Neocantiga de amigo

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Um

Ela é doce. Amável.

Sonha.

Sonhos lindos.

Sonhos que crescem nas pétalas

— ávidos por destinos bons —,

crente romântico, crê paz.

Amante da melodia que apraz,

fiel à delicadeza que jaz

na pele fluida e polida.

Porcelana pálida, e discrição.

Sonhos que crescem nas pálpebras

— ávidos por amores sãos —,

desfruta de passados árduos,

anda com passos exauridos, tímidos.

Sonhos de amores áridos,

"o destino há de libertar-me da prisão",

qu'Ele me mande para nova constelação.

Possa pairar por aí sem parar.

Nela,

fios d'Ouro que resplandecem,

filha de pureza vívida.

Condescendente do mal-querer

que lhe é o acontecer.

Condecoro que apanha calado,

na esperança do amanhecer.

Frágil flor que desabrocha do sofrer,

tolera tapas em ruínas.

Sorrindo. Brilhando.

Ruindo em prantos e no entanto

exalando almíscar e decoro.

Cheiro de rosas e de choro.

Dois

Aquilo que almeja, fétido, o retirante.

Olhando de olhos-córrego o reluzente,

rugindo de imaginação, não hesita.

De emoção enérgica, regurgita.

Perturbação inóspita que lá habita

— nas emoções incompreendidas.

Monstruoso, tenta tocá-la, o céu, em vão.

Três

A moça recusa, discreta, a presunção.

Perfeita como é, sonho de paixão.

Diz-lhe que o futuro é bravo,

que eles dois não tem emulsão:

são um prato perfeito para a falha

do destino algoz que os espera.

Quatro

eu o ouço, encolerizada:

não sou tão branda quanto ela,

não tenho seus olhos claros,

não tenho seus cabelos loiros.

sem métrica e sem norma: pútrida.

sou subversiva — não sei sonhar.

não reluzo: sou pedra opaca.

não me calo em frente aos atrozes

ventos da vida que revoltam.

tenho calos na garganta de tanto contestá-los,

não os aceito. não os tolero.

então rio brevemente, fingindo apatia:

— Fique calmo, retirante. Talvez um dia!

talvez um dia possa conquistá-la

e encolho-me, abjeta,

dentro do meu engano.


MartírioOnde histórias criam vida. Descubra agora