Capítulo 19

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Antes de entrar no carro de Julia, a garota me olhou de cima a baixo, finalmente se dando conta do estado ao qual eu me encontrava: coberta de areia da cabeça aos pés. 

Minha cabeça já começava a coçar por conta dos grãos de areia, e toda vez que eu me movimentava, deixava rastros de sujeira por onde passava. 

Apenas dei de ombros para o seu olhar de julgamento e abri a porta do carro, entrando no veículo logo em seguida. Sujei todo o estofado. 

Percebi que Julia engolia em seco e apertava as mãos no volante com força, claramente incomodada por eu ter sujado seu carro impecavelmente limpo. Aquilo me fez rir. Só não sabia se ria por achar graça ou pelo fato da situação me trazer tanta tensão que a única coisa que eu conseguia fazer era rir de nervoso. 

Talvez fosse uma mistura dos dois. 

Julia me contou que Marina sabia de coisas sobre os meninos, coisas as quais nós poderíamos usar contra eles caso ambos realmente tivessem interesse em seguir com a ameaça. 

Achei estranho. Não fazia ideia de como Marina poderia ter algo contra Jackson, pois eu realmente pensava que meu ex-namorado tinha dividido todos os seus anseios, problemas e segredos comigo no passado, quando ainda estávamos juntos, e até onde eu me lembrava, Jake não possuía nada tão comprometedor assim. Aquele garoto aparentava ser mais certinho do que Madre Teresa de Calcutá. 

De qualquer forma, eu deveria estar enganada. 

E a sensação de saber que ele tinha escondido coisas de mim me deixava agoniada, causando um nó em minha garganta. 

Claro, eu também não fui sincera cem por cento das vezes também menti, mas era diferente quando você estava do outro lado da situação. 

Julia estacionou em frente à uma casa desconhecida por mim, entretanto, considerando as inúmeras bandeiras dos Estados Unidos que decoravam os portões da casa, me dei conta de quem poderiam ser os proprietários. 

Amy nos esperava próxima ao portão, usando pijamas de ursinho e pantufas de coelho. Eu teria achado fofo se não estivesse tão tensa. 

Ela nos cumprimentou com um sorriso e nos conduziu para os fundos da casa, onde ficava o porão. 

O local era enorme. Possuía um sofá gigantesco bem no centro, à frente dele tinha uma mesinha cheia de doces e biscoitos. Uma mesa de sinuca ficava centralizada mais para o canto do cômodo, enquanto a TV com o videogame ficava centralizado do outro lado. 

Marina estava sentada no sofá, comendo uma barra de chocolate e fazendo carinho em um filhote de gato em seu colo. Os pelos do felino eram negros, e o short branco da garota trazia um contraste maior ao animal. 

Quando Amy viu meu estado sob a iluminação do porão, me encarou de cima a baixo igual Julia tinha feito mais cedo. 

Marina também fez o mesmo, soltando uma gargalhada. 

— Ok. - Disse Amy, sem conseguir controlar a risada. - Bagheera também vai participar da conversa. - Apontou para o filhote. 

— Bagheera? Tipo a pantera do Mogli? - Franzi o cenho. 

— Você é esperta. - Ela riu, sentando-se no sofá. 

— Aposto que a participação dele vai ser muito produtiva. - Debochou Julia, decidindo se sentar ao lado delas, logo erguendo a mão para acariciar o bichinho. 

Optei por ficar em pé, afinal, não era tão íntima de America para me sentir tão à vontade ao ponto de sujar o sofá dela. 

— Vamos acabar logo com isso. - Falei, já impaciente. Minha perna balançava ansiosamente. - O que você tem aí, Marina? O que você sabe sobre o Jackson? - O fato de Marina saber um segredo de meu ex-namorado me me incomodava muito. Eu achava que ela tinha notado, porque arqueou uma de suas sobrancelhas e semicerrou os olhos, como se estivesse me analisando. 

Julia, por sua vez, não pareceu ter notado nada. Estava mais interessada em fazer carinho no gatinho, balbuciando palavras em um tom de voz fino do mesmo jeito que fazíamos com os bebês.  America parecia atenta, apesar de manter o olhar sob suas unhas enquanto tentava tirar algumas lascas de esmalte. 

Marina abriu a bolsa e pegou alguns papéis, largando-os sobre a mesa.

— No início desse ano, meu irmão e o Jackson foram numa festa… Os dois beberam muito. - Revirei os olhos. Nenhuma novidade. - O problema disso tudo é que ambos decidiram voltar dirigindo. Quer dizer, Michael quis dirigir, e Jackson foi junto com ele. - Ela fez uma pausa, engolindo em seco, depois passou as mãos uma na outra em um gesto de nervosismo. 

A postura de Marina me deixou ainda mais tensa, e eu me aproximei dela, os braços cruzados, a mandíbula tensionada. Julia já não se ligava mais em Bagheera, sua atenção estava totalmente voltada à nós. 

— Michael não tinha condições para dirigir, estava muito bêbado… E aí, bem… - Suspirou, fazendo outra pausa. Os lábios dela tremiam. Senti vontade de gritar com ela, ordenar que me falasse logo. - Ele atropelou uma pessoa. 

— O quê? - Eu e Julia falamos ao mesmo tempo.

Meu coração batia forte. Muito forte. Minhas pernas vacilaram e eu precisei me apoiar sobre a mesa para não cair. 

— Mas… O Michael… Ele…? - Julia perguntou, sem conseguir terminar a frase. Sua voz também vacilava e tremia. 

— Não, o cara não morreu, mas foi quase. - Suspirei em alívio. - O problema é que tinha câmeras de segurança no local e nenhum dos dois prestaram socorro. A câmera os pegou saindo do carro, olhando para o homem no chão e depois voltando pro veículo e fugindo. - Ela baixou o olhar, pegou os papéis e os entregou para Julia. Eu me aproximei da minha amiga e analisei o conteúdo junto com ela. - Esse é o relatório da polícia sobre o que aconteceu. Meu pai pagou uma grana para eles fazerem vista grossa e esquecerem sobre o ocorrido. A vítima também recebeu um bom dinheiro para deixar tudo pra lá. 

— Marina, isso é muito sério. - Julia falou, perplexa, passando as páginas como se estivesse lendo, mas eu sabia que ela estava desnorteada demais para que seu cérebro conseguisse focar no que quer que estivesse escrito ali. 

Precisei me sentar, não me importando mais se iria sujar o sofá de America ou não. Minha cabeça girava, e eu sentia como se fosse vomitar a qualquer momento.

Como Jackson conseguiu esconder algo assim de mim? Como ele pôde ser tão frio ao ponto de agir como se nada tivesse acontecido? Como se não tivesse sido cúmplice de algo tão sério? O acidente havia acontecido em janeiro. Ele teve várias oportunidades de se abrir comigo, de me contar. Como pôde ter continuado a agir  de maneira tão normal e tranquila? 

Ou talvez não. Talvez Jake tivesse dado sinais, talvez seu comportamento tivesse mudado  e eu não fui capaz de perceber. 

Essas coisas mudam a gente. Não tinha como Jackson continuar sendo o mesmo. 

— Por quê você está ajudando a gente? - Eu tinha várias perguntas, mas por algum motivo, aquela veio em primeiro lugar. 

De todo modo, fazia sentido eu estar desconfiada. Marina não era uma das nossas maiores fãs. 

— Não estou fazendo por vocês. - Confessou. - Eu só não aguento mais ver Michael saindo impune de todas as situações. Não acho justo que os segredos de vocês sejam espalhados por aí enquanto ele tem algo sério a esconder. 

Nós assentimos em silêncio. 

— Audrey, tem mais uma coisa. - Marina falou, direcionando o olhar à America. As duas se entreolharam e  a irmã de Michael lançou um sorriso amigável para ela, depois segurou sua mão carinhosamente, querendo tranquilizá-la.  - Amy precisa te dizer algo.

Amy pigarreou e se endireitou no sofá, parecendo desconfortável. Seus olhos encontraram os meus e ela engoliu em seco algumas vezes antes de continuar: 

— Você não foi a única infiel no seu relacionamento com o Jackson.

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