Martírio

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A morte está temerosa de levar-me,
tem medo de que eu continue viva
com ela permanecendo a abraçar-me.

Dançamos coladas, as duas.

Receosa que eu a amarre,
domine-a com palavras
e âmagos amargos demais.

Seduzo-a com o flagelo.

Suplícios, reclama os martírios.
Teima em mimetizar Bukowski
ou qualquer tuberculoso e seus vícios.

Carrascos, aferram-se as guilhotinas,
subverto-me, meu ódio é o melhor de mim.
Queimo para propagá-lo e me esvair.

Sumir aos poucos e sem deixar rastros,
ser uma ferida aberta indecifrável
- um corte fantasma, em alguém.

Alguma dor no peito irreparável
que não se cure com coke e codein,
palavras vomitadas com desdém.

Persevero como severo retirante,
morrendo de sede nos hidrantes
de qualquer cidade, qualquer bar.

Um rosto desconhecido, em qualquer lugar.

Feita a diferença, não saberão meu nome,
minhas rimas, meus gostos,
não feita, será o mesmo.

Não os assisto, observo-os expirar,
perdem o prazo de validade.
Deleitam-se na conformada maldade.

Sentem as brasas da quimera,
apaixonam-se, ela dilacera.
Murmura: supere. Supera.

Com olhos mirrados, craveja
as presas em qualquer sujeito
ordinário, vazio demais.

Preenche-los com o excesso,
arrematá-los com golpes leves.
Ainda com olhos ressequidos.

E sorrisos débeis, ardilosos,
estou dando-lhes um mártir.
Um memorando para a eternidade.

Um motivo pelo qual valha a pena
se perder a sanidade.
Algo que faça-os sentir saudade
de quem eles eram antes de mim.

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