Prefácio

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Olá, caro leitor! Boas vindas ao Martírio.

Sinto a necessidade de — antes que comece a leitura — contar-lhe algumas coisas. Dissertar, mesmo que com algumas breves palavras, sobre alguns aspectos do livro que escrevi talvez demasiadamente rápido (no calor do momento, na ânsia da poesia). Preciso, também, apresentar-me. Dizer minhas motivações e explanar as — descartáveis — medidas que pairam o Martírio. Então o convido a acompanhar-me nessa introdução.

Shall we?


O título

Pois bem, percebi que o título fora recebido com algidez por algumas pessoas, apurado com uma estranheza dotada de preconceito. Portanto, sigamos à explicação: por que o nome da obra é Martírio?

No decorrer das poesias, acredito que a palavra vá se internalizando no autor — que o absorverá durante a construção do conceito que eu propus —, os poemas dirão por si só o que é, para mim, o martírio.

De acordo com a definição do Google:

1.tormentos e/ou morte infligidos a alguém em consequência de sua adesão a uma causa, a uma fé religiosa, esp. à fé cristã."o m. de são Sebastião"2.hiperb. grande sofrimento, grande aflição."um amor não correspondido é um m."

Confesso que escolhi a palavra porque ela era bonita e se encaixava, simplesmente. Eu desejava, no início, um substantivo que pudesse representar as dores e autoflagelos que eu abordei ao longo de todos os poemas, a aflição escancarada que esbanjava os eu-líricos; o martírio surgiu — como que uma ideia implantada — na minha mente. Era o nome que mais se acomodava com o que eu queria passar para o leitor, por isso selecionei-o. 

O martírio é uma realidade decadente, em que os narradores utilizam-se de subterfúgios para esguiar-se dos próprios defeitos. O Martírio é mau, horrendo por natureza. Contudo, como que uma agonia necessária (assemelhando-se ao Leviatã, de Hobbes), sinto que urgimos (atualmente) de coisas que esbanjem na mesa — que é a nossa percepção — o pior lado das emoções humanas. Afinal, alguém que banha-se na dor tende a dizer e fazer coisas que não são aprazíveis (coisas que em situações normais — em que há a temperança — não seriam ditas, certamente).

A obra é um exercício de empatia com o mal. É a consciência de que tornar-se mau é um processo, é compreender que a tristeza é um agente primordial para que se possa auferi-lo (o lado maligno das coisas) — para que enfim o eu-lírico possa subverter-se ao lado ruim da moral. Ela é um segredo que é senso comum, jazido silenciosamente no inconsciente, e rechaçado. Uma certeza negada, porque sua visão escandalosa é desconfortável.

Sofrer é desconfortável. 

Não busco, porém, incentivar que esse lado — corrupto — seja normalizado. Só desejo que seja exposto, que pare de ser um tabu (como é para tanta gente). 

A degradação é real, mesmo que neguemos e finjamos que ela não espreita-se — sorrateira — no nosso leito.


As poesias

Trato, no suceder das poesias, temas que não são agradáveis. Particularmente não gosto de narrativas muito fáceis, de palavras muito clichês (ainda que o sofrimento seja, por si só, um clichê estrondoso). Você irá se deparar com coisas que incomodam, um embrulho no estômago, uma lembrança que perdura — insistente — na memória (mesmo que tenha tentado há muito apagá-la). O Martírio não é bonito, ele atinge, recalca, dói. A palavra martírio diz por si mesma.

Não escrevo (já faz algum tempo) poemas românticos. Não consigo me empolgar tão fácil lendo métricas melosas, amorosas demais. Talvez porque eu não ame alguém, de maneira sincera, há algum tempo também (prefiro amores reais e intensos do que amores rasos e líquidos, certamente). Não encontram-se poemas de amor romântico nessa obra e, se é isso que você procura, recomendo que encontre outra coisa para ler.

Aqui falo sobre corrupção; os personagens que narram os poemas são — usualmente — terríveis, às vezes drogados, às vezes nojentos. Escrevo sobre subversão, insegurança, ódio — sentimentos que acabam por desafiar a moral, em algum momento. Faço poemas imorais. Falo sobre a morte sem pudores.

Alguns dos eu-líricos (não todos, de fato) são a minha própria pessoa. Porque eu também erro: ninguém é impassível de falhas. 

Em muitos dos poemas faço intertextos com a biologia — muito proposital e frequentemente, sou apaixonada por Ciências Biológicas — e com outras obras (principalmente do Drummond).


A trajetória

Creio que se o livro tivesse algum outro autor, ele seria o Selvagem do Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Obcecado pela ideia da punição, pelo ideal de uma moral arbitrária e infindável. John — o selvagem — é um personagem que cresceu numa aldeia de índios (pessoas que vivem como a gente, nos dias de hoje) e, por consequências da narrativa, acabou introduzido em uma sociedade completamente diferente. Ele é inserido em um local onde tudo é feliz, ou melhor, todos são alegres o tempo todo.

John então decide que o sofrimento é parte do que ele é. Ele tem a epifania de que os indivíduos que vivem naquele mundo não são livres, porque são demasiadamente drogados e... felizes. A tristeza e a dor não são permitidas no Admirável Mundo Novo — porque revoltam e, numa sociedade perfeita, não existem revoltas. Indivíduos incomodados subvertem a ordem.

Porém, no seguir da obra, apesar da conclusão correta (no meu ver) do Selvagem, o personagem acaba enlouquecido. Tenta diferenciar-se daquele mundo — de acordo com ele, horrível —  se punindo, sem indulgências e mais do que deveria. Sente mais dor do que deve, na ânsia de senti-la e, dessa forma, acredita que irá libertar-se das amarras do novo mundo.

Ele acaba insano, isolado em uma ilha, autoflagelando-se incessavelmente. No fim, John enlouquece de forma que enforca-se, comete suicídio.

Vejo o "Martírio" como a insanidade de John — inexplicável, urgente por diferenciar-se da felicidade exacerbada que os indivíduos (entorpecidos) do mundo novo têm. Por muito, eu me assemelhei ao personagem, prejudiquei-me desnecessariamente. Em nome da verdade, em nome da vida em si — que provém dor, que provém incômodos —; percebo, no entanto, que a dor também é entorpecedora (causadora de vícios). Viver somente o martírio é como viver somente na felicidade: você não experimenta todos os aspectos possíveis. Você não vive de verdade.

A solução, portanto, é a temperança. Ser mediano — não no sentido de medíocre, mas de encontrar algo equilibrado —, procurando almejar coisas boas e enfrentando as adversidades da vida de frente. Dar a cara a tapa, entende? A fuga é fictícia; correr, de maneira inebriante, daquilo que te perturba nunca será a solução (e meus personagens fazem isso, muitas vezes, eu própria fiz isso muitas vezes).

Hoje li o prefácio do Admirável Mundo Novo pela primeira vez (havia pulado das duas primeiras vezes que li o livro). Fui surpreendida pela conclusão de Huxley: ele pensava a mesma coisa que eu. Disse que daria ao Selvagem — se reescrevesse a obra — mais uma opção (além de participar do entorpecedor mundo novo e/ou ser parte da aldeia indígena); John poderia alcançar a sanidade ponderada, escolhe-la, equilibrar-se em uma sociedade cooperativista, de governo descentralizado.

Penso, finalmente, que os personagens que descrevi aqui não mais me representam inteiramente. Atualmente não sou mais só Martírio — eu sou gratidão (por tudo que me apraz de boa forma), eu sou sorrisos, eu sou (mesmo que não toda hora) feliz. Eu me sou, com todas as falhas e acertos. Eu não fujo de mim. Encaro as coisas como elas são, porque esquivar-se só piora tudo.

Sou livre das amarras da percepção — exclusiva — dos males que me assombram. Me rebelo contra o martírio — eu sorrio. O Martírio é, além de tudo, uma lição. Um ensinamento pra mim mesma, uma lembrança de que não só a dor existe, e não só ela importa. Há outras coisas tão importante quanto. Existem outras coisas — incontáveis — que me aguardam ao longo dos meus próximos anos.

Aproveito essa felicidade clandestina que tenho, e o martírio esvai-se — nunca totalmente, somente brevemente — , por fim.

Afinal, tenho só dezessete anos.


Atenção!

A obra trata de temas sensíveis, caso o leitor tenha gatilhos a leitura não é recomendada.

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