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  Minha profissão não é vista como de alto risco, ainda assim, cá estou eu, cavando um maldito buraco para enterrar meu colega. Um jovem que ainda tinha tanto o que viver e aprender.

Ele não terá a merda de enterro digno, sua família não terá a oportunidade de se despedir, mas cuidarei para que seu corpo seja preservado e não fique exposto e indefeso. Ele terá um lugar para descansar em paz e com dignidade, porra!

Ao menos isso eu darei para ele.

Pâmela funga baixinho enquanto me observa. Ela me ajudou a carregar o corpo sem vida de Júlio até a parte da ilha mais densa que nossos corpos cansados conseguiram ir, onde a areia não é tão fina. Utilizando um dos pedaços metálicos do jatinho que se desprenderam
pude cavar uma espécie de cova para meu copiloto. O trabalho não está sendo fácil, mas estou decidido a gastar toda minha energia nessa tarefa se for preciso.
Estou surpreso com toda a maturidade da garota, apesar de estar visivelmente abalada e fraca quis me ajudar, mostrando uma força e determinação admiráveis. Estou orgulhoso e feliz que ela esteja viva.

Nunca em toda minha vida imaginei passar por uma situação semelhante a esta, ainda mais pelo assunto morte sempre ter sido um taboo para mim. Claro que quando você pilota um avião pela primeira vez sente medo e pensa milhões de situações que podem te levar a morrer. No entanto, depois da segunda vez no ar a arrogância toma lugar de qualquer insegurança e você se sente  inatingível.

Meus músculos dos braços estão ardendo pelos movimentos repetitivos que estou fazendo, minhas mãos apresentam cortes superficiais e meu corpo inteiro lateja.

- Você o conhecia faz tempo? - Pâmela pergunta, trazendo um conjunto de palavras em tom quase inaudível e aproveito para cessar o trabalho braçal e olhar em sua direção, observando-a melhor.

Os olhos avermelhados me encaram atentos, ainda embargados por lágrimas.

- Não. - É tudo que respondo, vidrado em seu rosto triste e sujo de sangue. 

Voltamos a ficar em silêncio depois da minha resposta e desvio meu olhar para longe dela, tomando um pouco de ar e limpando o suor que escorre por minha testa.

Retiro minha blusa sentindo seu olhar atento ainda sobre mim, apesar do momento nos livrar de qualquer apelo sexual, sinto minha pele esquentar.

- Ele parecia admirar você. - Volta a falar.

Não a respondo, pois isso pareceu bem mais com uma informação do que um questionamento. Volto a cavar, deixando que o silêncio reine.

Algum tempo depois e o buraco obtém a profundidade adequada, saio com um pouco de esforço de dentro, gemendo ao sentir fisgadas na região da costela.

- Me ajude a empurrar para dentro. - Digo me referindo ao corpo de Júlio.

Sua expressão é de receio e as mãos delas tremem ao encostarem no corpo do rapaz, capturo seus dedos finos com as pontas do meus e dou um leve aperto de encorajamento. Empurramos juntos o corpo de Júlio até o buraco e ele cai de forma desajeitada, causando ânsia em mim e tenho que desviar o olhar rapidamente.

Meus próximos passos são feitos no automático, sinto-me esgotado e antes que eu desmaie de exaustão passo a jogar areia no corpo de meu copiloto, usando a mesma ferramenta que usei para cavar sua cova.

Pâmela me ajuda, fazendo pequenos montes de areia escura e empurrando com as mãos e pés até o buraco.

Nós terminamos rápido e sem falar nada voltamos a seguir o caminho da praia, ela caminha a minha frente e deixo meus pensamentos vagarem para horas antes, quando falei com seu irmão novamente e garanti sua segurança.

Ele nunca me perdoará por isso, eu mesmo não vou. A culpa está me corroendo por dentro e tenho vergonha de olhar fundo nos dela. Não perguntei sobre a mulher e a menina que também estavam no vôo conosco, sei que se elas não estão aqui é porquê devem estar mortas e não quero lidar com mais mortes por agora, não quando eu sou o único responsável por elas.

Levamos apenas alguns minutos para chegar até o local do acidente, ainda estou sem a blusa então retiro apenas meus sapatos e sigo direto para o mar, deixando a água limpar meu corpo. Fico Submerso pelo máximo de tempo que consigo. A água e o céu sempre tiveram efeito terapêutico sobre mim e preciso de minhas forças  renovadas para pensar no que fazer. 

Quando volto para a superfície vejo Pâmela caminhar até mim em passos lentos, ela retirou as roupas de cima e está apenas com as peças íntimas. Me proíbo de viajar meus olhos pelo seu corpo e navegar por suas curvas, fazer isso nesse momento seria desrespeitoso e extremamente errado por muitos motivos, sem falar que é impossível que meu pau suba nessas circunstâncias.

- Alguma coisa em você dói? - Pergunto, assim que ela está próxima o suficiente.

Sua pele vai sendo coberta aos poucos pela a água, até que ela fique apenas com a cabeça e ombros pra fora.

- Sim, meu corpo inteiro, mas é a minha perna que está me preocupando.

- Nós vamos cuidar dela. Acha que quebrou? - Pergunto, realmente preocupado.

Ela nega com a cabeça.

- Não, apenas tive um corte profundo nela. Consegui estancar o sangue agora à pouco, no entanto, está ruim para andar.

Assinto, aliviado por não ter que lidar com uma fratura no meio do nada.

- Vamos resolver, tenho alguns anti-inflamatórios na minha mala e remédio pra dor, também estou precisando. Tentarei comunicação com a torre utilizando o rádio da aeronave, tentei assim que acordei e ele ainda parecia funcionar, mas estava aturdido e não continuei.

Ela me escuta com atenção, parecendo mais esperançosa com a citação do rádio.

- Queria que todos estivessem vivos. - Diz com a voz triste, desviando o olhar do meu.

Um aperto no meu peito faz o ar sumir dos meus pulmões por alguns segundos.

Cacete, eu também queria!

Culpa me invade.

- Desculpe, seu irmão nunca irá me perdoar. A culpa é minha por Júlio está morto agora, também sou culpado pela morte da mulher e a menina. Mas prometo proteger você e te tirar daqui.

Seus olhos parecem confusos e perdidos por um instante, ela abre a boca para falar algo, só que o som de uma explosão faz com que nossas atenções voltem para a praia e veja o restante do avião particular pegar fogo, jogando estilhaços em chamas pra todo lugar e somos obrigados a mergulhar para evitarmos sermos atingidos. 

Declínio - Série Irresistível. ( CONCLUÍDO- HINOVEL) ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora