Capítulo XVIII

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Para o alívio de Katherine, a presença do rapaz se limitou ao percurso até a casa dos Jones. Quando já estavam avistando a entrada da residência, ele se virou para as duas jovens e disse:

- Lamento, mas não poderei acompanhar as senhorias durante a visita. Quando encontrei a senhorita Ellis, estava me dirigindo ao centro da cidade, onde encontraria um amigo da capital que está em Missford a trabalho. Ainda estava com algum tempo, mas receio precisar ir até lá agora ou o deixarei esperando. Creio que na volta as cestas estarão vazias e será mais fácil para as senhoritas retornarem.

Katherine estava mais surpresa ainda agora que sabia que Charles tinha deixado os seus planos de lado para ajudá-las. Ela e Tine (esta última sempre mais eufórica) agradeceram imensamente o favor que o rapaz tinha feito e garantiram que ficariam bem na volta para casa.

E assim as duas senhoritas observaram Charles começar a fazer todo o caminho de volta até a parte central da cidade enquanto se perguntavam o que tinha sido tudo aquilo.

- Pode até não ser muito simpático, mas é bem bonito, não é?

-Tine!

-O quê? Vai me dizer que você não o acha bonito? E até que, na verdade, foi bem simpático hoje, realmente teria sido difícil chegar até aqui com todas essas coisas.

Katherine brincou pedindo que a amiga parasse de falar bobagens e se concentrasse na visita aos Jones, mas, pelo menos para si mesma, tinha que admitir, ao observar a distância o perfil alto e elegante do rapaz, que ele tinha uma ótima aparência, sim. Não era algo que tivesse impacto sobre o seu coração, mas era real.

No entanto, logo, qualquer coisa relacionada a Charles e aos eventos daquela parte da manhã foram tirados da mente de Katherine. Foi à visita aos Jones que a marcou muitíssimo e deu à governanta dos Nicholls muito no que pensar nos dias seguintes.

Katherine não sabia muito bem o que tinha esperado, mas com certeza o que encontrou a surpreendeu. A casa dos Jones, na verdade, era uma pequena cabana com um espaço que servia como sala e cozinha e dois pequenos quartos; em um deles ficavam o senhor e a senhora Jones com a bebê mais nova da família, que deveria ter não mais que seis meses, e no outro se apertavam as quatro meninas maiores, incluindo as gêmeas que estavam aniversariando. A casa era bem cuidada e tinha um pequeno canteiro de flores encantador na entrada, mas, ainda assim, a situação delicada da família era visível. Todas as crianças pareciam muito magras e frágeis e a Sra. Jones parecia não apenas muito magra, mas também muito pálida e cansada. Cuidar da casa, das cinco crianças e do marido doente não devia ser tarefa fácil.

Toda a família recebeu com a empolgação a chegada das duas. Aparentemente, Tine era muito querida por todos ali e as crianças pareceram gostar instantaneamente da nova amiga que tinha vindo com ela.

Quanto mais Katherine via quão necessitada a família parecia ser, mais sentia seu coração apertar. Além disso, tinha percebido, ao chegarem, que naquela área havia outras cabanas parecidas com aquela; se perguntava se havia mais famílias em Missford vivendo naquelas condições. No entanto, apesar da surpresa e do coração apertado percebeu, ao observar a alegria e desenvoltura de Tine, que o objetivo de estar ali era celebrar a vida das gêmeas e trazer um pouco de alívio para a família. Deixaria para pensar depois sobre esse novo lado de Missford, que tinha acabado de descobrir.

Katherine viu, com emoção, os olhos das duas aniversariantes, Dorothy e Esther, brilharem de empolgação ao verem todos os doces. As meninas abraçaram Tine e Katie várias vezes e não paravam de dar gritinhos de alegria. A bebê Mary, a caçula, amou o colo de Katherine e passou uma hora inteira dormindo tranquilamente aninhada em seus braços. Jane, que deveria ter não mais que dois anos, era um pouco mais tímida e ficou quase o tempo inteiro agarrada à barra do vestido da mãe; e Agatha, a mais velha, que devia ter uns nove anos no máximo, agiu como uma verdadeira dama recepcionando a todos e ajudando em tudo o que podia. Aquela foi uma visita feliz. Katherine tinha amado cada uma das crianças e criado imediatamente uma grande afeição pela senhora Jones que, apesar do cansaço, demonstrava ter um coração muito gentil e disposto a lutar por sua família.

Enquanto faziam o caminho de volta até Christhall, Katie refletia sobre como tinha sido precioso conhecer aquelas pessoas e sobre como esperava ficar mais próximas deles. A partir daquele sabia que sempre os colocaria em suas orações diárias e que pediria ao Senhor, principalmente, para que o Sr. Jones pudesse se recuperar logo.

Katie ouvia os comentários animados de Tine sobre a visita e sobre como amava as meninas Jones, quando uma ideia passou surgiu em sua mente:

- Tine, acabei de lembrar que trouxe alguns livros infantis na minha bagagem! São histórias que eu amava quando era mais nova. Não vi nenhum livro na casa dos Jones. Você acha que as meninas gostariam? Acho que poderia ser um ótimo presente e uma ótima diversão para todas, as mais velhas poderiam ler para as mais novas...

Tine acenou com a cabeça sem parecer muito certa.

-O quê? Você acha que elas não gostariam?

- Não, não é isso. Acho que elas realmente amariam o presente, mas não estou certa que alguma das meninas ou mesmo o senhor e a senhora Jones saibam ler.

Katie olhou espantada para a moça mas logo se deu conta do que Tine estava falando, ainda assim a amiga continuou em sua explicação.

-O senhor e a senhora Jones vieram de famílias bem pobres e não tiveram a oportunidade de aprender a ler e, sem acesso a uma governanta ou uma preceptora, as meninas também não tiveram essa oportunidade. Na verdade, há muitas outras famílias na mesma situação; eu mesma só aprendi a ler com mais de dez anos, quando a sra. Harris me ensinou.

Katherine sentiu o impacto das informações. Não por não saber que muitas pessoas não tinham acesso à educação, ela sabia que mesmo Bethton não estava livre desse tipo de situação. O que mais a impactou foi perceber que nunca tinha parado para pensar muito sobre isso, ela sempre tivera acesso ao melhor tipo de educação possível e, mesmo agora, o ambiente em que estava inserida em Christhall, apesar de tudo, era um ambiente que proporcionava todo as possibilidades de conhecimento para Heloise e Arthur. Katherine não podia ser considerado alguém egoísta, mas naquele momento percebeu que em muito sentidos ainda não tinha aprendido a olhar para além dos seus privilégios. Como ela queria que aquelas adoráveis meninas tivessem acesso à boas histórias e a todo o conhecimento que pudessem ter! Como ela queria o mesmo para as outras crianças de Missford! A partir daquela visita, algo despertou no coração de Katherine, ela não sabia ainda em que essa semente se transformaria, mas sabia que estava ali.

As crônicas de Bethton: Katherine EllisOnde histórias criam vida. Descubra agora