples órfã não fazia falta para ninguém e em mundo como aquele, ela não passava de um número ou nem isso.
Quanto tempo todos demorariam para esquecer que uma ruiva de olhos castanhos havia passado por esse mundo? Tão inteligente e com um brilho nos olhos inconfundível. Mas que foi constantemente golpeada pela vida e traída pelos seus. O brilho de seus olhos foi se apagando e com ele as sua ilusões de que seus sonhos seriam realidade. A história desse garota não é muito diferente de várias pelo mundo mas que ninguém perde tempo suficiente para contá-las.
Mas Dulce marcou a vida de duas pessoas para sempre. Só elas eram capazes de ver a essência brilhante que uma escuridão tratava de encobrir.
Impossível ignorar os gritos de Anahí quando ela soube que a gangue havia matado Dulce. Poncho ocultou quem puxou o gatilho mas ela mal prestada atenção nos detalhes. Presa demais em sua dor ela só chorava nos braços de Poncho. Anahí sempre temera que essa momento chegará e vê-lo acontecer foi pior do que qualquer pesadelo que já teve. Se viu sozinha no mundo e ao mesmo tempo sentia-se culpada por haver deixado Dulce sozinha em seus últimos momentos. Ela morreu sozinha como esteve na maior parte do tempo em seus últimos anos.
Poncho levou Anahí para onde enterrou Dulce, um lugar ermo próximo a uma estrada. Mal havia um sinal de que tinha algo ali, só uma pequena cruz, sem nome. Nada.
- Ela esta enterrada como se fosse uma indigente Poncho - Anahí chorava depois de um longo tempo olhando para onde jazia o corpo de sua amiga.
- É assim que tem que ser Any - ele a abraçava - Você nem deveria estar aqui
- Eu preciso me despedir - ela se ajoelhou - Preciso dizer adeus e que eu a amo - ela murmurou baixinho, tocando a terra como em uma tentativa desesperada de se conectar com ela - Minha irmã me perdoa, eu não deveria ter te deixado sozinha. Deveria ter insistido mais, deveria ter te obrigado a sair disso - ela começou a esmurrar o chão e Poncho se aproximou em uma tentativa de acalmá-la - Você prometeu que era eu e você pra sempre! Você prometeu - as lágrimas corriam livremente pelo seu rosto
- Temos que ir Any - Poncho parecia ansioso e a fez se levantar. Anahí se deixou carregar por ele. Sem que Anahí percebe-se, Poncho tirou uma rosa tingida de negro e deixou em frente a cruz. Essa foi a última vez que foram naquele lugar.
Mas ainda havia uma pessoa que tinha que saber o que aconteceu. Que merecia ter a chance de se despedir.
Christopher
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Mais dois capítulos para acabar. NÃO ME ODEIEM. Só posto com comentários e favoritos galerinha <3
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Criminosa
FanfictionDesde que Dulce fugiu do orfanato, ela desapareceu como fumaça. Por mais que Christopher a procurasse não havia nenhuma pista dela. Estava determinado a pedi-la perdão mas talvez fosse tarde demais. Dulce saiu do orfanato e jurou a si mesma que não...