Arrancando as Lonas

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- O sangue de Cristo tem poder! Saia agora de minha casa, maldição! - gritou dona Gertrudes, estendendo a mão para o fim do corredor.

As portas começaram a abrir e fechar, chocando-se com força contra o portal. O demônio revelara sua imagem. Com chifres como que de bode, levemente curvados para trás, a cabeça de um animal difícil de identificar, corpo como que de um homem adulto. Ele começou a flutuar rapidamente na direção de Gertrudes que entrara na frente de Samuel para o proteger.

- Ele é meu! - gritou o demônio com uma voz estrondosa e assustadora.

- Com a autoridade do sangue de Cristo Jesus, eu ordeno... - quando aquele ser maligno estava a quase um metro de distância deles, Gertrudes aumentou o tom da voz. - SAIA DA MINHA CASA! - gritou ela, batendo o pé direito e com as mãos estendidas. O demônio caiu ao chão e se contorceu, depois desapareceu em cinzas. Nessa hora, Samuel sentiu-se fraco e caiu desacordado.

Ao ouvir relatos desse ocorrido, eu confesso que temi ser exagero, ou algo fantasioso. Querido, leitor, você chegou até aqui, já viu que debatemos diversos assuntos e já deve ter constatado que esse não é um livro religioso, até porque, em certo ponto eu sou um crítico da religiosidade exagerada, aquela que julga, ao invés de trazer alento, mas eu David, precisei constantemente durante esse turbulento ano, confrontar meu lado extremamente cético, para saber lidar com tudo isso. Se toda essa trajetória não foi um delírio coletivo, o bem e o mal existem e em um mundo que coexiste com o nosso, eles estão em guerra. Todavia, o ápice da minha batalha interna ainda não havia chegado a essa altura.

De fato, muita coisa permanecia encoberta por uma lona gigantesca e nem tenho certeza se até o fim desse imenso relatório todas serão realmente expostas, mas reitero, estou dando o meu melhor para que você compreenda tudo como ocorreu, ou como eu ouvi e vi que ocorreu.

Tia Gertrudes, levou Samuel até a cama e notou que o menino queimava em febre, notou também que ele tinha manchas roxas pelo corpo, enquanto ele despertava.

- Ele foi embora? - perguntou ainda a abrir os olhos. Percebendo que a senhora olhava para as manchas, ele explicou. - Toda vez que ele me toca, fica roxo. Eu não quero voltar pra ele.

- Depender de mim, ninguém o fará mal nenhum.

- Você é uma super vovó? - perguntou sorrindo.

- Ah, mas eu sou sim. - respondeu ela, enquanto mexia na minha cabeceira, onde certamente encontraria um analgésico qualquer. Afinal, sou um professor, tenho de ter analgésicos em qualquer lugar.

- Obrigado por cuidar de mim. - os olhos do menino se encheram de lágrimas. - Eu nunca tive uma mãe, ou uma avó. Você pode ser minha avó? - indagou deixando uma ou outra lágrima escorrer e as secando rapidamente.

- É claro. - respondeu a titia.

Quem me contou sobre isso foi o próprio Samuel. Ele não sabia dizer exatamente o que dona Gertrudes sentira, mas ele disse que os olhos enrugados dela ficaram vermelhos e inundados. Eu, a conhecendo, tenho certeza que assim como aquele menino mexeu com o mais profundo dos meus sentimentos, assim também fez com ela.

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Eu e Ivena ainda tentado engolir aquela ameaça, íamos arrumando da melhor maneira possível as coisas na escola para a reabertura aos alunos residentes que estavam hospedados em hotéis da cidade e chegariam à noite. Apenas alguns funcionários terceirizadas ajudavam, organizando os quartos e áreas comuns. As aulas estavam marcadas para voltarem no dia seguinte.

Sabe quando você não tem certeza do quanto as coisas estavam normais. Eu havia duvidado do caráter dela, mesmo tendo sentimentos que me impulsionavam a acreditar nela. Ainda não tínhamos conversado de verdade diretamente sobre aquilo, diante da situação, estando sozinhos ali, eu estava com as palavras na garganta, mas não conseguia falar.

O Fantasma da NorthighOnde histórias criam vida. Descubra agora