Capítulo 5

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Passei o resto da tarde desarrumando as malas e colocando toda a conversa em dia com dona Chica. Ela trabalhava na cozinha da rainha há mais de 15 anos e, graças ao seu excelente serviço, conquistara a confiança de todos. Eu, no auge dos meus 29 anos, não conseguia me ver tanto tempo assim num único lugar. Talvez o fato de ser uma advogada fracassada e completamente desapontada com a profissão me ajudasse a pensar dessa forma. Afinal, jogar tantos anos de vida fora, estudando algo que nunca me completara, tinha sido uma grande burrada. No Brasil, eu nunca tinha entendido como não conseguia me adaptar a lugar algum, como as coisas simplesmente nunca engrenavam para mim. No entanto, ver o entusiasmo com que minha tia falava do seu trabalho, me dava a certeza de que eu tinha feito sim a escolha certa.

— Acho que dessa vez as coisas podem dar certo — eu colocava um porta-retratos com a foto de toda minha família sobre uma bela cômoda vermelha. O quarto que ficara destinado a mim era lindo e aconchegante, assim como o restante da casa.

— Espero que você fique à vontade. É pequeno, mas fiz de tudo para ficar bem agradável — minha querida tia me fitava sob a soleira da porta enquanto eu ajeitava as coisas. Seus cabelos grisalhos reluziam, e o rosto permeado de pequenas ruguinhas transbordava alegria.

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No começo da noite resolvi que deveria estudar um pouquinho de inglês. Na verdade, aprender corretamente a língua era um dos meus objetivos naquele país. Eu tinha pegado todas as minhas últimas economias para pagar um curso de doze meses. Com quase 30, eu não tinha nada a perder. Apesar de ter deixado para trás uma família linda, eu me devia um recomeço, uma nova oportunidade de vida. Eu vivia entorpecida demais e precisava com urgência de um estímulo.

Eis que há exatos quatro meses descobri minha paixão em produzir doces. Minha mãe, enfermeira, era uma excelente boleira nas horas vagas, passando para mim suas aptidões com o açúcar e a farinha. Quando batia a depressão, ela usava das fôrmas e dos confeitos para me animar, preparando quitutes e quase me obrigando a aprendê-los, como uma maneira de extravasar toda minha tensão e tristeza. Com o tempo, descobri ser uma satisfação sem tamanho deixar as pessoas boquiabertas diante de um brigadeiro diferente ou uma bomba de chocolate. Meus doces, qualquer um deles, sem modéstia alguma, eram lindos de se ver e gostosos de provar. E cada reação inusitada me enchia de alegria, iluminando com sorrisos de aprovação os últimos meses da minha vida.

Quando minha tia me convidou para morar com ela, eu não tinha ideia de que neste pequeno país ficasse a mais tradicional escola de chefs especializados em doces do mundo. Não demorei mais que cinco minutos para aceitar a irrecusável proposta de mudar de vida. Eu precisava sair do limbo, buscar coisas que me fizessem feliz. Então parti do Brasil completamente decidida a estudar inglês e me enfiar como louca nos livros para passar no vestibular da faculdade dos meus sonhos. Era o meu recomeço, minha chance de dar a volta por cima, porque esquecer, eu jamais esqueceria.

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— Lia? — minha tia chamava baixinho. — Querida... Não é hoje que você começa com as aulas?

Saltei da cama. A primeira aula do curso de inglês começava em uma hora. Não seria nada legal chegar ao primeiro dia atrasada.

— Droga!— corri ao banheiro para tomar uma ducha.

— Calma... — ela pediu. — A escola fica perto daqui.

Saí do banheiro enrolada na toalha, correndo para a cozinha, tomando um gole de café preto.

— Vai se vestir, Lia!

— Tô indo!

Pulando feito uma macaca, vesti a calça, joguei uma regata pelo corpo e corri.

Um Amor de RecomeçoOnde histórias criam vida. Descubra agora