1. Where is that girl?

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Um ano depois.

- Isso é agradável. -Beatrice ouve sua mãe falar, mas não ergue o olhar para encara-la. Ao invés disso ela fita a comida no prato, mexendo com um garfo- Sentimos falta disso, não é, querido? -ela pergunta olhando para o marido que senta na ponta da mesa-

- Claro. -ele responde sem olhar nenhuma das duas-

Beatrice não quis responder. Ela sabia que não estava sendo agradável para ninguém naquela mesa de jantar. Faziam meses que ela não via os pais. Quase um ano! Depois da morte de Michael, ela simplesmente fez suas malas e se mudou de vez para um dos dormitórios da faculdade na cidade vizinha. Ela não conseguiu ficar na casa. Não conseguiu lidar com o choro compulsivo da mãe. Não conseguiu lidar com o desprezo do pai. Não conseguiu lidar com a culpa que sentia. A casa pareceu lhe sufocar. A realidade da situação também. Ela não sabia lidar.

Mas agora ela estava de volta, de vez. Ainda não sabia o que faria, mas não tinha mais volta. Seu pai apenas lhe avisou, de ultima hora, que ela devia transferir a matricula da faculdade para sua cidade novamente. Ela conhecia o pai bem o suficiente para saber que era melhor obedecer. Se fosse antes, ela provavelmente brigaria, lutaria pela sua independência, mas agora era diferente. Ela não tinha mais forças.

- Amanha você nos acompanha na igreja, Beatrice? -Ruth perguntou e Beatrice ergueu o rosto do prato para encarar a mãe-

- Talvez. -ela respondeu com a voz baixa-

- Ela vai. -Richard decretou sem dar margens para discussão-

Em outra época ela retrucaria. Isso com certeza causaria uma discussão e depois ela provavelmente sofreria as consequências de retrucar algum decreto do seu pai. Em outros tempos Beatrice ligaria de madrugada para seu irmão, pularia a janela do seu quarto quando ele chegasse e ele a levaria para o apartamento que dividia com os melhores amigos. Em outros tempos, talvez ele a defenderia do pai, a apoiaria e as coisas talvez ficassem bem. Em outros tempos. Agora Beatrice não saberia lidar. Não teria quem a apoiasse depois de retrucar seu pai. Não havia para quem ligar de madrugada, não teria ninguém a esperando na calçada enquanto ela pula a janela. Ela teria que lidar sozinha com o depois.

- Eu já terminei. Posso me retirar? -ela perguntou com a voz branda e seu pai parou de comer para observa-la-

Ela conhecia aquele olhar. Era um olhar de "eu desafio você". Ele a desafiava a retrucar, a responder, a simplesmente levantar da mesa. Ele queria as consequências. Ela sabia disso.

- Pode, filha. -ele respondeu por fim, sem tirar os olhos dela enquanto se levantava-

- Com licença. -ela murmura se retirando da mesa e saindo da sala de jantar-

Ela entra no seu quarto e se senta na cama, observando com certo rancor o papel de parede com estampa florida. Nada naquele ambiente combinava com ela. Os tons delicados, a decoração romântica, as flores. Parecia piada que aquele quarto era seu.

Ao se inclinar, consegue pegar o porta-retrato na mesa de cabeceira. Ela observa a foto sentindo uma angustia no peito. Seu irmão sorri para a câmera que segura, enquanto com o braço livre ele abraça Beatrice pelos ombros. Ela faz biquinho para a foto, com um olhar leve e despreocupado. Um olhar que só tinha quando estava com Michael.

Beatrice abre um sorriso pequeno e nostálgico, passando os dedos pela foto com carinho. Sentia um desconforto por dentro, mas já era um desconforto que ela estava acostumada.

Ela deitou devagar na cama, abraçando o porta-retrato e respirando fundo. Não queria chorar, sentia que não tinha o direito. A culpa lhe corroeu os sentimentos nesse ano que se passou. Ela já não era a mesma de antes do acidente. Beatrice sentia que uma parte sua também havia morrido naquela noite.

Falling (L.H.)Onde histórias criam vida. Descubra agora