Capítulo XV

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-Oh, é realmente lindo! O que mais você disse que ele mandou?

-Além do colar? Um diário novo. O que foi providencial, porque o meu está quase acabando.

- Eu queria ter paciência para escrever em um diário, sabe? Mas nunca consigo me concentrar o suficiente.

 Katherine riu e assentiu. Qualquer coisa que envolvesse ficar um pouco quieta era mesmo bem difícil para Tine. As duas amigas estavam na cozinha de Charityhall, tomando uma xícara de chá e comendo vários pedaços da torta que Katherine havia levado. Sempre que a moça tinha algumas horas de folga e podia sair de Christhall, aproveitava para visitar Tine e a Sra. Harris e essas visitas sempre lhe rendiam momentos agradáveis e muitas risadas.

Naquela tarde, Katie estava animada porque tinha acabado de receber uma longa carta do irmão, que tinha sido acompanhada por dois lindos presentes. Ela havia chegado em Charityhall já usando o delicado colocar, com o pingente em formato de coração, mas agora seu presente estava nas frenéticas mãos de Tine. A moça tanto mexeu na peça, que acabou descobrindo que, na verdade, aquele não era um colar comum, mas sim um relicário e que dentro estava uma pequena pintura de Katherine e Thomas ainda crianças.

- Você foi logo colocando no pescoço, não é?

- Se não fosse por você, eu teria demorado um milhão de anos para descobrir isso. O Thomas nem mencionou algo assim, na carta.

- Acho que ele esperava que você descobrisse sozinha. Ele deveria saber que não tem uma irmã muito curiosa.

-Ei! Eu tenho curiosidade sobre as coisas. Só não sou tão agitada quanto você. Definitivamente você não poderia ser governanta de Crhisthall. Sua energia com a de Heloise deixaria qualquer um louco.

 As duas riram e conversaram um pouco mais sobre Thomas, presentes e personalidades diferentes. A cada dia, a amizade das duas crescia e elas se viam mais envolvidas por aquela sensação de conforto que só existe quando compartilhamos bons momentos com pessoas de quem nosso coração é, de fato, próximo. Katie sentia tanta falta do irmão e era muito grata por encontrar em Tine esse sentimento tão familiar.

- Agora preciso realmente ir. As aulas de Heloise e Arthur já devem está quase no fim e eu preciso estar lá quando acabar.

- Suas visitas são sempre tão curtas. Não tivemos tempo de falar sobre suas impressões a respeito de Charles Nicholls e você nem tocou nada no Piano. A sra. Harris sempre gosta de ouvi-la tocar.

-É porque sempre temos muitos assuntos, Tine. Nunca vamos conseguir falar e fazer tudo em única visita. No entanto, no que diz respeito a Charles Nicholls, ainda não há muito que dizer. Ele tem passado a maior parte do tempo ou caçando, nos arredores da propriedade, ou lendo em seu quarto. Ele não recebeu muitas visitas e quase não o vi falando, desde que chegou. É realmente difícil ter uma opinião...

 Tine não a deixou concluir o raciocínio:

- Pois eu acho que você já formou uma opinião. Pelo seu tom, dá para perceber que a personalidade dele não a agradou muito, não é?

 E parando só por um segundo para recuperar o fôlego, prosseguiu:

-Eu lembro de Charles, quando mais novo, e ele parecia ser um rapaz mais aberto e agradável. Depois, parece que seu temperamento sofreu uma forte alteração e ele realmente não tem muitas relações estabelecidas em Missford. Ninguém fala mal do rapaz, porque, apesar de tudo, Charlles Nicholls é o herdeiro de Christhall, mas o seu jeito, sempre distante e reservado quando está por aqui, desperta curiosidade em toda a vizinhança.

Katherine assentiu. Realmente não simpatizava com o rapaz, mas achava que era injusto tecer qualquer tipo de comentário, conhecendo-o tão pouco. Tine ainda emendou dois ou três assuntos, até Katie finalmente conseguir se despedir, pedindo que a amiga mandasse seus cumprimentos à sra. Harris, que estava descansando no quarto, e prometendo que na próxima visita tocaria um pouco de piano para elas.

 Já estava na entrada de Christhall, quando um rapazinho que entregava recados a abordou perguntando pela srta. Ellis.

- Sou eu mesma. Em que posso ajudá-lo?

Ele tirou um papel do bolso, era um pouco menor do que os que eram usados para as cartas e tinha o nome de Katherine escrito em letras pequenas. Ela recebeu o papel com curiosidade, já que pela forma como tinha sido entregue, não era uma correspondência de fora, mas tinha sido escrito por alguém de Misford mesmo. No entanto, não teve tempo de ver, de imediato, do que se tratava, porque ouviu gritos infantis vindo do interior da residência. Entrou apressada e se deparou com Arthur e Heloise em um conflito típico de irmãos. A menina estava com o rosto vermelho de tanto chorar e Arthur estava com as feições demonstrando tanta indignação que chegava a ser engraçado. Os dois disputavam um pote de vidro que parecia ser a casa de algum dos bichinhos de Arthur e antes que Katherine conseguisse chegar perto para separar a briga, viu Heloise tombar com as costas no chão, porque Arthur tinha puxado o pote com mais força. Colocando autoridade na voz, perguntou o que estava acontecendo ali e após ajudar a levantar Heloise, pediu, em tom ainda mais sério, explicações aos dois.

Nesse meio tempo, a empregada que estava encarregada de olhar as duas crianças enquanto Katherine estava fora, apareceu, bastante desconsertada, pedindo perdão por ter se ausentado. Katherine conversaria com ela depois, mas naquele momento precisava acalmar a pequena tempestade formada na sala de estar.

- Ela vai quebrar o vidro e deixar a aranha escapar!

-Não vou nada! Eu só queria olhar um pouco! Você é muito bobo, Arthur.

- Você que é uma boba!

 Naquele momento, a porta da biblioteca se abriu e Charles Nicholls saiu. Passou pelo meio da confusão como se absolutamente nada estivesse acontecendo, como se ninguém estivesse ali e saiu. 

Mas tarde, depois de ter resolvido a situação com as crianças e enquanto se preparava para dormir, Katie se pegou pensando que o que mais a incomodava a respeito de Charles Nicholls era como ele sempre parecia indiferente a tudo, especialmente aos irmãos mais novos. Ele estava em Christhall, mas parecia fingir que não estava, parecia não haver uma única gota de afeto em seu coração, por nada, nem ninguém daquele lugar. Enquanto olhava para o delicado pingente do colar que Thomas havia lhe presenteado, lamentou por Heloise e Arthur terem um irmão mais velho tão distante, ela sabia, mais que qualquer um, o quanto irmãos amorosos podem ser um consolo em uma casa que não é mais um lar. Depois de pensar sobre tudo isso, quando já estava quase pegando no sono, lembrou que com a confusão, acabara esquecendo do bilhete que recebera mais cedo.

As crônicas de Bethton: Katherine EllisOnde histórias criam vida. Descubra agora