Gina estava costurando. O barulho da maquina de costurar era satisfatório, a deixava relaxada e as agulhas ao seu lado, arrumadas do mesmo jeito que os tecidos de cor canário, lilás e verde a deixavam segura de que nenhuma bagunça a atrapalharia. Por alguns minutos fora isso mesmo; silêncio dentro do dormitório, no prédio em geral, era um dos raros dias em que as garotas não estava com o som alto e/ou gritando sobre algum assunto. Mas o momento terminou assim que Tabita pisou os pés no quarto, estava mandando áudio para alguém e a voz parecia tristonha, Gina capturou algumas palavras como "rápido", "doida" e "vazio". Não queria saber do assunto, não mesmo, estava focada em terminar o projeto novo para mostrar em seu canal na internet. O manequim sem rosto, Gina pensara, estava ansioso para ter logo uma roupa pronta. Mas a conversa de Tabita ficou mais irritante com o passar dos segundos, Gina teve a decência de pedir silêncio uma única vez, mas Tabita ignorou-a. Algo estava errado.
A ligação da amiga terminara, finalmente. Elas se olharam.
- O que é tão importante?
Não havia um pingo de interesse na pergunta e Tabita sabia disso, mas mesmo assim contou-lhe.
- Anne, sabe? A colega de quarto daquela menina...
- O nome dela é Alice.
- Isso. Elas não dividem mais o quarto.
O quarto de Gina e Tabita ficava no segundo prédio da Bishop, o de Alice era o primeiro. Por alguma razão, Gina comparou Alice à Tabita e concluiu que eram totalmente opostas; Alice gostava de silêncio e de leitura, não ficava no quarto a maior parte do tempo e sabe Deus o que gostava de fazer nas horas vagas e Tabita... Bom, era o oposto da calmaria de Alice Sloan. Gina mordeu a bochecha por dentro, se autocorrigindo por pensar de uma maneira tão sórdida.
- Elas brigaram?
- Sei lá. Anne não responde as minhas mensagens. Ela disse que iria visitar alguém... Nem mesmo prestei atenção no que ela disse, tinha acabado de terminar com Jonas e...
O manequim quase caiu. Os dedos de Gina simplesmente tinham escorregado do tecido, escorregado da textura do boneco de plástico. O molde quase não encontrou o chão. As mãos de Tabita foram ágeis e o pegaram no ar, em compensação, todos os tecidos ficaram espalhados pelo piso de madeira lustroso e assim o quarto tornou-se uma bagunça mas não uma tão grande quanto a cabeça de Gina ficou naquele momento, era como se alguém tivesse colocado seus sentimentos em uma batedeira e tivesse ligado na tomada, misturando, misturando. Raiva e desconfiança, tristeza e felicidade. Ela nem mesmo percebeu que a agulha que estava em seus lábios havia se perdido no chão.
- Vocês terminaram? - A pergunta foi apressada, do jeito oposto que Gina queria que soasse. Ela queria parecer desinteressada, quase indiferente. Mas seu coração batia tão rapidamente que era impossível não falar com tamanha pressa, com tamanha afobação.
- Terminamos.
- E está tudo bem, você está sorrindo?
- Foi um termino saudável. Apenas percebemos que não dava mais e agora somos amigos.
Malcom lhe veio na memória. Eles não tinham se tornado amigos e tampouco se olhavam durante os intervalos de meia hora, quando se cruzavam no corredor e se atrapalhavam na hora de escolher um lado, ficavam igualmente impacientes, ambos eram pavio curto e orgulhosos. Mais uma vez Gina sentiu uma pontada de inveja catucar seu peito. Ela reprimiu aquela sensação assim como reprimiu o gemido de satisfação quando pensou no que tudo aquilo poderia significar. Primeiro pensou na possibilidade de um quarto vazio, depois na possibilidade de ter alguma chance com Jonas. As coisas estavam melhorando de um jeito inexplicável para Gina.
- Qual o modelito?
- Ah? Ah! Nada demais, apenas umas ideias frouxas. Então... Com quem você vai sair agora?
- Estava pensando em uma pessoa... Nada demais. Sei lá, talvez nem dê certo. Mas quem sabe?
Gina esticou a conversa como nunca fez na vida, ela não sabia explicar, mas ficou calma e decidida a ter uma conversa que durasse mais de dez minutos com sua colega de quarto. Estava trabalhando e ouvindo, pensando e sorrindo.
- Ah! - Tabita disse de repente, lembrando-se do que queria muito perguntar á Gina. - É verdade que Alice está namorando Saulo? Aquele da sala de artes?
Gina arqueou uma sobrancelha bem feita. Ela não sabia se os boatos era verdade, mas já tinha visto os dois trocando olhares em alguns momentos. Ela pensou no que dizer, se afirmasse talvez estivesse mentindo e logo a fofoca se espalharia, se dissesse que não a conversa com Tabita poderia morrer por ali e ela não saberia de mais coisas e estava realmente gostando de conversar com a garota que ela achava ser uma desconhecida e que dormia perto de sua cama. Ela apenas murmurou que talvez sim.
- Ele é bem bonito mesmo. Ela teve bom gosto. Melina me disse que... Malcom... Talvez... Estivesse saindo com outra pessoa. Isso incomoda você?
Sim, incomodava. Mas não era algo necessariamente ruim, era um incomodo como o de quando você não se senta confortavelmente em algum assento, mas nada mais que isso. Gina sentia-se aliviada por saber, na verdade, preferia desse jeito. Depois que Malcom colocou Jonas contra a parede e gritou para toda a escola que ele estava traindo a namorada, as fofocas começaram como incêndio na mata amazônica e, pelo menos por agora, diminuíram. Mas não sumiram.
O tempo que as mulheres levaram para organizar a mesa de Gina e todo o espaço que ela trabalhava, foi o tempo que levou para alguém bater na porta do dormitório. As batidas eram contidas como se quisessem manter a discrição. Ouviram-se três batidas e após a quarta, Tabita abriu a porta, sorrindo. O sorriso sumiu ao ver que paradas no corredor, estavam a diretora MacKenzie e Dana Booker.
- Podemos entrar, meninas?
Gina queria correr, mas não para fugir, ela se surpreendeu ao perceber isso. Queria correr para fechar a porta na cara das duas mulheres e trancá-la com a chave, depois esconderia a chave. Mas não houve tempo para isso, as duas autoridades entraram e ficaram em pé, perto da porta mesmo, uma sorrindo e outra nem tanto. Mas as duas ignoravam Tabita e foi aí que Gina soube que talvez sua sorte estivesse escorrido pelo ralo.
- Parece ocupada. - Comentou Dana, meio sorrindo, meio fazendo careta. Gina não soube decidir o que era mais horripilante.
- Não... Eu termino depois. O que foi?
Sobre seu pai, ela quase conseguia ouvir a voz da detetive chegar até seus ouvidos, mas não foi isso, quem falou não fora a detetive e sim a diretora.
- Vim aqui para falar sobre o concurso... Do seu trabalho, me disseram que ficou esplendido!
Tabita cobriu a boca com uma das mãos e olhou para Gina como se a visse pela primeira vez, e não normal como estava, mas com asas e duas cabeças. Exagero, pensou Gina, desconfortável de mais para falar algo, apenas deu de ombros.
- Como não tinha me contado isso? Gina!
- Eu esqueci!
- Bom, vim aqui porque preciso que você se prepare, a primeira fase do concurso vai acontecer depois do campeonato de tênis. Um dia depois, para ser exata e... Bom, é como uma pequena entrevista, você e os jurados vão falar sobre sua obra e assim por diante. Você vai se sair bem.
Mentalmente, depois que a diretora calou a boca, Gina xingou.
- Tá bem.
- Boa sorte.
- Obrigada.
A diretora ficou ali, quieta como um dos manequins enquanto quem tomava as rédeas da conversa era Dana que parecia ainda mais alta e mais velha do que a última vez. Pelo menos Gina pensou nisso, Tabita estava pensando em digitar para suas amigas para perguntar se fora a única na qual Gina não contou absolutamente nada sobre o concurso. A diretora estava pensando em Tyler, mas mudou de pensamento e ficou ansiosa para sair daquele quarto, pois, tinha coisas mais importantes e prazerosa para se fazer.
- É sobre o seu pai. Ele mandou uma mensagem.
Não fora uma pergunta, foi uma afirmação tão forte que deixou Gina zonza, com vontade de correr para fugir agora. Desde que seu pai apareceu, de supetão e aquela confusão aconteceu, ela não queria mais saber dele, não queria mais pensar que estava corroborando com os planos do pai em benefício dele próprio. Queria mandar Dana ir à merda, mas não estava pronta para fazer aquilo ainda.
- O quê?
- Uma mensagem - Repetiu sorrindo fazendo com que suas rugas ao redor dos olhos ficassem mais proeminentes. - Tome.
Era uma carta. Gina estava cansada de cartas.
"Gina, querida, eu sei que quando apareci foi estranho, mas peço que entenda o meu lado, estou tentando melhorar as coisas e quero fazer com que você entenda, me veja e converse comigo como antes conversávamos. Não se preocupe, não lhe pedirei nada, nem mesmo falarei demais, eu escutarei a você. Por favor, lindinha. Me encontre fora da sua escola, perto daquelas árvores de pinheiro, à noite. Amo você. - Pai".
O coração dela, enquanto ficou contente - mesmo que seu rosto não pudesse demonstrar tal coisa - acelerou, nervoso e ansioso. Ele iria, claro que sim. Daria a cartada final. Ela estendeu a carta de novo para quem a lhe deu.
- Não quero saber disso. - A dúvida logo brilhou em seus olhos espertos. - Porque meu pai enviaria isso para você?
- Ele não enviou. Eu a achei. Acho que ficará feliz em saber que o caso do seu pai e tudo que envolve ele, não é mais da minha conta.
- Como assim? Você desistiu dele?
- Não. Eu, não. Mas fui deslocada para cuidar apenas do caso do colega de vocês, meu superior me retirou do caso Erol Rivera. É isso.
Gina não sabia se conseguia controlar a animação depois de saber disso. Ela sorriu e concluiu que não conseguia. Estava feliz pela novidade, feliz que pelo menos a sorte não a abandonara totalmente e ela queria mostrar isso a todos que estavam ali presentes.
- Era isso? Bom, obrigada. As duas.
- Claro, nós temos que ir.
Em um segundo, Gina lembrou-se.
- Diretora MacKenzie posso falar com a senhora... Em particular?
Dana Booker saiu andando, não havia se abalado por ter sido dispensava. Ela pensava em outras coisas enquanto caminhava para fora do corredor, para fora do prédio. Gina tocou o próprio pescoço como se para forçar as palavras saírem dali, demorou bons segundos até que finalmente conseguiu.
- Será que eu poderia me mudar para o quarto de Alice? Alice Sloan.
- Ah! - Disse a mulher surpresa. - Eu não sabia que eram amigas.
- Pois é. Somos.
- É claro que... Bem, você tem que perguntar a Alice se ela a aceita, sabe? Mas de minha parte... Está tudo bem entre você e Tabita? Houve algum desentendimento?
- Não, nenhum desentendimento. Só acho que seria melhor... Para me concentrar com alguém que... Consiga me... auxiliar?
Ela quis cruzar os dedos se isso garantisse que a diretora acreditaria nela, mas a mulher pouco estava prestando atenção. A mente daquela mulher estava uma bagunça desde a morte precoce do filho e agora ela ficava pensando em coisas para se distrair, até mesmo fazia coisas para se distrair dentro de sala, mas isso não é publicável.
- Claro. Claro que sim, Gina.
Em duas horas e meia Gina tinha feito três coisas: A primeira tinha sido conversar com Tabita. A menina reagiu bem até demais e isso deixou Gina pouco assustada, mas quem seria ela para impedir a própria liberdade? A segunda fora mais complicada. Alice relutou em deixá-la no quarto, mas acabou aceitando quando Gina prometeu não mexer em nada e nem mesmo interrompe-la quando Alice estiver estudando (Ela ainda não havia contado sobre o concurso) e a terceira, foi pegar suas coisas e ir para o quarto de Sloan.
Quando terminou de ajeitar suas coisas, uma hora depois. Os manequins e Alice a encarava.
- Então... Que bom.
- Acho que sim, mas nem mesmo sabia que viria para cá.
- Foi decisão de última hora, literalmente.
Ela pensou e decidiu ser franca com Alice.
- Alice... Eu fiz...
Seu celular tocou e vibrou igualmente o de Alice que se assustou com a sincronia. As duas olharam para suas telas com apenas um segundo de atraso. Mensagens iguais, remetentes iguais."DUAS MENTIROSAS NO MESMO LUGAR. ESTÃO FACILITANDO DEMAIS, VACAS!!!"
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The Perfectionists
Ficção GeralUm assassinato foi cometido. Alguém com o codinome de Professor, sabe de tudo. Quatro jovens precisam descobrir o que aconteceu naquela noite se quiserem ter suas vidas em liberdade, sendo que não sabem ao certo o preço disso.