Capítulo VII

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-Acredito que devo dar-lhe os parabéns, srta. Ellis. O seu primeiro dia com as crianças e com a casa foi admirável!

A srta. Martin entregou uma xícara de chá para Katherine e sentou-se em uma das poltronas da, surpreendentemente, confortável, "sala da governanta.". A antiga governanta partiria naquela tarde e seu casamento seria no dia seguinte. Assim o momento que Katherine ficaria completamente sozinha com suas novas responsabilidades estava cada vez mais perto. A srta. Martin prosseguiu.

-Tenho certeza que se sairá bem nesse trabalho e desejo apenas lhe passar mais algumas instruções antes de partir. Primeiro, sei que a senhorita vem de uma situação social um tanto quanto elevada. Isso é perceptível pela sua maneira de vestir-se e portar-se, no entanto é meu dever alertá-la...

Nesse ponto ela parou e parecia levemente desconcertada. Katherine a encorajou a prosseguir.

-Bem, por mais bem relacionada e educada que a senhorita seja, sua posição aqui é de uma empregada e não há como negar que isso lhe diferencia em muito de uma convidada da família. Não me entenda mal, mas seu papel aqui não é ser amiga das crianças, e sim, de fato, governar o andamento da casa e acompanhar e cuidar da educação de Heloise e Arthur. Mantenha isso em mente e tudo seguirá naturalmente.

Katherine se sentiu um pouco acuada, mas, rapidamente, resolveu não levar as instruções da srta. Martin como ofensa pessoal. Cada palavra dela deveria ser vista como uma tentativa de ajudar.

-A Sra.Nicholls deve chamá-la para conversar em algum momento, mas creio que por agora ela acredita que a senhorita saiba tudo o que é necessário. Além disso, uma nova informação me foi passada: Heloise, a partir de agora, terá aulas de piano com uma professora particular que se mudou recentemente de Eithtwon e que, aparentemente, é uma das melhores do país. Nos mesmos horários da aula de Heloise, Arthur recebeu autorização para ter aulas de ciências com um estudioso muito conhecido e especialista em todo tipo de animal, o que para falar a verdade me surpreendeu muito já que o Sr. Nicholls acha o gosto de Arthur por estudar insetos algo inútil e detestável. De qualquer forma, nesse horário você estará livre para realizar outras atividades.

Katherine acenou, sinalizando que havia compreendido todas as informações. A srta. Martin se levantou e disse que precisava terminar de guardar suas coisas, mas antes de sair virou-se e disse com um meio sorriso.

-Foi um prazer ensiná-la, srta. Ellis. Algo me diz que você será uma verdadeira benção para essa casa.

-Muito obrigada, srta. Martin. Todo o seu auxilio foi fundamental para mim e desejo que sua nova vida transborde de felicidade.

As duas fizeram uma pequena reverência como maneira de se cumprimentarem, mas antes de a srta. Martin fechar a porta e sair ela virou-se e disse como uma pequena risada travessa.

-Espero que a lenda das "governantas dos Nicholls" não demore muito a atingi-la.

Katherine estampava uma confusão cômica em seu rosto.

-Lenda? Não conheço nenhuma lenda.

-Então ninguém lhe contou que as governantas dos Nicholls acabam, inevitavelmente, casando e em um período consideravelmente rápido? Eu sou a terceira, nos últimos cinco anos.

Sem dizer mais nada ela fechou a porta e saiu. Katherine lembrou do que Heloise falara sobre todos casarem ali. Não sabia até que ponto tudo aquilo era verdade, além disso, fazia algum tempo que ela não pensava na ideia de um casamento próximo.

Quando era mais nova, o sonho de compartilhar um só coração com alguém parecia muito doce e ela pacientemente o acalentava. No entanto, à medida que olhava para a sua mãe e entendia o quanto um relacionamento poderia ferir e destruir, sentia os sonhos que cultivava receberem incessantes bombardeios de medo. Katherine sabia que o amor, no fim das contas, era algo bom e precioso e havia aprendido, através da fé e do cuidado do irmão, a não deixar que um exemplo ruim destruísse tudo o que ela acreditava. Era por tudo isso que ela não podia ser indiferente a ideia, ainda que fundamentada no solo bobo de uma "lenda", de que talvez Missford trouxesse mais do que ela havia se permitido esperar.

No entanto, de início, a única surpresa que Missford trouxe foi uma quantidade quase inacreditável de trabalho. Durante os dias que se seguiram à partida da Srta. Martin, Katherine praticamente não parou em nenhum momento. O Sr. Nicholls tão logo chegou, partiu novamente em uma viagem de negócios e a Sra.Nicholls passava a maior parte do tempo indisposta em seu quarto e conversou poucas vezes com a nova governanta para lhe passar instruções. Apesar da ausência dos patrões, a atenção às duas crianças e ao governo de uma casa do porte de Cristhall tomava cada minuto do tempo de Katherine, ainda assim ela não ousava reclamar e estampava sempre uma expressão agradável de um coração que estava feliz, apesar das mudanças.

Para Katherine a única coisa que era quase impossível de administrar era a saudade que sentia do irmão. Ela já havia recebido uma longa carta de Thomas e todos os dias, antes de dormir, escrevia para ele, mesmo que fossem poucas linhas. Aquele momento de parar e contar para o irmão o que tinha acontecido durante o seu dia já começava a fazer parte do seu cotidiano e de alguma forma fazia Katherine se sentir mais perto de casa.

E assim, com todas as mudanças na vida da antiga herdeira dos Ellis começando a se transformar em dias tomados por uma rotina programada e certa, fevereiro acabou.

As crônicas de Bethton: Katherine EllisOnde histórias criam vida. Descubra agora