Ravi

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Eu senti pela primeira vez que ao invés de ter dado passos para trás, Maria estava caminhando timidamente em minha direção. O fato disso ter me deixado contente e de eu ter me dedicado as fichas de controle nos intervalos entre o trabalho ou o treinamento, até mesmo anotado mais ideias para ajudá-la, me deixou um tanto incerto sobre o verdadeiro porquê dessa comoção. Eu sempre fui o tipo de pessoa que fica feliz ajudando, e que comemora a conquista de um amigo junto dele, e era uma conquista ela não ter se afastado no fim das contas, pelo menos eu imaginava que sim, as coisas estavam evoluindo bem e tão bem que apesar de sobrecarregado, eu ainda queria estar ali para ela. Mesmo que não tivéssemos tempo e espaço o suficiente, ela já tinha um título importante para mim, eu não podia mais adiar ou ignorar isso.
Assim, quando a ideia de que poderia conhecê-la pessoalmente, caso o meu lugar na equipe do Dr. Camilo fosse confirmado, pipocou na minha mente, eu me senti ansioso. Eu poderia beber pessoalmente com ela, mesmo não gostando de cerveja, e alugar um livro, tocar algo que ela gostava, ouvir sua voz sem aquele leve destoar do telefone, e dar uma flor ao seu rosto. Eu queria dar uma flor a ela. A partir desse momento de “clareza”, eu comecei a anotar esses desejos e os sentimentos que vinham com ele, eu estava fazendo um jogo comigo mesmo.
Mesmo não encontrando muito tempo para jogar.
Tia Shanti e Surya chegaram no começo da semana, tio Indra havia me feito passar o domingo no shopping, comprando roupa de cama, panelas e louça novas. Apesar de ser muito organizado no restaurante e cobrar do pessoal o mesmo, em sua casa tio Indra era uma verdadeira criança vivendo completamente sem lei. A última vez que tinha ido lá, ela só estava limpa porque ele havia contratado uma empregada, porém, ele estava usando copos e pratos descartáveis, porque havia quebrado a maioria que eu havia dado. Se tia Shanti soubesse das verdadeiras condições em que ele estava vivendo, com certeza ficaria furiosa, então ele estava correndo contra o tempo. E irritado com a minha conversa com a Maria, já que em cada fila que pegávamos eu sacava o celular para respondê-la.
—Eu estou num drama de verdade aqui, meu sobrinho! O que é mais interessante nesse celular do que eu? Sabe que precisamos arrumar tudo ainda quando chegarmos, não é? —Ele chamou minha atenção quando estávamos na última loja.
—Eu sei, mas eu já convoquei ajuda, tio. Gabriel vai até trazer a namorada dele pra dar aquele toque final nas coisas. Eu só estou resolvendo algo do trabalho. —Menti descaradamente sobre a última parte.
—Tem algum problema? Se você precisar ir eu vou entender. —Ele assumiu uma expressão séria de repente.
—Está tudo bem, só estou dando umas ideias sobre o que fazer com a filhotinha. —Eu, na verdade, estava tentando convencer a Maria a divulgar sobre sua “locadora de livros” no Facebook.
—Olha, é a nossa vez, vamos logo que ainda temos que passar no supermercado.
Depois de comprar tudo o que precisava, nós fomos arrumar a casa. Gabriel trouxe a Rafaela e nós passamos o fim da tarde até a noite arrumando camas, trocando cortinas, lavando roupa, tirando aquele cheiro de novo das coisas. Foi divertido, tio Indra fez a receita da vovó Anjali para o jantar e teve até sobremesa, fomos bem recompensados no final. Mas óbvio que quando tia Shanti chegou ela percebeu que algumas coisas eram novas, no primeiro jantar em família ela até fez piada com a etiqueta que encontrou embaixo do travesseiro. Tio Indra não levou a sério quando papa disse que não se pode enganar uma mulher.
E foi interessante acompanhar, havia aquele sentimento de plenitude ao redor da tia Shanti, como se não faltasse nada quando ela estivesse por perto. Talvez porque ela me lembrava da minha mãe, elas eram melhores amigas então, tinha uma coisa ou outra que tia Shanti havia herdado depois que ela se foi. Não nos vimos muitas vezes antes de sua chegada, mas todas foram o suficiente para ela me cativar. Eu dei um girassol ao seu rosto.
—Sua mãe teria orgulho do homem que você se tornou, Ravi! —Ela me disse quando estávamos só nós dois, lavando a louça do jantar e eu estava contando a ela um pouco mais sobre a minha vida.
—A senhora acha mesmo? Quer dizer, isso é importante. Tia Shanti, eu gosto de pensar que de alguma maneira ela está em tudo, então eu dou o meu melhor. —Fui sincero, o máximo que pude no momento.
—Continue o que está fazendo. —Ela secou a mão no pano de prato. —Antes de saber o sexo do bebê sua mãe sabia que você era menino, você teve um nome assim que ela completou semanas o suficiente para ter uma ondinha de barriga. —Suspirou nostálgica. —Mesmo com o barrigão, sua mãe insistia em fazer tarefas, caminhar todo dia, ficar horas na janela pintando... Vovó Anjali ficava brava dizendo que ela precisava ter energia para ela e você e que gastar apenas atrapalharia se você resolvesse chegar de uma hora pra outra, mas... —Sorriu. —Ela disse que você ainda não estava pronto, porque ela ainda não havia te amado o suficiente para que se sentisse curioso a sair. Isso ficou na minha cabeça, martelando e martelando, até que na noite antes do trabalho de parto dela começar, nós estávamos preparando o jantar e ela perguntou se eu podia continuar sozinha. Se deitou na sala, pediu uma massagem, finalmente ouviu os conselhos da vovó, quando eu perguntei ela me disse que você estava pronto. Ela me disse que o amor havia chegado ao ponto certo. E que o trabalho dela seria apenas cuidar para continuasse dentro de você, que ninguém levasse embora. —O sotaque era forte, tia Shanti misturava muito os idiomas, mas eu entendi tudo.
—Eu não sabia mesmo disso. —Estava impressionado.
—Sua mãe era sensível, uma artista. —Segurou meus ombros. —Então sim, ela está cuidando de você, olhando por você.
Essa conversa com a tia Shanti me deixou tão aquecido por dentro, eu simplesmente não conseguia parar de sorrir, tecnicamente eu tinha mais um pedaço da minha mãe para me apegar. Eu estava alegre por poder imaginá-la daquele jeito, tão determinada e cuidadosa. Por aquela semana, mesmo que sem tempo de nada e cheio de coisas a fazer, eu deixei que essa alegria purificasse tudo a minha volta, disse a mim mesmo que não precisava me preocupar, porque ela realmente estava comigo.
E consequentemente, tive ainda mais coragem para continuar avançando até a Maria. Porque eu queria tocá-la, nem que fosse somente com a minha atenção, o meu carinho. Era importante que ela pudesse contar com isso, com essa ideia, com esse negócio, porque ela precisava de coisas novas. E eu não precisava dormir tanto assim.

Escrito por: LuaInAHoodie e Marveril

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