6. A good night

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Passo a mão pelo vestido que escolhi para a noite, me observando no espelho e pensando pela milésima vez em implorar para ficar em casa. Uso um vestido simples, na altura dos joelhos, solto da cintura para baixo. Sua cor é de um vermelho escuro, que contrasta com minha pele clara. Ajeito o cardigan preto no ombro e puxo a manga para baixo assim que evidencio a pequena mancha arroxeada em meu pulso. Meu estomago embrulha. Talvez seja o nervosismo pelo jantar que me espera, talvez seja pela lembrança do que me esperava na sala de estar assim que eu cheguei em casa. Meu pai não tinha paciência ou calma. Ele tinha raiva. Antes da morte de Mike, eu achava que seus ataques comigo eram movidos a frustrações, eu me culpava por não ser a filha que ele queria que eu fosse. O via como um homem frustrado, que passava dos limites. Hoje o vi como um homem cruel. Vi que ele não tinha necessidade de fazer o que fez. Vi que ele gostava. Vi que ele fazia porque simplesmente não me amava. Cruel.

- Bea? – ouço a voz da minha mãe e abro a porta- Está pronta? -ela pergunta e eu a vejo hesitar quando assinto-
- Acha que é uma boa ideia esse jantar? -pergunto a seguindo para a escada-
- Grace e Mason insistiram, querida. Não podíamos recusar. Será uma boa noite. -seu tom é remoto, como se eu estivesse falando com um robô. Como se ela tivesse ensaiado essa frase no espelho, tentando se convencer também-

Se antes de Michael partir, meu relacionamento com minha mãe já era balançado, depois do acidente se tornou algo ainda mais frio. Eu sabia que ela me amava, diferente do meu pai. Mas também sabia que o amor que ela sentia por ele era maior. A morte do meu irmão foi um baque em sua vida.
Observo o vestido rosa claro que ela usa. Um modelo elegante, recatado e delicado. Refletia exatamente o que minha mãe era. A esposa perfeita. Se eu fosse como ela, minha vida talvez seria mais fácil. Se eu fosse como ela, recatada, delicada, talvez não seria assim tão infeliz.

- Não vamos demorar essa noite. Será apenas um jantar rápido. -ouço a voz do meu pai perto da porta, mas não o olho. Ajeito meu celular na pequena bolsa que carrego no ombro-
- Sim, querido. -minha mãe concorda, como faz com tudo que ele fala-

Enquanto caminhamos para fora de casa em direção ao carro, penso que nunca em minha vida eu vi minha mãe discordar do meu pai. Como eu disse, a esposa perfeita. Observo meu pai abrir a porta do carona para minha mãe e ela lhe lançar um olhar apaixonado. As vezes penso que eu estou errada sobre ele. Meu pai tem amigos na igreja, uma esposa apaixonada por ele. Como posso achar que ele é cruel?
Entro no carro e me sento no banco de trás, observando a rua conforme o carro se locomove. Um jantar nos Hemmings. Com certeza será ótimo reencontrar Grace, e passar um tempo com tio Mason. Meu medo era encontrar Luke. Já invadi seu espaço na noite anterior e senti o quanto mudou nossa relação. Encontrá-lo na casa dos pais, depois de tanto tempo talvez seja pior ainda. Crescemos nessa casa. Meu peito se aperta ao lembrar de tantos dos momentos que vivemos ali.
Quando chegamos, prontamente vejo Grace na porta. É inevitável compará-la a minha mãe. Ela usa uma calça de alfaiataria cinza e uma camisa amarela, totalmente casual e parece tão mais confortável do que o estilo moldado e robótico da minha mãe. Penso sobre as várias diferenças entre as duas e não entendo como elas conseguiram manter uma amizade de tantos anos.
Seu olhar prende em mim e seu queixo treme enquanto ela abre um sorriso que transborda carinho. Perco a compostura que prometi que teria durante a noite para não irritar meu pai. Desço do carro no segundo que ele para e corro com certa dificuldade por conta do salto que coloquei. Vale a pena, pois Grace me acolhe em seus braços com o mesmo carinho que sempre fui acostumada de achar ali. Sinto seu cheiro de mãe e suspiro aliviada por finalmente sentir algum amor desde que voltei para casa. Controlo um soluço. A noite mal havia começado e eu já queria chorar.

- Me deixe olhar para você, criança. -sua voz parecia tremula e eu me afastei, fitando-a de volta- Tão linda, minha menina. -ela me puxa para mais um abraço e eu a aperto de volta- Não conseguia aguentar de ansiedade. Fiquei esperando na porta para poder ver você chegar. -sua voz risonha me confidencia-
- É tão bom ver você de novo. -sussurro contra seu ombro e sinto um carinho nos cabelos-
- Essa é a melhor parte de um retorno. Os reencontros. -sua voz serena me transmite a paz que eu precisava para esse jantar-

Enquanto me encaminha para dentro de casa, sinto que não será uma noite tão difícil. Grace estava aqui, Mason também. Torço por uma noite boa.
Assim que entro, entretanto, toda a minha torcida parece em vão. Luke está encostado no aparador ao lado da escada. Usa roupas pretas que contrastam com sua pele tão clara e seus olhos tão azuis. Olhos esses que me fitam da cabeça aos pés novamente, enquanto cruza os braços. Não esboça reação alguma. Apenas me olha.

- Abelhinha! -a voz de tio Mason me faz sobressaltar e desviar o olhar de Luke-
- Tio Mason. -sorrio para ele, recebendo seu abraço no segundo seguinte-

Quando nos soltamos, meus pais já estão juntos de Grace no hall de entrada. Luke os cumprimenta com um keve aceno de cabeça sem sair do lugar. Seus olhos recaem em mim novamente e me sinto encolher ainda mais, por isso desvio o olhar e capturo o momento que Grace nota o olhar do filho. É nesse momento que Luke se move, seguindo pelo corredor, onde eu sei que fica a cozinha. O observo até que ele some da minha vista, sentindo meu coração pesado. Sinto sua falta, e isso acaba comigo. Queria uma reação diferente, apesar de saber que mereço sua frieza e seu desdém. Queria o antigo Luke. Queria a antiga Beatrice. Minha antiga vida.

- Ele está cuidando da sobremesa. -tia Grace para do meu lado, enquanto tio Mason já se acomoda na sala de estar com meus pais- Ele está... -ela hesita, pois sabe que a realidade me machuca. Sei que a machuca também-
- Me evitando. -minha voz arranha minha garganta e eu suspiro, abrindo um sorriso fraco- Está tudo bem, tia Grace. É ótimo ver você de novo. -seguro sua mão e ela a aperta-
- É ótimo ver você também, minha pequena abelhinha. -sua mão me puxa para a sala de estar e nos acomodamos em um sofá-

Observo tudo ao nosso redor e sinto todas as lembranças me invadirem. Todas as brincadeiras, as danças, as tardes de cinema, os dias na piscina. Essa casa costumava ser meu lugar preferido na vida. Meu refúgio, muitas vezes. Enquanto escuto os quatro conversarem, me levanto e caminho até a o mural de fotos abaixo do corrimão da escada.
Grace é fotógrafa e sempre registrou todos os momentos das bagunças na sua casa. Sorrio observando as várias fotos. Meus olhos passam por uma foto onde Michael e Luke me jogam na piscina de uniforme da escola, depois por uma que estamos cantando de pé no sofá. Fotos da nossa infância, depois da adolescência. Encontro uma das ultimas que Grace tirou de nós. Estou nos braços de Luke, aninhada em seu peito com os braços em volta de sua cintura enquanto seus braços circulam meus ombros. Ao nosso lado, Michael dorme no sofá, abraçado a uma garrafa de cerveja, o que explica o ar risonho em mim e em Luke. Meu peito aperta ainda mais e eu passo os dedos pela foto.
Estou tão absorta naquela foto que me assusto ao sentir seu cheiro tão perto. Luke está bem ao meu lado agora, com as mãos nos bolsos da calça, encarando a foto também. Solto a respiração pesada e espero que ele diga algo, mas o silêncio reina por um tempo. Apesar disso, estar perto dele novamente, naquele lugar é confortável. Como um abraço, um carinho.  É reconfortante.

- Eu não vou pedir perdão, Luke. -eu quebro o silêncio, coma voz baixa para que nossos pais não percebam a interação. Luke vira o rosto e me fita, por segundos não transparecendo o quanto me detesta agora- Não faz sentido pedir seu perdão por algo que eu não me perdoei. Não faz sentido pedir perdão a você se eu também o perdi. – não sei porque comecei a falar, mas as palavras saem automaticamente, sem que eu consiga controlá-las-
- Não tem porque me pedir perdão, não diga absurdos. -sua voz não combina com seu olhar. Enquanto me olha de forma impassível, sua voz é fria e cortante- Você mudou as coisas, Beatrice. Tudo mudou agora. Isso aqui... -ele aponta para o mural- Acabou naquele acidente. Poderia ter sido diferente, mas não foi. Não quero seu perdão, nem seu arrependimento. Quero que viva com as consequências dos seus atos. Que viva sua vida mimada e moldada. -sua voz é baixa, mas acaba comigo da mesma forma que estaria se ele estivesse gritando isso-
- Eu também sinto dor, Luke. -sussurro e ele bufa-
- É o justo, você causou essa dor na gente. -seus passos o afastam de mim e apesar de uma parte de mim sentir sua falta, o alívio é maior-

Pior do que sentir falta de alguém que não pode voltar para você, é sentir falta de alguém que não quer voltar para você.

 -seus passos o afastam de mim e apesar de uma parte de mim sentir sua falta, o alívio é maior-
Pior do que sentir falta de alguém que não pode voltar para você, é sentir falta de alguém que não quer voltar para você

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O próximo capítulo não vai demorar para sair. Minha vida anda uma completa loucura que ainda estou tentando ajeitar. Sigo pedindo pela paciência de vocês! Não abandonem a história, ela realmente vai valer a pena.

Falling (L.H.)Onde histórias criam vida. Descubra agora