O Herdeiro De Eileen

02/06/1105 - 23:00h

Hoje fui escolhido para o turno da tarde, e novamente no corredor dos aposentos do príncipe.

Eu o vi no meio da tarde. Como nos dias anteriores, ele saiu do quarto trajando suas roupas brancas com detalhes em vermelho e uma curta capa da mesma cor que cobre seu braço esquerdo. Seu rosto estava enfeitado com as mesmas finas linhas vermelhas próximas nas bochechas e queixo, como na primeira vez em que o vi como príncipe. Não consigo evitar em suspirar ao me lembrar do modo elegante e belo que ele me parece todas as vezes que está deste modo. Ele fica ainda mais lindo daquele jeito. É como se fosse uma ilusão da minha cabeça, projetando o homem perfeito.

O príncipe se reúne com o rei e o conselho algumas vezes por semana. Alguns dias durante a manhã, e outros, à tarde, como hoje. Durante a refeição, um dos soldados veteranos disse que o rei usa essas reuniões para treinar o príncipe, que deve tomar o seu lugar um dia. Ele também contou que aquelas marcas no rosto são um costume de família. Todos os Senju pintam os rostos em eventos, cada um mostrando sua personalidade e posição social nas marcas de tinta. Os Senju do castelo mostram seu poder com as marcas próximas aos olhos ou nas bochechas.

Quando o príncipe saiu de seu quarto nessa tarde, ele parou ainda próximo a porta e me olhou diretamente. Eu rapidamente desviei o olhar para o chão e como nas outras vezes, ele nada disse. Senti o meu coração bater com mais força, também como nos casos anteriores. Por um momento achei que o príncipe andaria até onde eu estava, mas ele logo se foi.

Devo admitir que, diferente do que tentava mostrar, ficava decepcionado quando ele dava as costas e simplesmente ia embora. Sei que fui eu quem se afastou primeiro, disse que não queria vê-lo, ouvi-lo e muito menos ser tocado por ele, mas a verdade é que, por mais que ainda me sinta traído, sinto a falta dele.

Não sei se o príncipe age, pensa ou fala como quando ele dizia se chamar Damai, e isso é o que me deixa curioso e ao mesmo tempo apreensivo. Se ele for completamente diferente, significará que a pessoa por quem me apaixonei realmente não existe, e isso é uma coisa da qual não sei se suportaria descobrir. Essa é uma das razões de me manter afastado o máximo que posso, mesmo o querendo por perto.

Estou uma bagunça por dentro. Meus pensamentos, coração, corpo e alma querem coisas completamente diferentes, e não sei qual deles devo seguir. Tudo era tão mais fácil quando ele era apenas Damai e eu um garoto que treinava para se tornar um soldado. Todos os dias me pego imaginando como seria se eu tivesse seguido como um soldado comum. Ele teria contado a verdade com o tempo? Eu o teria perdoado? São perguntas das quais nunca terei a resposta, eu sei, mas só por imaginar como poderia ter sido, me sinto ainda mais perdido. Ele provavelmente não teria dito a verdade, e apenas supor isso, me faz dar um passo para trás, apoiar apenas a minha mente e continuar afastado.

É difícil me manter calmo e impassível quando ele está tão perto. E hoje, quando faltava poucas horas para terminar o meu turno, ele tornou tudo ainda mais difícil.

Um dos criados saiu pela porta do quarto dele e veio até mim. Ele abaixou o olhar e disse em tom calmo e contido que o príncipe solicitava a minha presença. Fiquei extremamente surpreso ao ouvir tal coisa, e o homem à minha frente me deu um sorriso encorajador, provavelmente por achar que o meu nervosismo era apenas por ser o príncipe a me convocar.

Sem a opção de recusar a ordem, quando o homem se retirou, eu me dirigi até a porta do aposento. Bati levemente por duas vezes e ouvi uma voz do lado de dentro permitindo a minha entrada. Senti um leve arrepio em minha nuca ao ouvir sua voz depois de dias, e o meu nervosismo aumentou ainda mais com isso.

Quando entrei no cômodo, não fiquei surpreso ao ver que é gigantesco, mas a falta de tal reação não impediu que eu observasse o lugar boquiaberto. É lindo. Logo após a porta, três degraus de mármore branco descem até o chão com o mesmo material. Tudo é claro e transmite calma, assim como ele — pelo menos quando era Damai. A grande sacada fica ao lado direito e em frente a ela, um pouco distante, dois degraus que cobrem aquela área fazem caminho até uma larga cama, que estava coberta com tantas almofadas que acabei me perguntando para que tudo aquilo. Mas, logo a minha atenção saiu das almofadas e foi para ele, que estava sentado aos pés da cama.