—Eu acho que pode dar certo
Ouvir aquilo da dra. Mendes fez com que eu conseguisse respirar de forma realmente segura pela primeira vez em vários dias. Ela havia escutado toda a minha explicação sobre a ideia inicial, sua atenção completamente em mim, sem anotações no bloquinho.
—Eu acho que vai dar certo. —Tento parecer um pouco mais confiante.
—A iniciativa também é uma vitória.
—Mas tomara que não seja a única.
—Ser um pouco mais positiva não seria de todo ruim, concorda?
— Eu sei. —Rio um pouco antes de fazer uma careta. —É só que pode dar muito errado, então estou tentando manter as expectativas baixas. Se der errado eu estou preparada para isso, se der certo será uma surpresa maravilhosa.
—E nessa conta você está segura em ambas as situações.
—Do jeito que você fala isso parece ruim. —Ela pega o bloquinho para anotar algo. —Olha, sinceramente, eu tenho me mostrado bem otimista para as outras pessoas, mas existe uma dose. Isso é ser realista.
—Isso é ser medrosa, Maria. Você tem medo do que vão pensar se não der certo, por isso evita dizer as coisas com mais certeza. —Considero por um momento se ela realmente podia me chamar de medrosa em uma de nossas consultas.
—Sim, mas também não é como se eu estivesse tendo uma ótima base, quase ninguém está botando muita fé. E isso é difícil, eu não estou acostumada a começar coisas.
—Seus pais não estão te apoiando?
—Meu pai está realmente tentando, mas minha mãe não. Ela não fala comigo direito agora.
—E por que isso acontece? —Ela ajeitou os óculos e eu respirei fundo. Aparentemente, ser sincera com sua psicóloga é um caminho sem volta.
—Minha mãe tem uma mente complexa, ela não vê as coisas de forma simples, como uma linha esticada até certo ponto. Na forma que ela interpreta as coisas, existem sempre curvas e nós, então basicamente, eu acho que ela pensa que eu estou fazendo isso porque não acho que ela esteja fazendo o suficiente por mim.
Fico muda enquanto a dra. Mendes faz algumas anotações.
—E isso faz sentido para você?
—Ela é minha mãe. —Dou de ombros. —Mesmo quando não faz sentido, eu meio que entendo. Ela é minha melhor amiga, eu a conheço.
—E mesmo assim quer fazer algo que a está deixando chateada? —Não entendo a intenção da pergunta, mas respondo mesmo assim.
—É algo por mim, sabe? É uma coisa que depende de mim, unicamente de mim, e eu tenho recebido algum apoio e sim, não quero decepcionar ninguém, mas principalmente eu não quero me decepcionar.
—Eu gosto de ouvir isso. —Ela sorri. —É importante te ver falar assim, eu estou torcendo por você.
—Está me apoiando agora? —A vejo concordar. —Vai alugar um livro também?
—Desculpa, não posso dar dinheiro para os meus pacientes. —Diz com falso pesar e depois completa: —Quando você vai dar inicio ao projeto?
Eu estive adiando minha primeira saída por inúmeras razões e motivos. Primeiro marquei para uma segunda-feira, por que parecia um bom dia para começar alguma coisa, mas meu despertador tocou tarde demais e eu achei que 11h era um horário estranho para ir trabalhar. Depois eu adiei para terça, estava realmente certa de que seria ótimo começar nesse dia, até que o céu ficou nublado e a perspectiva de chuva me fez repensar os planos. Quarta era inviável porque era o dia da minha consulta.
—Amanhã, sem falta.
Como uma forma de me obrigar a ir, independente dos possíveis contratempos, eu enviei palavras parecidas para Ravi, que ficou tão feliz que eu me senti envergonhada por estar retardando o meu próprio progresso.
Quando o dia seguinte chegou, eu levantei as 6hrs sem ao menos olhar para a janela, colocando as roupas confortáveis que havia separado no dia anterior, e passando pela cozinha para pegar a lancheira que também havia preparado. Papai encheu o tanque do carro no domingo e não mexeu nele depois, procurando deixar isso claro quando me via vagando pela casa sem nenhum destino aparente.
Meus livros já estavam organizados nos bancos e no porta-malas, os cartazes feitos com cartolina branca, canetinha vermelha e glitter, que anunciavam a intenção do meu negócio assim como os preços, estavam esticados cuidadosamente no banco do carona, em cima da pasta com as impressões das fichas que Ravi havia mandado para mim.
A melhor ideia de todas.
É o que eu penso antes de virar a chave na ignição.
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Posso Ver Você
Storie d'amoreRavi era a mistura da Índia com o Brasil. Vivendo em São Paulo, ele se formou para ser um bom médico veterinário, ajudava no restaurante da sua família e tinha hábitos saudáveis, além de um otimismo refrescante. Maria esteve desempregada por dois an...