VIGÉSIMO PRIMEIRO CAPÍTULO

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Encaro incansávelmente o líquido cremoso do meu café, concentrando no movimento contínuo da colher e da fumaça evaporando. Prefiro olhar para o líquido fumegante enquanto minha pele queima sentindo os olhos de Aurélio vidrados em mim, é mais confortável não lhe encarar nesse momento. O cansaço do dia anterior fez meu corpo desmaiar sentindo os dedos dele deslizando no braço e também sentir a mesma carícia ao acordar. Antes de deixar o café morno, paro de mexê-lo e finalmente ergo meu olhar na direção dele, encarando seu rosto com uma pequena camada de barba por fazer, o olhar limpo e relaxado observando meus gestos matinais. Aurélio sorri e acabo repetindo o gesto de forma natural.

A mesa da sala de jantar fora cuidadosamente bem localizada, assim durante o dia é bem iluminado pelas janelas e a noite banhada pelas velas e lamparinas a gás. Agora, essa mesma luz inunda todo o rosto dele, aproveito essa pequena oportunidade e olho para Aurélio com cautela e curiosidade, observando com atenção o efeito da luz solar na mudança do tom de verde dos olhos ou o quanto os raios solares contorno os traços do rosto. Abaixo meus olhos quando pega sua xícara de porcelana portuguesa, delicada demais para suas mãos. Não falamos muito desde o momento do acordar, cada um mergulhado em seus pensamentos sobre o outro, em vez de perguntas optamos por observar nossas manias as primeira horas do dia.

Agora sei que Aurélio acorda com o rosto amassado pelas cobertas, e ainda silencioso molhar o rosto com o água fria da bacia e talvez também faça a barba, mas hoje não o fez. Ele também observou o quanto sou preguiçosa, o quanto pareço um gato remexendo nos lenções para não sair do quentinho da cama, o quanto os meus cabelos ficam armados e fora de forma. Paro de encarar ele para beber meu café, o movimento cuidadosamente observado. Todos os anos da minha vida tenho memórias frescas dos olhares de mamãe para meus gestos, eram olhares de reprovação e análise, ambos igualmente pesado, no entanto, os olhares de Aurélio em vez de tornar meus movimentos engessados e poucos, são na verdade de curiosidade e diversão. Sinto-me à vontade com seus pares de olhos encarando-me sem pudores, ele não quer recriminar, apenas conhecer.

— Você gosta bastante de geleia de goiaba. — Aurélio afirma, sorriu com sua observação, olho de relance para meu prato, onde fatias de pão estão empanturradas de geleia de goiaba, Zulmira tinha enviado vários vasos com geleia.

— Na verdade gosto de tudo com goiaba, gosto dela em todas as formas que pode se apresentar. — confesso leve, não posso lembrar a última vez que sentir leve, tirando os pés doloridos dos saltinhos nenhuma outra parte do corpo reclama. Aurélio sorri, em seguida põem a xícara no pires, depois inclina o corpo na direção do pequeno pote de geleia, ele para seus movimentos por alguns segundos apenas para certificar se estou olhando, aguardo atenta pegar uma outra colher e comer a geleia de forma generosa, até suja todo o lábio. Riu energética para seu gesto, minha risada faz apenas o incentivar comer uma boa quantidade.

— Devo concordar, geleias de goiaba são deliciosas. — afirma após comer, continuo rindo enquanto volta a deixar a geleia na mesa. Aurélio ri junto comigo, abaixo um pouco dos meus olhos para encarar seus lábios brilhando pelo doce, consigo lembrar do nosso beijo na noite anterior, da sensação da carícia e das suas mãos quentes atravessando o tecido da camisola. Ele ri mais, talvez vendo meu rosto queimando pela lembrança.

— É o que digo a todos. — afirmo, tentando dissipar meus próprios pensamentos. Aurélio sorri mais uma vez, inclinando-se agora em minha direção o suficiente para pegar minha mão. Não falamos mais nada enquanto Aurélio leva as pontas dos meus dedos melados de manteiga e geleia até os lábios, mesmo sentindo a necessidade de fechar os olhos enquanto sinto a cremosidade da geleia tocar minha pele, continuou olhando para o gesto afetada.  Uma queimação diferente espalha-se por todo meu corpo enquanto toca nos meus dedos tão simples, remexo no assento em resposta. O movimento não passa despercebido, fazendo o sorrir ainda mais. Aurélio fecha os olhos, apreciando seu próprio gesto em chupar as pontas dos meus dedos, paro de olhar para ele por alguns segundos enquanto certifico que estamos realmente sozinhos.

Amor entre ConveniênciaOnde histórias criam vida. Descubra agora