Capitulo 2

1.6K 92 7
                                    

Pov. Camila

Uma garoa cobre todo o cemitério e me pego pensando se chover em enterros é um denominador comum. É como se tudo precisasse estar cinza como os sentimentos. Quase parte do pacote. Meu pai adorava esse tempo, o que é irônico. Ou não, talvez seja o modo que a morte tem de lhe fazer uma homenagem.

Minha mãe está acordada, mas continua dopada. Seguro sua mão enquanto caminhamos e observo Sofia carregar o caixão de meu pai ao lado de meu avô, que brigou com todos que quiseram impedi-lo de carregar seu menino pela última vez. Tio Geoff segura a alça logo atrás dele.

Geoff era o melhor amigo do meu pai, assim como Liam, seu filho, é o melhor amigo de Sofia. Além disso, ele é meu padrinho e advogado da nossa família. Ele cuidou de tudo hoje e provavelmente será assim por muito tempo, porque tio Gerard não consegue deixar de cuidar de quem ama. Eu tentei resolver, juro que tentei, mas as pessoas tratam velórios e enterros como negócio. Sei que é o negócio delas, mas ainda assim é frio demais, e tive uma crise de choro enquanto discutia como tudo seria, então meu tio assumiu. Não semantes, é claro, Nicola pegar o telefone da minha mão e ofender o moço da funerária.

Nicola é a filha mais velha de tio Geoff. Há pessoas de pavio curto e há a Nicola, que não tem pavio nenhum, principalmente se achar que alguém que ela ama está sendo magoado. Somos amigas também, mas não como Liam e Sofia, que são praticamente Tico e Teco, dois personagens de filme que vivem juntos. Eles costumavam dizer que eram como Mario e Luigi, mas aí decidiram ser Tico e Teco mesmo.

Sofia ficou horas conversando ao telefone com Liam na noite passada, depois jogando no computador. Como Liam mora em Londres com o tio há dois anos, computador e telefone são o que eles mais usam para se comunicar. Sofia deveria ter ido assim que completou dezoito anos, mas a doença do nosso pai veio e tudo mudou.

Tudo saiu do eixo.

Também sinto falta do Liam. É o tipo de pessoa que você quer ter por perto. Ele saberia exatamente o que dizer ou apenas me abraçaria em silêncio. Nós nos beijamos uma vez, pouco antes de eu começar a namorar o Austin, há três anos. Foi melhor não ter se tornado algo sério.

Ele tem uma história mal resolvida, e pessoas com tanta bagagem geralmente machucam ou acabam machucadas.

Aliás, Austin não pôde vir ao enterro e ainda estou zangada, mesmo sabendo que nem todos conseguem ser liberados do trabalho.

Nicola disse que Liam queria vir, mas não conseguiu ser dispensado das aulas na universidade, e seu pai achou melhor que ele esperasse o próximo feriado.

— Ainda acho que vocês deviam aceitar o convite do meu filho e passar um tempo fora. O Liam ia adorar a companhia de vocês. — tio Geoff insiste, enquanto esperamos o motorista que vem nos buscar.

— Você quer ir, Sofi? — pergunto, apesar de eu não querer.

— Não, tio. —Sofia responde diretamente a ele. — Conversamos com a minha mãe e ela não quer sair de casa agora. Não vai rolar.

— Posso conversar com ela e...

— Não força, pai. —Nicola coloca a mão nas costas do pai, tentando interromper o que ela sabe que não vai mudar. — Dê um tempo pra elas. — Apesar da postura decidida, ela fala com tranquilidade. Depois lhe dá um beijo no rosto e diz: — Vou dormir na Clara hoje, tá? Aproveitar que o imbecil do marido dela está viajando e ficar com os meus afilhados.

Doniya é a melhor amiga de Nicola, mas seria mais bem definida como a "bagagem" do Liam. Todo mundo sabe e todo mundo faz que não sabe, desde que ele saiu do país pouco tempo após o casamento da Doniya, há dois anos. Ela se casou aos dezenove, porque estava grávida. Sei que nenhuma mulher mais se casa por esse motivo, mas você entenderia, se a conhecesse.

Coração perdido (G!p)Onde histórias criam vida. Descubra agora