Depois de mais de uma hora aguardando, finalmente eu estava com o bendito do crachá na mão. E da forma como fora difícil consegui-lo, era certo que eu não podia perdê-lo por nada.
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Passava das 10h40 quando enfim cheguei à porta da sala indicada no meu comprovante de matrícula. Mesmo fechada dava para espiar lá dentro, pela janelinha bem no meio. Na minha primeira contagem, vi uns 12 estudantes e, aproveitando, passei os olhos à procura do professor. Quem sabe eu dava a sorte dele não estar lá dentro!
Tirando coragem do útero, girei a maçaneta e entrei fazendo o mínimo de barulho possível. A porta ficava bem na frente da pequena sala, que apesar do tamanho, era arejada e iluminada por luz natural devido às suas grandes janelas.
— E a senhorita quem é?
Eu corria para buscar um lugar entre meus colegas, curiosos com minha entrada furtiva, quando a voz suave e maliciosa de um homem soou, quebrando toda a minha cena em passar despercebida.
— Merda! — praguejei baixinho olhando ao redor, buscando aquele som.
— Estou aqui — um jovem, com carinha de uns 18 anos, saiu detrás da mesa do professor. Ao que parecia ele estava abaixado, como de tocaia, só esperando a presa chegar. — Estava juntando uns papéis aqui do chão, senhorita...
— Lia. Lia. — com certeza eu estava da cor de um tomate.
— Senhorita Lia — ele riu e eu percebi como era bonito, apesar de novinho. — Chegando cedo pra aula de amanhã?
Todos os alunos da sala riram. Seu inglês era polido e claro. Ele, apesar da idade que aparentava, parecia muito seguro de si. Cabeça raspada, olhos castanhos, pele branca — bem com cara de gringo —, corpo magro, porém definido, muito bonitinho.
— O senhor? — perguntei me sentindo uma verdadeira idiota por tê-lo chamado de senhor.
— Pode ser você... — ele saiu de trás da mesa com algumas folhas na mão. — Brian.
— Desculpe meu atraso, professor Brian.
— Pode ser só Brian ou só professor — ele tinha um tom de zombaria, que fez com que todos os meus colegas de sala rissem novamente.
— OK. Brian! — eu não o trataria com tantos dedos, não ele sendo um moleque zombador. — Tive que passar na portaria para retirar o crachá... Enfim...
— Tudo bem, Lia... — ele piscou. — Sente-se aqui na frente — apontou para uma carteira quase diante à sua mesa — Quero ficar de olho em você.
E eu começava meu semestre muito bem. Agora o professor novinho, gatinho, com pinta de chato pegaria no meu pé até o final dos tempos, e eu não podia dar mole nem um segundo se quisesse alcançar meus objetivos. Nos últimos momentos de aula, Brian fez questão de me pegar de surpresa com perguntas sobre verbos, advérbios e uma infinidade de regras gramaticais. Como eu entrava na escola já com o nível avançado, ele fez questão de testar meus conhecimentos a cada virada de página, e para minha sorte e surpresa, eu mostrei a que tinha vindo.
— Vejo que você estudou bastante antes de vir pra cá — ele disse, dando o braço a torcer.
— Sou autodidata — respondi sem dar muita atenção a ele.
— E por que está aqui? — os demais alunos pareciam entretidos com nossa conversa.
— Preciso me preparar para um vestibular... Aprendi muita coisa, mas num curso assim, espero me aperfeiçoar.
Brian acenou com a cabeça e fechou o livro que tinha nas mãos. Pelo jeito ele reconhecia que pegar no meu pé não teria lá tanta graça.
— Por hoje é isso, turma... Espero que amanhã todos vocês cheguem no horário.
Dei um risinho bem amarelo para ele, e cheia de pressa, guardei meu material e saí correndo da sala.
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— Lia! Lia!!!
Era uma voz de mulher. Alguém gritava meu nome como louca pelos corredores.
— Lia Oliveira?
Me virei, espantada que soubessem meu nome completo já que Brian não tinha feito chamada.
— Oi? — uma moça muito familiar vinha correndo em minha direção. O cabelo crespo numa espécie de black power, emoldurado por uma faixinha pink. — Você é irmã do Alex? Alex Oliveira? Meio baixinho — ela gesticulava como uma maluca. Quase não acompanhei seu raciocínio. — De olhos cor de mel?
Depois de levar alguns segundos/minutos para processar o que ela falava, foi que me dei conta de que conversava com uma ex muito ex, do meu irmão mais novo.
— Carla? — perguntei puxando da memória as razões do namoro deles não ter dado certo. Preciso evitar possíveis gafes. — Carla do colégio Silva?
Os olhos dela se arregalaram de satisfação e surpresa.
— Sim! Sim! Que mundo pequeno!
— Pequeno mesmo — concordei sendo fortemente abraçada.
— Preciso postar isso agora!
Ela sacou o celular do bolso do jeans e sem mais nem menos, ficou do meu lado para fazer uma bendita selfie.
— Sorria!
Click
E lá ia uma foto minha parar no Facebook.
— E estamos na mesma sala... — ela falava e digitava ao mesmo tempo, e eu fui me lembrando aos poucos de uma das razões de meu irmão ter terminado com ela: era muito, muuito cheia de energia. — Pronto... Postei. Ainda bem que não deletei você do meu Face.
— É... Ainda bem — sorri sem graça.
Carla foi conversando comigo, empolgada demais, sobre toda a sua aventura para chegar até ali. Eu permaneci calada, só ouvindo atentamente, concordando ou exclamando alguma coisa. Ela tinha 22 anos, e eu sei que a nossa diferença de idade não era lá muito grande, mas convenhamos que Justin Biber não é um assunto que eu faça muita questão de ouvir.
— Carla... — a interrompi quando chegamos à esquina da rua que levava ao meu caminho de volta ao palácio. — Preciso ir... Tenho que estudar — ri — Mas que bom que nos encontramos. Acho legal. De verdade! — e era verdade mesmo!
— Claro! Meus pais vão ficar tão contentes em saber que eu encontrei você... — ela me abraçou. — E Lia... Já ia me esquecendo... Parece que hoje à noite vai rolar uma festinha de confraternização.
— Mas hoje é segunda... — indaguei surpresa.
— Parece que amanhã nossa aula será depois das 13h00.
Surpresa, tenho certeza de que minha cara se contraiu em inúmeras indagações.
— O professor falou sobre isso no começo da aula... — ela se explicou dando de ombros.
— Ah... — pensei suspirando. — Tá explicando porque não sei... Mas me conte mais...
— Vai ser num Pub aqui perto. Não tenho o nome, mas posso te passar via inbox. Prometo passar assim que chegar na república e descobrir.
A ideia de uma festinha para recepcionar os calouros não me parecia má. Eu precisava mesmo de alguma coisa para começar com o pé direito minha estadia ali.
— Olha... Acho que eu vou... — respondi rindo. — Preciso conhecer gente nova com urgência!
E essa era outra verdade. Eu precisava me relacionar novamente.
— Então demorô! — ela piscou se afastando. — Combinamos via internet.
— Demorô!
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Um Amor de Recomeço
RomansaQuando recebe o convite empolgado de sua tia para viver com ela num país distante, Lia não fazia ideia do que encontraria ao cruzar o oceano. Ainda tentando superar grandes perdas e o fracasso profissional, ela vê o convite como a oportunidade de co...