Capítulo 2

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A verdade era: minha tia trabalhava num palácio. Eu precisava digerir aquela informação com muita calma e água. E principalmente com urgência. Afinal, a realidade se esfregava na minha cara.

Ao entrarmos nos limites da propriedade, reparei em cada centímetro do terreno. Era tudo lindo demais, uma explosão de informações que meus olhos não conseguiam administrar. Tulipas brancas cercavam toda a entrada. Elas, ainda com suas pétalas fechadas, se dobravam com o forte vento vespertino. Um longo caminho de pedras servia de passarela para nós. Árvores frondosas, frutíferas e toda a sorte de animais, como gansos, pavões, esquilos e pássaros passeavam despreocupadamente pelo imenso jardim. O palácio que eu vira além dos portões ficava bem mais ao fundo do terreno, e juro que demoramos — de carro — uns 10 minutos para chegar até ele. Um pátio que cabia fácil uns 50 veículos se abriu assim que terminamos o caminho que nos levava à escadaria principal. As proporções gigantescas da propriedade me fascinaram. O imóvel devia ter pelo menos uns 200 metros de ponta a ponta. Isso só de largura.

— Senhorita... — o motorista me chamou ainda pelo rádio. — Bem-vinda à casa da família real de Newland.

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Quando o carro parou e eu me dei conta de que realmente vivia aquilo, foi como se um livro de fantasia tivesse sido aberto e um sonho estivesse para começar.

— Quantos quartos tem esse lugar? — me perguntei ainda absorta demais.

— 50 quartos... — o homem respondeu, vindo abrir a porta do carro.

— Cara... Opa... Caracas...50? — minha boca se abria em O, estupefata. Eu me perderia constantemente se tivesse que andar pelo palácio.

— Lia! — dona Francisca, minha tia, surgiu ao pé da escadaria e correu na nossa direção, me atracando pelo pescoço sem que sequer eu tivesse tempo de pensar. — Quanta saudade, minha querida!

— Oi, tia! — respondi sufocando. — A senhora devia ter me avisado que prestava serviços num palácio. “Sou cozinheira” a senhora disse, mas nunca mencionou pra quem cozinhava — me afastei ainda sem entender a omissão e tentando recuperar o fôlego.

— Ah... Lia... — ela me olhou, como se se certificasse o quanto eu havia amadurecido e estava diferente desde sua última visita ao Brasil. Naqueles dias eu era pele e osso, com cabelos curtos sem brilho e olheiras profundas. Hoje, tão diferente daquela ocasião, eu ostentava um corpo esbelto, de cabelos castanhos natural na altura dos ombros e olhos marrons que brilhavam de ansiedade — Era só um detalhe... — concluiu rindo.

— Um detalhe com 50 quartos! — apontei para o monumento atrás de nós. — Tia, vou me perder todos os dias se tiver que dormir aí... Imagine o que não é achar um banheiro?!

Ela riu olhando para o motorista. Sem que percebêssemos, conversamos no bom e velho português.

— Sabe que eu sinto falta de conversar assim? — ela falou baixinho, sob o olhar curioso do colega. — Raul — ela o chamou. — Pode ir... Muito obrigada!

Senhora Francisca... A família real chegou à propriedade — observei o som que saía do bolso de seu avental.

— E isso aí??

— Meu rádio... — ela riu sem graça. — Esse lugar é muito grande... Não dá pra ficar sem.

Os olhos caramelos da minha tia são as coisas mais lindas e gentis que eu já vi. Bem mais velha que a minha mãe, ela parecia mais uma boa vovó, apesar de odiar ser lembrada de sua idade. Solteira convicta desde a morte de seu primeiro marido, isso quando ainda tinham 18 anos, ela saiu de casa cedo em busca de uma melhor condição financeira. E ao que tudo indicava, ali em Newland, ela finalmente tinha achado o que procurava.

Um Amor de RecomeçoOnde histórias criam vida. Descubra agora