Ravi

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São Paulo é uma cidade muito bipolar com relação ao clima, em uma mesma semana é possível fazer um calor imenso e dar uma tempestade horrível. Eu estava voltando para casa embaixo de uma aliás.
Cheguei um pouco depois das dez, tio Indra estava assistindo TV com papa e tia Shanti com Surya limpando a cozinha. Fui direto para o chuveiro, porque estava completamente molhado. E enquanto eu tirava a água gelada do meu corpo, eu estava pensando em como começar o assunto com papa. Eu nem sabia se ele era todo ele nessa noite, como poderia ter alguma ideia de como contar que eu estava indo para o Rio de Janeiro?
Quer dizer, que fui chamado para a equipe e ainda não tinha dito um sim definitivo.
—Quer um chá, querido? —Tia Shanti ofereceu depois de olhar segundos demais para o meu rosto.
—Obrigado, tia, mas eu estou bem. —Neguei me olhando no espelho do corredor apenas para amarrar todo o cabelo, tentando deduzir o que havia de errado comigo, mas só encontrando minha pele avermelhada.
—Como foi hoje, filho? —Papa não estava com sotaque, mas não tive como saber se era ele.
—Foi bom. Posso falar com vocês? É importante. —Tia Shanti secou as mãos e veio para a sala.
—Aconteceu alguma coisa no trabalho? —Meu pai quem perguntou, eu me sentei na poltrona lateral, massageando minha nuca e respirando fundo.
—Eu fui escolhido pra uma equipe especial, por isso passei por tantos treinamentos. Vou lidar com animais com traumas, animais pequenos, grandes... —Eu não precisava ter explicado isso, mas eu estava reunindo coragem e cogitando se falava ou simplesmente deixava de lado e recusava a oferta no dia seguinte.
—Isso é bom, não é? —Surya perguntou. —Você aprendeu mais e vai poder ajudar outros tipos de animais, certo?
—Sim. Mas essa equipe não vai cuidar dos animais daqui. —Eu apertei meus joelhos. —Vai cuidar dos animais do Rio de Janeiro. O meu chefe me convidou pra ir pra lá com ele. Por algumas semanas. Não é muito.
—E por que você está tão nervoso, Ravi? Isso é muito bom, conquistou a confiança dele, foi chamado. —Tio Indra perguntou.
—Não é por minha causa né? —Papa deduziu.
—Não é como se houvesse um culpado, papa. Eu só estou indeciso, porque vou estar longe de casa. —Não era apenas isso.
—Você já viajou sozinho outras vezes. —Papa argumentou.
—Não a trabalho. Quer dizer, eu vou ter a oportunidade, mas eu também não posso falhar lá. O Dr. Camilo precisa dos melhores ao lado dele.
—Ué, se ele te chamou, então é porque confia em você, não? —Tio Indra riu.
—Ravi, querido. Está tudo bem, você pode ir. Não se preocupe com a gente aqui, vamos cuidar de tudo até você voltar. —Tia Shanti percebeu minha questão.
—Eu vou ficar bem, se é isso que te faz ter medo. —Papa tinha um tom calmo.
—Nós vamos nesse final de semana, eu tenho que dar uma resposta amanhã. —Expliquei. —Eu quero ir e eu vou dar o meu melhor, mas eu também quero saber se algo acontecer. Por favor. —Papa revirou os olhos.
—Não vamos te deixar de fora, pode ficar tranquilo. —Tio Indra confirmou.
—Mande fotos de lá e traga presentes. —Surya foi direta.
—Surya?
—O quê? É o Rio de Janeiro, mamadi! Está no cartão postal.
—Eu vou trazer algo para todos, pode deixar.
Estava ficando tarde e a chuva ainda não havia parado, por isso todos iriam passar a noite com a gente, então eu fiquei no quarto com papa e foi um tanto desconfortável no começo, eu admito. Ele queria me dizer alguma coisa, mas não o fez e eu lá no fundo entendia. Papa sempre foi auto suficiente, ele quem se preocupava comigo e não o contrário, então devia ser difícil me ver todo super protetor.
—O que está fazendo? —Ele perguntou quando eu me deitei ao seu lado.
—Só quero deitar com o senhor.
—Está tudo bem, Ravi, você não precisa consertar nada.
—Eu sei, papa. É como eu disse, só quero me deitar aqui. —Ele suspirou, ficando em silêncio por um tempo, mas eu quase que podia ouvir sua mente funcionando, como se ele estivesse escolhendo o que dizer.
—Tome cuidado lá, memorize as ruas próximas, os trejeitos da sua equipe. Qualquer coisa que possa ser útil, você estará em um lugar que não conhece. —Ele disse depois de um tempo.
—Tudo bem.
—Vocês vão ficar em hotel?
—Apartamento alugado.
—Então memorize os locais em volta, as cores importantes e ligue sempre que precisar. Gabriel já foi pra lá né?! Ele pode te ajudar.
—Tá tudo bem, papa. Eu vou estar com o pessoal do trabalho e o Dr. Camilo sabe da minha condição, e eu não sou mais uma criança. —Ponderei. —E talvez eu consiga me encontrar com uma amiga, se eu for.
—Amiga?
—O nome dela é Maria, ela também tem prosopagnosia, eu a conheci naquele grupo, o senhor ia gostar tanto dela. —Eu contei.
—Você já me falou dela antes?
—Não. Não faz muito tempo que nos conhecemos, mas eu gosto dela. —Logo me corrigi. —Ela me ajudou, sabe? E eu sinto que devo retribuir, acho que se eu for pro Rio vou poder dar mais atenção a ela, mas eu ainda não me decidi cem por cento.
—E por que não?
—O senhor sempre disse que devemos ter certeza de fazer as coisas antes de fazer, que se há alguma dúvida nem sempre é porque precisamos mesmo fazer aquilo. —Expliquei.
—Mas nem sempre é assim. Filho? —Eu o olhei. —Vá e faça o que tem que fazer, depois volte. Eu vou estar aqui, eu prometo.
O abracei, como fazia quando era pequeno. Talvez eu não tenha crescido tanto assim em alguns aspectos.
—Papa? —Sorri. —Vou sentir sua falta.
—Eu também vou sentir a sua. Mas, me fala mais sobre essa sua amiga do Rio.

Escrito por: LuaInAHoodie e Marveril

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