Prólogo.

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Beatrice.

Eu ouço minha mãe chorar no corredor e fecho os olhos. Sinto a dor física dar lugar para outra dor. Uma mais forte, mais angustiante que me tira o ar e bagunça minha cabeça. Eu o perdi.

Meu melhor amigo, minha melhor pessoa. Meu irmão. Meu irmão que só quis me ajudar. Só quis cuidar de mim, me salvar do monstro. Daquele monstro que escuto consolar minha mãe em meio ao seu choro histérico. Nenhum dos dois falou comigo desde que acordei. Minha mãe apenas me olhou e se levantou, chorando e deixando o quarto de hospital. Meu pai não se dignou a me encarar.

- Beatrice? –escuto e abro meus olhos, virando o rosto para encarar a enfermeira- Sente alguma dor, querida? –ela pergunta se aproximando e eu apenas desvio o olhar, encarando a janela que treme por conta do temporal que ocorre do lado de fora-

- Vocês têm certeza? –eu pergunto com a voz embargada e fecho os olhos- Deve haver um engano, certo? Isso pode acontecer... Certo? –pergunto e sinto a enfermeira tocar meu cabelo- Deve haver um engano. Eu não posso ter perdido meu irmão. Foi um engano. –abro um sorriso e olho para ela- Eu não perdi meu irmão. Michael está vivo. –falo e seu rosto me mostra com clareza que estou ficando louca-

- Bea? –ouço a voz da minha mãe e olho para a porta, vendo seu rosto inchado e vermelho- Filha, ele... –ela respira fundo- Michael se foi. –ela murmura e sinto dor-

Não uma dor simples e conhecida. É uma dor ampla, uma dor que me arrebata, me derruba. Não me movo, não choro, não grito, não surto. Mas sinto. Sinto a realidade pesando sobre mim. A realidade de que meu irmão está morto.

Olho para o rosto do meu pai, parado logo atrás da minha mãe e o olhar que ele me lança é o suficiente para eu entender. Meu irmão está morto e a culpa é minha.

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Luke.

Encaro a camisa preta pendurada no cabide e franzo o cenho. Não era para eu fazer isso. Parece errado eu estar me preparando para o velório do meu melhor amigo. Coisas assim soam erradas demais.

Tenho vinte e três anos. Se eu estou indo no velório do meu melhor amigo é porque algo deu muito errado. E de fato, deu.

Um acidente de carro. Daqueles que ouvimos no jornal todos os dias e nunca imaginamos que podia acontecer com um dos nossos. Mas acontece. Assim de repente, do nada, sem preparo algum. Em um minuto Michael saía apressado falando que sua irmã havia chamado e horas depois meu pai me liga do hospital falando que Michael havia entrado pela emergência já desacordado. Já sem vida. Sem vida! O quão impactante isso soa? Um garoto, mal aprendendo a viver, agora está sem vida. Ele não volta mais para o apartamento que começamos a dividir há poucos meses. Ele não vai mais jogar videogame pela madrugada inteira nos acordando várias vezes. Não vai mais tocar guitarra comigo na varanda. Não vai mais estar aqui. Não mais. Agora ele está sem vida. E eu e os meninos nem pudemos nos despedir. Foi sem preparo, como eu falei. A última coisa que ouvimos dele foi "guarda pizza para mim". O quão banal a vida é? O quão frágil? Sem valor algum!

Termino de me vestir e saio do quarto. Queria estar naquele estado de piloto automático. Não queria estar pensando na situação, mas a realidade não sai da minha cabeça.

Michael está morto.

Ele morreu.

Se foi.

Penso em Beatrice, a irmã de Michael. Seus olhos sempre doces e seus sorrisos sempre marcantes. Lembro da garota com clareza, já que crescemos juntos. Eu e Michael somos amigos há quinze anos. Crescemos com sua irmã ao nosso redor. Beatrice era o oposto de Michael. Doce, leve, delicada. Com os cabelos longos e loiros, e o rosto de anjo. Beatrice parecia uma princesa e sempre comportou como uma. Michael sempre cuidou da garota com tanta dedicação que não foi estranho quando Beatrice ligou para ele de madrugada pedindo para ele busca-la em algum lugar. Chovia forte nesse dia, mas Michael nem hesitou. Pegou a chave do carro e foi atrás da irmãzinha irresponsável que havia sumido. Lembro de Bea e me recordo de todas as vezes que Michael fez a vontade dela para que a menina ficasse feliz. Beatrice era mimada por ele o tempo todo. Por isso o ar de princesa. Era apenas uma garotinha mimada que não conhecia nada da vida e não se preocupava com os outros. Provavelmente estava em alguma festa qualquer e queria uma carona fácil no meio da porcaria da chuva que caia. Não se importava se era seguro para Michael. Não se importava se era difícil para ele. Ela queria e ele fazia. Era assim que funcionava.

Porém, não funciona mais assim. Por culpa dela, Michael se foi. Por culpa dela, as coisas mudaram. 

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Falling (L.H.)Onde histórias criam vida. Descubra agora