Pássaros negros e grandes riscam o céu límpido acima da minha cabeça de forma circular, seus pequenos barulhos chegavam aos meus ouvidos de forma discreta. Estou hipnotizada pela movimentação de asas e nem a luz forte do sol em meus olhos incomoda a minha contemplação solitária. A fazenda de papai sempre fora demasiado quieta se comparada às outras da região, não há crianças correndo para todos os lados e muito menos mulheres gritando na direção desses pequenos. O único som contínuo é o do vento forte no cafezal ou balançando as palmeiras imperiais próximas a janela de meu quarto.
Fechos meus olhos por alguns segundos, apreciando o vento passeado pela minha pele quente e o feixe de luz solar invade de forma discreta as pálpebras dos meus olhos. Estávamos embaixo da copa de uma grande árvore, Lúcia está encostada ao grosso tronco da secular e longe das minhas vistas, escuto apenas sua voz doce no fundo da minha mente, no entanto, a minha concentração está completamente distante da sua leitura e espero que ela não perceba a minha desatenção. Ao contrário de mim, Lúcia é a jovem mais atenta, bem, ela é a única jovem ao qual sou realmente próxima. Mexo a cabeça na direção do sol, em um pequeno espaço entre dois grandes ramos de folhas ao qual a passagem da luz é maior e aprecio a quentura em minha pele. A Fazenda Conceição não pode ser muito barulhenta, mas fornece pequenos prazeres.
Sinto em todo meu corpo a textura ondulada da terra, mesmo com uma grossa toalha nos separando, mamãe nunca deixaria sentar diretamente na terra e servi de comida as formigas e outros animais aos quais ela tem medo. Para o azar dela, sou um pouco mais corajosa quando o assunto são animais peçonhentos, mesmo longe de suas vistas uso a toalha para proteção, a senhora Isabel é capaz de ver de longe uma pequena sujeira de terra em minhas vestes e iria ralhar com Lúcia e me daria um sermão piores do que padre Firmino aos domingos. Voltou a abrir os olhos, mudo a posição do corpo o suficiente para encarar as pequenas e grandes pedras úmidas pela cachoeira não muito distante, a sanga da propriedade é refúgio particular e sem sua presença nessa propriedade talvez já tivesse enlouquecido e não é de forma alguma a coisa mais agradável viver em um daqueles sanatórios.
Ergo-me respirando de maneira profunda, sentindo no fundo dos meus pulmões o cheiro afrodisíaco do café. A lavoura está a uma distância segura de onde estamos, sempre quando o vento passa sobre seus grãos, espalhando o cheiro forte em todos os cantos é nesse momento que aprecio onde moro e a vida qual levo. O cheiro do café fora minha essência favorita e se pudesse colocaria dentro de um frasco de perfume. Passo a língua no lábio inferior, quase sentido o gosto da bebida, mas está tarde e o desjejum tinha sido há muitas horas atrás, o gosto estava longe dos meus lábios úmidos. O vento continua balançando a copa da árvore, erguendo e fazendo dançar a toalha, levando para os quatro cantos as palavras de Lúcia ao qual não escuto.
— Francisca! — escuto meu nome após uma longa pausa da leitura, nem ao menos lembro qual livro Lúcia está lendo nessa manhã, — Francisca! Está ouvindo?
— Estou, continue a leitura. — peço ainda sem olhar para seu rosto delicado e seus olhos escuros como o próprio café, Lúcia me conhece o suficiente para reconhecer minhas mentiras e demais sentimentos, — estava sendo muito prazeroso até sua parada. — quase consigo ver seu rosto se enrugando de reprovação, minha única alternativa é disfarça a indiferença a sua dedicação a leitura do livro.
— Então diga-me onde parei. — sua voz carrega um leve tom de divertimento, a jovem realmente amava me ver em apuros. Giro meu rosto em sua direção, como estivesse pronta para um duelo ou preparada para entrar em alguma guerra e posteriormente viro meu corpo sua direção, desmontando a toalha devido o movimento simples. Os olhos escuros de Lúcia me encaram irônicos e porque não insatisfeito, não adiantaria continuar com minha postura, tinha sido pega de forma clara.
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Amor entre Conveniência
Historical FictionBrasil, 1892. Francisca Lopes de Castro, filha de um grande produtor de café paulista, acredita fielmente que morrerá solteira. Tendo em vista que, todas as moças da região são casadas, a reclusão na fazenda também reafirma seu argumento, no entanto...