Capítulo 8

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— Ai DROGA!

Levantei a cabeça tão abruptamente que senti todo o enjoo voltar.

— Calma, latina!

Olhei ao redor e reparei que estava dentro de um carro sob um amanhecer alaranjado, com meu professor de inglês ao meu lado, olhando pra mim como se esperasse alguma surpresa.

— Latina? Sério? — estreitei os olhos. — O que houve? Nossa... — levei a mão à cabeça imaginando onde ficava o botão que faria o mundo parar de girar.

— Você bebeu demais... Só isso — Brian se ajeitava no banco do motorista.

— Não é possível! — exclamei sem entender como tinha acabado ali. — Você me trouxe... Como? Meu Deus!

— Não! Calma! — e ele começou a rir descontroladamente, batendo as mãos no volante.

— Nós? — perguntei confusa, temendo ter acontecido algo além do que deveria.

— Não... — ele respondeu gargalhando. — Eu podia usar isso a meu favor. Você ficou... Muito embriagada.

— Vai me dizer que você não bebeu? — perguntei ruborizando.

— Bebi... Mas você... — e ele apontou, imitando o que seriam os trejeitos de alguém alcoolizado.

— Que ótimo!

Brian parecia uma boa pessoa. Talvez pudéssemos até ser bons amigos.

— Onde você quer que eu a leve?

— Pra casa! — estranhei a pergunta e respondi com um tom bem óbvio.

— Então vamos lá. Me indique o caminho.

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— Meu Deus!

O rapaz arregalou os grandes olhos castanhos como se quisesse ter certeza de que olhava para o lar da família real.

— Se eu soubesse que você morava aqui, tinha te largado na área VIP do príncipe Albert.

Não sei que cara fiz, só posso confirmar que não foi uma muito amigável.

— Obrigada! — disse contrariada, ainda cheia de dor de cabeça. — Por tudo. Você foi um bom professor hoje.

— Ontem, né! Já passa das 5h00 da manhã — ele olhou o relógio no pulso. — E de nada.

Me levantei e abri a porta de seu carro, tudo em câmera lenta.

— Vê se não vai faltar! — eu me virei lentamente para tentar fazer a cabeça sentir menos os efeitos do mundo.

— Po... de... Deixar — respondi erguendo as sobrancelhas em sinal de aprovação.

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Quando cheguei em casa, por sorte, minha tia dormia feito uma pedra em seu quarto. Ela devia saber que não precisava se preocupar comigo, afinal de contas, eu era maior de idade já há bastante tempo. Eu, sem vontade de me trocar, tomei um copo de água, me arrastei para o meu quarto e me joguei sobre a cama sem tirar nada dela — entre livros, notebook e afins —, dormindo profundamente em seguida.

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— Sobrinha baladeira! — essa era a voz agitada da minha tia a me chamar. — Você não vai pra aula hoje?

— Hum... — eu estava quase me sufocando com o travesseiro, imagina se conseguiria sair para estudar. — Não.

— Parece uma adolescente! — ela deu um tapa de leve nas minhas costas. — Você tem quase 30, Lia, precisa ser um pouco mais responsável!

— Fui... Hum... Responsável... Hum... — a voz abafada pelo travesseiro. — Os últimos anos, tia... E olha no que é que deu!

— Vai enfiar mesmo os pés na jaca? — senti que ela se sentou na minha cama. — Você veio pra cá com um objetivo que não foi se embebedar com um monte de adolescentes.

— Tá bom, tia! Foi a primeira e última vez em cinco anos! Prometo que não bebo mais.

Ouvi o som da porta bater, quando dona Francisca deixou meu quarto. O sono e a preguiça me impediam de mexer os dedos. A cabeça, paradinha ali naquela posição, não doía, mas o simples ato de falar, fazia com que uma leve pontada surgisse. Eu não conseguiria sair para estudar. Seria muito sair da cama naquela terça-feira. Que ideia de idiota dar uma festa daquelas numa segunda. Meu Deus! Rolei na cama prestes a colocar todo meu aparelho digestivo para fora. Que ressaca brava!

— Dica do dia... — falei tentando me levantar, ainda sem controle sobre meu próprio corpo. — Nunca mais beber pra ficar desse jeito.

Falando sozinha e tropeçando nas minhas pernas, caminhei até o banheiro e joguei uma água gelada na cara. Apoiada na pia, mirei minhas próprias mãos em concha cheias de água. Olhei pra cima, ciente de que meu super QI não passaria de um mísero número naquela manhã.

— Como fui burra... — fitei o espelho que me refletiu durante alguns minutos, não porque eu estivesse observando alguma coisa ali, mas pelo simples fato de estar com a mente longe demais para processar qualquer pensamento.

— Cama... Cama...

Caminhei de volta à cama e, jogada, voltei a dormir.

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“Você tem uma nova mensagem

Para: lia.ooliveira@liaoliveira.com.br

De: camila.ooliveira@camilaoliveira.com.br

Que fotos são essas?? Fala sério! Você está vivendo um conto de fadas! Ou vai viver, né...

Que saudades de você e da tia! E vi que já dá pra tirar a barriga da miséria com os homens bonitos. Quem sabe você não pega o príncipe? Desculpa! Mas acho que está na hora de refazer sua vida... E como estão as coisas? A cabeça continua no lugar?

Aqui está tudo bem. Todos cheios de saudades também, mas felizes por você estar feliz.

Ah! O Alex disse que é pra mandar um beijo pra Carla... Mentira, ele não disse nada disso. Manda um beijo mesmo assim.

Se cuida, mana.

P.s.: Estou de vento em polpa no cursinho — você não me avisou que os professores eram tão malucos — e por isso vou me manter afastada (só um pouco) da internet. Se demorar pra responder... Já sabe.

Te amo!

Cá.”

Minha irmã mais nova era uma fofa. Quando mais novas, brigávamos com bastante frequência, no entanto, hoje, depois de tudo o que nossa família passou, éramos como almas gêmeas. Nos entendíamos e nos dávamos muito bem. Eu nunca pensei que pudesse contar tanto com ela.

 “Nova Mensagem

Para: camila.ooliveira@camilaoliveira.com.br

De: lia.ooliveira@liaoliveira.com.br

Assunto: O dia em que minha cabeça parou.

Querida irmã Cami! Vou escrever rapidinho só para manter o diário de bordo em dia...

Estou de ressaca! Sim! Depois de tanto tempo, sua irmã certinha, que viveu os últimos anos na bolha familiar e na depressão, finalmente tomou o porre da alforria.

Mas como todo bom porre vem com uma boa ressaca, cá estou eu, Cá — cá, cá, cá — ainda bem doida, com os efeitos do álcool no sangue e uma dor de cabeça de chorar. Que horas é aí no Brasil? Aqui já passa das 16h00 e logo a tia Chica deve chegar. E como estão todos? O pai e a mãe? Mande meus beijos pra eles.

Ah! Eu disse que meu professor de inglês é um gatinho? Acho que disse, né? Você ia adorar... Seu número. Muito novo pra mim.  #tôvelhademaispraisso

Beijos no coração, minha irmãzinha. Você sabe que estou longe, mas te amo.

Com ressaca, Lia!”

Um Amor de RecomeçoOnde histórias criam vida. Descubra agora