XXXV

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Ana Caetano

O resto do dia foi silencioso, não trocamos quase nenhuma palavra. Vitória dormiu no quarto de hóspedes, depois de dias dormindo comigo.
Acordei no mesmo horário de costume, escovei meus dentes e penteei meu cabelo. Ao passar pela porta do quarto vi que ainda estava trancada, ela ainda deve estar dormindo. Afastei esses pensamentos e continuei andando, até chegar na cozinha.

Tirei a manteiga da geladeira e voltei para o quarto. Troquei de roupa e fui comprar pão francês. Ao chegar novamente em casa, Vitória estava sentada no sofá com uma xícara na mão. Tranquei a porta e coloquei os pães na mesa.

— Bom dia... — ela fala, buscando o meu olhar.

— Bom dia, V... Bom dia. — Vitória entorta os lábios.

— Tu foi comprar pão?

— Sim. — me viro para o armário, a procurar chocolate em pó para fazer chocolate batido.

— Ah... Depois a gente pode conversar?

— Claro. — respondo dando de ombros.

[...]

Horas depois eu ouço a campainha tocar. Estranho pois não me lembro de ter convidado ninguém. Ao abrir a porta, vejo Julia do outro lado.

— Ju?! Vem, entra. — dou espaço e ela passa por mim, me dando um abraço.

— Desculpa aparecer sem avisar, viu... — a mulher se senta no sofá.

— Não precisa se desculpar não, mulher. — me sento do seu lado.

— E Vitória, cadê? — ela pergunta, passando o olhar por todo o cômodo.

— Deve estar lá em cima. — respondo, ficando mais séria.

— Ih, que foi? Aconteceu alguma coisa?

— É que esses dias a Vi... — Julia me interrompe.

— Olha, Ana, eu entendo que você queria desabafar com alguém mas se é sobre a relação de vocês, eu acho que tu deveria falar diretamente com ela. Porra, olha o tanto de tempo que vocês ficaram separadas, e agora tão perdendo tanto tempo sendo que podiam conversar e tentar resolver isso.

— É, acho que tu tá certa, viu... Brigada.

Me aproximo para dar um beijo em sua bochecha, mas ela acaba virando o rosto na mesma hora e nossos lábios acidentalmente se tocam. Recuo meu rosto na hora.

— Meu Deus. — falamos juntas e rindo do que aconteceu.

Ao olhar para o lado, vejo Vitória na porta da sala, nos olhando, praticamente "congelada".

— Vi...

— Não queria atrapalhar vocês, desculpa. — ela só diz isso e sai.

— Meu Deus... Me desculpa por isso, Ana! De verdade! Vou até ir embora pra tu ir falar com ela logo, beijo. — Julia sai quase correndo de casa.

Cubro meu rosto com as mãos e bufo. Depois de um tempo assim, respiro fundo e me levanto do sofá. Vou até o quarto de hóspedes e abro a porta cuidadosamente. Encontro Vitória deitada de bruços na cama.

— Vitória...

— Como cê sabia que eu tava aqui?! — ela fala, ainda de costas.

— Bom, tu dorme aqui, então...

— Ah... — responde simples, fungando logo depois.

— A gente pode conversar? — me aproximo lentamente.

— Sobre o quê? — a mulher se vira de frente para mim, ficando sentada.

— Sobre tudo, sobre nós.

— Nós? — pela primeira vez no dia, nossos olhares se encontraram.

— Sim.

Ela se arruma na cama e eu me sento.

— Quem começa? — eu pergunto.

— Pode ser você.

— Ok... Eu sei que tu viu o meu beijo de despedida com a Julia e também viu o selinho que rolou acidentalmente nesse instante. — ela concorda, olhando para baixo.

"A gente passou três fucking anos sem se ver, Vitória. Toda vez que a gente se acerta tu vem com alguma outra coisa e fica brigada comigo. Eu te entendo, sério. Tu tem ciúmes da Julia, e tá tudo bem. Mesmo."

— Ciúmes?! E "tá tudo bem"?! — sua voz se altera levemente. — Eu sinto ciúmes sim, Ana. Eu sinto ciúmes de como vocês são próximas e do quão bem vocês se conhecem. A gente ficou separada por três anos, e todo santo dia eu esperava que você parecesse na minha casa para me tirar de lá, e você nunca apareceu!

Nesse ponto já escorriam lágrimas em ambos os rostos, meu e dela.

— Eu te escrevi por um ano, Vitória! Eu já te disse isso!

— É, eu sei! Mas essas cartas nunca chegaram até mim. Eu me casei e...

— Casou mas eu tenho certeza que sua mãe à forçou. Ele provavelmente é o genro dos sonhos dela. – eu a interrompo.

— Deixa eu terminar de falar, por favor... — me calo.

— O Scott tá vindo me buscar amanhã... e eu acho que tô...

Vitória não consegue terminar a frase, entra correndo no banheiro e se ajoelha em frente ao vaso. Vou rapidamente atrás dela e seguro seu cabelo. Ela vomita por alguns tempo, depois lava seu rosto e volta para a cama.

— É o que eu tô pensando? — a cacheada apenas concorda com a cabeça. — Você vai ir embora amanhã?

— Eu não sei. — ela volta a chorar e eu a abraço.

— Não importa o que você decida, eu tô aqui contigo.

Amor de verãoOnde histórias criam vida. Descubra agora