Queimada de verão

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Música que inspirou o poema: "Daughter - Winter"

O monstro debaixo da cama degrada
enquanto espera pela vingança.
As pragas sobem pela escada
enquanto os rostos se acinzentam.

Então os traços se acalentam
se enrijecem e lamentam
pela juventude efervescente
que não puderam ter.

Os olhos enrugam de velhice,
apertam-se com vontade de ser
o que nunca puderam antes ver.

As mãos lânguidas e trêmulas
tentam desenhar palavras
para quem já não está mais aqui.

Os traços adoçados de saudade,
amaldiçoados com insatisfação.
Me leve de volta à rica juventude
que levava comigo no meu coração.

Preciso que ele bata novamente,
incendeie tudo que há aqui dentro,
precisava de você fluindo como o meu sangue, como doença.

Precisava da sua presença
como o fogo precisa de ar.
Respirar do teu lado
ao menos uma vez, te amar.

Os traços anêmicos e vergados
apertavam-se em ardor.
Eu precisava contaminar-me
com você, com você, amor.

Ouvir a sua risada pela última vez,
olhá-lo nos olhos como a primeira vez
e incendiá-lo, ele iria matar-me,
matar-me como ele sempre fez.

Os traços alquebrados, exaustos de sono,
não consigo dormir longe de ti.
Então os sussurros me dizem, amor,
que você está melhor longe daqui.

Que você foi feliz sem mim
e que nunca nos pertencemos.
Que fui uma queimada de verão
e ele foi seus anos inteiros.

Os traços derreados
apertavam-se de desgosto.
As rugas de solidão confessam
aos insetos, na cozinha:
sinto falta das suas piadas de mal gosto
e dói ter sido sempre sozinha.

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