Ergo o olhar para o casarão ainda imerso numa densa bruma circulando sua estrutura. Andar traz algum alívio para o frio do começo da manhã, não posso interpretar a hora exata, mas o tempo nublado não esconde os primeiros raios solares. Caminho na direção lateral, seguindo o caminho da cozinha onde sei que encontro alguém. Desde a saída tento não pensar na reação de Aurélio e Lúcia, minhas movimentações foram realizados com o mínimo de ruído e a carruagem pega na esquina da rua. Ele com certeza ficará furioso e Lúcia mortificada por minha falta de autopreservação.Um corpo volumoso em roupas simples e escuras aparece no vão da porta e não consigo esconder o sorriso. Dou passos mais largo nas pedras lisas em sua direção, o vento frio tocando minha pele não incomoda. Zulmira olha para mim com seu olhar reprovativo, o mesmo quando mexia em suas panelas, mordo o lábio e digo para não chorar, para não desabar no meio da fazenda quando já fui tão longe. Vejo ela descer os degraus com cautela e aproximar.
— Chica. — Zulmira grita após um tempo, mesmo com o corpo trêmulo e as pedras escorregadia devido a chuva recente, corro em sua direção. O movimento intenso afasta o frio do corpo por alguns segundos, trazendo consigo a fadiga e o bem-estar.
Seu olhar assustado por minha chegada repentina não fica escondido. Assim como ela, também estou surpresa com a minha ação descuida. A conversa com Aurélio abriu feridas, assim como fez outras e a inquietação e o gosto amargo da rejeição foi muito mais persuasivo se comparada a autopreservação. Aquela casa tornou-se um funil, pronto para esmagar meus ossos e ficar ali, sabendo de sua aproximação era torturante. Escrevi aquela carta lembrando de todas as nossas conversas, de toques e beijos, procurei em cada lembrança indícios de seus sentimentos. Atravessei a cidade com o peito apertado, maquinando dualidade em suas ações, sufocando de dentro para fora numa mistura de raiva, medo e tristeza.
Sai de São Paulo para encontrar mamãe, terminar a nossa conversa e entender onde esse ódio e repulsa começou, preciso voltar ao meu lar, a fazenda onde cresci e compreender essa mulher. Preciso entender toda a sua rejeição e quem sabe assim, saberei como acabar com sua influência sobre as minhas ações e sentimentos, assim conseguirei cortar as linhas do fantoche de nossa relação. Estava esperando a segurança de sentimentos vindos de Aurélio, algo palpável e certo para me declarar. Suas palavras de amor é um fantasma incômodo, em vez de trazer conforto e felicidade, traz solidão e incertezas.
— Zulmira. — sussurro com a voz embargada, sem cerimônias abraço seu corpo e afundo meu rosto em seu ombro. Para a minha infelicidade, decidir sair de casa na madrugada mais fria e chuvosa da província aparentemente. O sobretudo úmido não auxilia muito em manter o corpo quente e ela demonstra não se importar com a umidade das vestes. Sorrio com os dentes rangendo enquanto ela apertar meu corpo contra o seu, — é bom vê-la depois dessa odisseia.
— Minina cabeça de vento. — Zulmira fala, rio com o alívio e conforto mesmo sendo tomada por outro espasmo. Seu toque simples faz nos afastar alguns centímetros, seu olhar sai do meu rosto e desce para todo o corpo, das botas úmidas a bolsinha, — vamo entra, seus osso deve tá tudo molhado. — assinto calada, ela balança a cabeça em reprovação, depois começa a caminhar e sigo seu movimento.
— Estou com fome. — falo alguns minutos depois, Zulmira encara-me, seus olhos mais uma vez avalia meu estado deplorável, pelo menos foi assim que fui olhada na estação de trem quando cheguei, o cocheiro também não estava satisfeito em trazer-me a fazenda.
— Tombém, chega da capitá a essa hora. Faz o que aqui, chica? — Zulmira questiona finalmente, inspiro abaixando a cabeça, tomando alguns segundos para organizar meus pensamentos.
Uma parte de mim quer acreditar nas palavras de Aurélio, quer acreditar que durante todo esse tempo ele realmente me amou, todas as conversas e carícias eram demonstrações sutis de seus sentimentos, de seu desejo por mim. Ele conseguiu até deixar-me apaixonar por ele. E a outra parte teme ser mentira, os toques e declaração ser apenas uma alternativa de manter a nossa boa relação dos últimos meses, talvez conseguisse dormi comigo um dia. Aurélio sabe o quanto a tranquilidade perdesse com essa situação, o amor unilateral. Ele não tem mais Carolina, sobrou apenas retalhos.
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Amor entre Conveniência
Ficción históricaBrasil, 1892. Francisca Lopes de Castro, filha de um grande produtor de café paulista, acredita fielmente que morrerá solteira. Tendo em vista que, todas as moças da região são casadas, a reclusão na fazenda também reafirma seu argumento, no entanto...