“Ravi?”
“Oi! Tudo bem?”
“Tudo sim, eu só queria tirar uma dúvida com você.”
“Uma dúvida? Qual?”
“Esse número de celular no seu perfil, é o do seu celular mesmo?”
“É sim.”
“Sabe que ninguém faz isso, certo?”
“Faz o que? Bota o número?”
“Não o de verdade pelo menos.”
“Não tem sentido se não for o de verdade, e se alguém tentar ligar?”
“Você quer que alguém ligue?”
“Eu não me importaria.”
“Ravi?”
“Sim?”
“Como você conheceu o Gabriel?”
“Na escola, ele me ajudou logo quando eu cheguei, eu entrei no meio do ano, não conhecia muito bem o lugar e acabei passando uma aula inteira na sala errada. E tinha uns garotos que tiravam sarro de mim, ele me ensinou como revidar. Por quê?”
“Eu só estava pensando sobre isso, você falou dele algumas vezes. O que ele disse quando você falou sobre a prosopagnosia?”
“Ele reagiu bem, fez algumas piadas para descontrair, disse que eu não precisava me preocupar, porque enquanto fôssemos amigos ele me ajudaria. Mas que isso não mudava em nada nossa amizade.”
“Isso foi legal da parte dele.”
“Só está curiosa sobre isso? Aconteceu alguma coisa?”
“Eu tenho um pouco de dificuldade com as pessoas, queria saber como era para alguém que tinha o mesmo problema. Talvez seja uma questão de personalidade.”
“Com certeza a personalidade é algo importante, mas não é tudo. Às vezes é mais sobre uma pessoa legal, num momento legal, ou não sei. Algo em comum? Ah, gostaria de entender melhor para poder te ajudar.”
“Eu não sei se você conseguiria ajudar, mesmo se eu explicasse. Foi como hoje, por exemplo, fui em uma entrevista de emprego e lembrei do meu último estágio, na época eu não fiquei na empresa porque meu supervisor achou que eu não me dava bem com o “time”, sabe? Trabalho em grupo. E foi a mesma coisa na faculdade, eu tive dificuldades com tudo o que saía do individual. Mas você parece ser bem aberto pra tudo, então eu não sei mais se o problema é a doença em si.”
“A prosopagnosia nos torna mais receosos às vezes, com uns mais, outros menos, mas acho que fazer amizade, trabalhar em grupo é algo difícil pra todo mundo no final das contas. Eu procuro sempre ser aberto, porque acho que todos merecem uma chance e gosto de desvendar as pessoas, mas também não tem problema você não ser assim, o que torna a gente humano é justamente essas diferenças, que na minha opinião são mais importantes do que características físicas.”
“É um discurso muito bonito.”
“Não gosta dele?”
“Só acho que não se aplica na vida real, não de verdade.”
“E por que não? Eu tento ao máximo viver assim, eu realmente tento, quer dizer, por que não tentar? Por que não valorizar pequenas coisas e pessoas que podem vir a ser importantes?”
“Eu não falo da parte de você querer conhecer pessoas. Falo de lidar com as diferenças como se elas só fossem vistas como coisas incrivelmente boas, mas não é assim. Se fosse não precisaríamos de um site para pessoas com prosopagnosia, não seria necessário buscar por iguais para se sentir melhor.”
“O ser humano tem essa tendência, Maria, de procurar por iguais e achar que os iguais se compreendem melhor. É verdade em muitos pontos. E realmente nem todo mundo é sempre incrivelmente bom, a maioria das pessoas não é na maior parte do tempo, mas não significa que eu preciso me fechar também. É difícil explicar, porque é algo muito pessoal e às vezes imutável, mas é importante ter equilíbrio, se precaver, mas também ser aberto a coisas e pessoas boas.”
“Você parece a minha psicóloga falando.”
“E isso é bom?”
“Não muito. É só que eu não sei o nível que você está. Com a prosopagnosia. Eu não sei se você vai entender.”
“Pelo menos tente me fazer entender.”
“Eu às vezes me assusto com o meu próprio rosto, quando eu olho pro espelho muito rápido. Isso é tão frustrante que eu não preciso explicar, certo? Só que tem isso, essa necessidade de autoconhecimento que vai além do físico, todo mundo fala sobre estágios e camadas. Mas tudo começa quando você olha no espelho e se vê, pelo menos é o que eu entendo. Sem isso o resto perde o sentido.”
“Eu entendo o seu ponto, eu também olho para o espelho e não consigo sentir que me reconheço. É importante essa primeira camada mesmo, quer dizer, é como um primeiro passo na largada da corrida, você não pode simplesmente pular, não é? Eu sei que não é algo superficial, não pra gente, mas você já parou pra pensar, que às vezes a gente precisa começar de trás pra frente? Pelo menos é assim que eu consigo ver tudo agora. Para nós os detalhes são importantes, você pode vê-los.”
“Você tem uma visão muito otimista de tudo.”
“Ser pessimista é tão trabalhoso quanto ser otimista. Eu só escolhi aplicar meu esforço onde consigo um retorno mais feliz.”Escrito por: LuaInAHoodie e Marveril
Capa e artes por: shyminb e LizGael
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Posso Ver Você
RomanceRavi era a mistura da Índia com o Brasil. Vivendo em São Paulo, ele se formou para ser um bom médico veterinário, ajudava no restaurante da sua família e tinha hábitos saudáveis, além de um otimismo refrescante. Maria esteve desempregada por dois an...