Alice tinha decidido. Iria ver o pai.
Na verdade, já estava parada em frente a porta, prestes a bater, o que não foi possível, pois Carly pareceu saber que ela estava ali há minutos apenas reunindo coragem para bater. O rosto de Alice era inexpressivo, ela estava pensando no que falar, no que deveria pensar ao ver sua vizinha saindo da casa do seu pai logo às sete e meia da manhã.
- Entre, querida.
Alice entrou, mas sem responder.
Ela sabia que estava sendo injusta em algumas perspectivas, afinal, Carly não tinha culpa nenhum nessa história, a garota só queria ver o pai. Mas deu de cara com a vizinha e aquele sentimento ruim voltou a sua garganta, ardente e culposo.
- Onde está meu pai?
- Ele já vai sair do banho, eu vou à padaria... Você quer tomar café conosco?
Alice assentiu mesmo sabendo que seu estômago rejeitaria qualquer coisa que ela ousasse comer.
Quando Carly saiu as coisas pareceu ficarem sobriamente como antes, mas não um antes feliz como Alice mantinha na mente, um antes logo depois que sua mãe morrera, onde o pai se afundara, onde o silêncio era a companhia dela para a maioria dos momentos. Ela sabia qual a direção do seu quarto, a direção do quintal que tanto brincou e apesar do seu pai não ser um homem violento, mantinha esconderijos lá também. Aos dezesseis decidiu fazer o exame de seleção da Bishop e para sua surpresa fora aprovada com 97% de pontos, e ao se despedir da casa, confiando em seu pai, sentiu-se egoísta por finalmente sair de casa.
Seu pai saíra do banheiro vestido. Algo no rosto dele assustou Alice. Ele estava... Ótimo. As olheiras debaixo dos olhos desaparecera, a pele pálida estava bronzeada e os olhos castanhos magníficos voltaram a brilhar. Até o sorriso dele, pensou Alice, estava maravilhoso.
- Pai?
- Ah! Bem que eu achei ter ouvido sua voz. O que está fazendo aqui? Está matando aula?
- Só as primeiras e... Está tudo bem? - Ela sabia que não havia necessidade de perguntar tal coisa, estava na cara do seu pai que as coisas estavam bem.
- Tudo ótimo e você? Parece... Cansada.
E ela estava mesmo. Seu campeonato era hoje, passara a maior parte da noite correndo e quando chegara em seu quarto encontrara Gina trabalhando em uma roupa e pediu que Alice servisse de modelo, o que, arrancou risadas das duas por Alice tropeçar nos saltos altos, mas o corpo dela descansou menos do que deveria e agora ela sentia o peso disso. Não que fosse contar nada disso ao seu pai, eram seus problemas e ela cuidaria deles bem depois.
- Tudo bem, só quis fazer uma visita.
- Você ainda parece bem chateada.
- Não! Não, não... Pai, eu só quero esclarecer as coisas. Me sinto tão... Estranha.
- Eu também minha Alice.
Sem poder controlar, lágrimas rolaram pelo rosto de Alice e ela ficou ali, parada chorando e em poucos segundos seu pai a abraçou com força, uma força que ela não sentia há meses. O abraço foi reconfortante, ela sabia que o momento era real, mas simplesmente parecia um sonho.
- Achei que...
- Não estou com raiva - Alice sentia o peso que ela era, uma rocha, finalmente se rachando - Eu estava triste.
A mão do seu pai acalentou sua cabeça. O gesto paternal fez Alice derramar mais lágrimas do que achava possível.
- Do que estava com medo? Conte para mim Alice, eu já sou capaz de... Ser seu pai. Se você permitir.
***
Carly tinha chegado minutos depois que Alice começou a falar. A vizinha comprou pães mas não os largou até que fosse convidada a sentar-se junto ao pai e a filha. Alice, de início, sentiu-se desconfortável, mas quando sua vizinha sorriu, aquela sensação desapareceu quase que por completo. A conversa ocorreu de modo lento, de modo gaguejante. Lágrimas de vergonha rolaram de todos por mais que o Pai de Alice tenha disfarçado bem.
Alice sentiu-se melhor quando soube que seu pai estava sim namorando Carly, mas nunca esqueceria a mãe dela, a sua esposa falecida. Carly, que se manteve quieta apenas observando garantiu a menina que seu objetivo não era tomar o lugar da mãe, era simplesmente ajudar.
No final, Alice fora embora, antes deu um abraço nos dois residentes da sua antiga casa. No ônibus vinha se perguntando como as coisas seriam agora, tanto com eles, tanto com ela.
Ela havia tomado outra decisão.
Ela se encontrou com Saulo assim que chegou.
Ele estava com os cabelos cor-de-mel preso em um coque charmoso e vestia a farda branca e o casaco que lhe emprestara. Ela sentia a necessidade de se esvair especificamente hoje e se pudesse, contava tudo o que tinha, mas ela sabia que certas coisas se mantinham presas, porque eram cruéis demais.
- O que queria me dizer? - Saulo disse quase atropelando as palavras. Ele estava nervoso, ansioso e parecendo querer correr. Ou ir ao banheiro urgentemente.
- Quando meu pai esteve no meu dormitório ele perguntou... Aquilo. Você sabe o quê.
- Eu disse que era seu amigo.
- Eu acho... Não sei... Você e eu... A gente podia, nem mesmo sei se somos, mas... Não sei mais do que estou falando.
- Alice Sloan - Saulo falou cada palavra sorrindo e corando, mas principalmente sorrindo. - Você está me pedindo em namoro?
A Sloan mais nova corou. Corou como nunca e isso fez Saulo rir.
- Eu aceito, se é isso. - Saulo relaxou visivelmente. Aproximou-se de Alice e a beijou.
O beijo começou calmo e lento, de modo apaixonado, por assim dizer. Mas Alice sentia a extrema necessidade de não deixar Saulo escapar de suas mãos, como água escorria pelos seus dedos durante o banho. Ela tinha certeza de que Saulo era como sua salvação, como Carly fora a do seu pai. O beijo logo se tornou feroz, cheio de gemidos sôfregos e língua.
Eles só pararam quando o celular de Saulo aptou. Fora ele quem se afastou, o nervosismo corroendo de novo suas feições angelicais.
- O que foi?
- Nada só deixa eu ver... - Ele sacou o celular. Então olhou para os lados, os fios do coque desprenderam rapidamente. Ele estava assustado.
- Saulo, o que foi? O que você está procurando?
Para dizer o que estava o afligindo, ele deu o seu celular, um LG branco com uma pequena rachadura e com uma capa bela de uma borboleta. A mensagem estava lá e logo deixou Alice tão nervosa quanto.
"USE A BOCA APENAS PARA BEIJAR. CASO CONTRÁRIO, EU A ARRANCAREI. - PROFESSOR".
- O que... Até você?
- Eu não sei o que fazer. Você sabe quem é?
- Não. Mas também recebo. Nós.
- Nós quem? - Saulo estava tremendo ao pegar o celular e guardar no bolso direito. - Quem é nós?
- Todos que estavam... De alguma forma... Com Tyler, no dia que ele morreu.
- No dia que foi assassinado. - Saulo a corrigiu, mas não se sentiu bem por ter feito.
- Vamos sair daqui.
Eles foram.
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The Perfectionists
General FictionUm assassinato foi cometido. Alguém com o codinome de Professor, sabe de tudo. Quatro jovens precisam descobrir o que aconteceu naquela noite se quiserem ter suas vidas em liberdade, sendo que não sabem ao certo o preço disso.