Por Beatrice.
Quando chegamos em casa, quase ao anoitecer, eu ainda pensava no que Luke me falou no quarto. Penso se minha mãe sabia que eu ia embora quando voltei para a faculdade. Penso se meu pai contou a ela o que fez. Penso se ela se importou mesmo. Lembro que ela não falava comigo mais. Era como se eu não existisse. Como se eu tivesse morrido junto com Michael naquele acidente.
Eu subo para o quarto e tomo um banho. Em algumas horas terei que ir para o bar, por isso já separo uma roupa e deixo escondida na cadeira da minha escrivaninha. Visto uma calça de moletom e uma camiseta antiga, como se fosse ficar em casa e saio do quarto. Meu pai está lendo um livro na sala quando eu desço as escadas. Ele não me nota e enquanto eu o observo, tento enxergar o homem que é querido por tantos. Não consigo. Infelizmente, só consigo enxergar o homem que bate em mim com um cinto na maioria das noites. O homem que me odeia, mesmo sendo do seu sangue. Sendo sua filha. Sigo pela casa antes que ele me note e encontro minha mãe no quintal dos fundos, sentada em uma cadeira de balanço com a bíblia fechada em seu colo. Ela passa as pontas dos dedos delicadamente pela capa, enquanto olha para o céu, parecendo perdida em pensamentos. Ela escuta meus passos, ganho sua atenção e me aproximo. Sento na cadeira ao lado, coloco meus pés no assento e abraço meus joelhos, fitando o céu também.
- Foi um bom dia. –sua voz é tranquila e eu assinto, suspirando-
- Foi, sim. –eu falo e viro meu rosto para fita-la- Preciso contar algo, mãe. –eu murmuro antes que a coragem se vá e ela franze o cenho, abrindo um sorriso calmo-
- Pode contar, querida. –ela fala e eu hesito. Ouço sua risada fraca e perco a concentração- Você fazia essa carinha preocupada quando era mais nova. Quando fazia alguma coisa errada e precisava me contar. Seu irmão normalmente mentia para se safar, mas você sempre contava. Mesmo preocupada, com medo da minha reação, você sempre contava. –ela sorria- Lembro quando você, seu irmão e Luke fugiram da escola para assistir um lançamento no cinema. Se você não tivesse contado, nós nunca desconfiaríamos, mas você contou. –ela riu de novo e eu notei que sorria também- Seu irmão ficou tão bravo com você por isso, mas Luke ficou do seu lado e lidou com o castigo que nós demos. –ela balança a cabeça- Sinto falta de quando vocês três eram apenas crianças. Acampando aqui no quintal, com cobertores e marshmallows. Rindo alto de qualquer bobagem, tarde da noite. –seu sorriso vai diminuindo assim como o meu- Você e Luke nem se falam mais, eu vi hoje. –ela comenta e eu me encolho-
- As coisas mudaram, mãe. –eu murmuro e ela assente-
- Mudaram. Eu sei disso. –ela fala e toca meu rosto- O que quer me contar?
Hesito novamente e fito o quintal. Lembranças invadem minha cabeça e meu peito enche de saudade. Quando éramos crianças, levávamos lanternas, cobertores e doces para a grama e deitávamos lá mesmo. Ficávamos conversando bobagens, inventando histórias de terror, rindo à toa e depois dormíamos. No dia seguinte, estávamos dentro de casa como num passe de mágica. Tudo era mais simples antes. Sempre tínhamos alguém para nos cuidar.
- Eu vou me mudar, mãe. –eu digo de uma vez e é como arrancar um curativo. Rápido, mas doloroso. Minha mãe ergue as sobrancelhas e parece tão confusa quanto afetada. Ela me olha como se tentasse decifrar o que minhas palavras realmente significavam-
- O que quer dizer? –ela pergunta franzindo o cenho-
- Eu vou me mudar. –repito e ela balança a cabeça- Vou morar com os meninos. Já está tudo acertado. Só preciso juntar minhas coisas e ir. –falo de uma vez, pois não gosto de enrolar. Minha coragem é momentânea. Sei que quando passar, vou me calar novamente e me sufocar em palavras-
- Bea, você... –ela fica um tempo com a boca aberta, parecendo procurar palavras e eu espero- Você não... –se cala novamente e engole em seco- Isso está fora de cogitação, Beatrice. Não pode morar com os meninos. –ela se levanta-
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Falling (L.H.)
FanfictionQuando um acidente tira de Beatrice seu irmão, ela precisa aprender a lidar com a perda e a culpa que sente. Por um tempo ela se afasta da vida que costumava ter, fugindo dos costumes e das pessoas que antes lhe rodeavam. Um ano depois do acidente...