Capítulo XII

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Katherine levantou, esticou os braços preguiçosamente e caminhou até a janela para abrir as cortinas e deixar que os raios de sol da primavera de Missford iluminassem seu aconchegante quarto. O dia seria longo e ela se sentia meio sonolenta. Procurou um dos seus vestidos favoritos, era rosado com pequenas flores azuis bordadas na barra. Sempre que acordava se sentindo sem muita energia gostava de vestir uma roupa bonita e se arrumar com mais capricho, isso a ajudava a se sentir mais motivada.

Enquanto amarrava no cabelo uma fita que combinava com o bordado do vestido, começou a lembrar da visita à residência da Sra Harris, alguns dias antes. Não conseguia esquecer o quanto a velha senhora era diferente e exalava vida, mesmo estando com a saúde já tão fragilizada. Outra coisa que não saia da cabeça de Katherine era o que a senhora havia dito sobre ela chegar facilmente ao coração das crianças e como ela devia usar isso para o bem. Durante o tempo que estava em Cristhall, a moça havia pensado muito sobre o que queria a e sobre quais eram seus sonhos e aptidões e de alguma maneira, que ainda não conseguia vislumbrar com clareza, achava que o que a patroa de Tine havia falado era uma parte importante da repostas para as perguntas que cresciam dentro dela. Pensou que precisava escrever para Thomas falando sobre a visita e esses sentimentos, mas isso teria que ficar para depois, porque ela já estava atrasada para começar suas atividades.

Todo o desânimo de Katherine foi embora quando ela descobriu que o Sr Nicholls havia viajado antes do amanhecer e que passaria muitos dias fora, tratando de negócios. A casa ganhava vida quando o patrão saia, o ar parecia mais leve e Katherine estava grata por poder respirar por algum tempo. Quando a Sra Nicholls desceu, Katherine propôs que o café da manhã fosse servido no jardim, já que estava uma manhã tão bonita. A patroa parecia frágil e indiferente e apenas disse em seu tom baixo, mas sempre exemplarmente educado, que as crianças iriam apreciar. Heloise e Arthur realmente gostaram da ideia e Katherine foi, inclusive, convidada a sentar e tomar café com eles.

Heloise mordia um pedaço de pão doce e falava empolgadamente para a mãe sobre como estava conseguindo resolver contas "dificílimas" de aritmética, Selina Nicholls ouvia a filha e sorria em aprovação, a mulher tentava mostrar interesse enquanto estava com as crianças, mas mesmo quando ria um pouco mais alto, seus olhos permaneciam imóveis. Katherine conhecia aquele olhar, já o tinha visto no rosto de sua própria mãe, muito tempo atrás, pouco antes de perdê-la. Se na época Katherine fosse mais velha, talvez tivesse percebido o que aquele olhar vazio indicava: sua mãe havia morrido por dentro muito antes de morrer fisicamente e não simplesmente morrido, ela tinha sido assassinada aos poucos, dias após dia, por quem deveria protegê-la com a própria vida. E agora o mesmo acontecia com a linda, elegante, amável e infeliz Senhora Nicholls.

Katherine tremeu com o peso de todas as lembranças que lhe atingiram em cheio. Sentiu pela patroa, sentiu pelas crianças e sentiu por si mesma. Mas ela sabia que precisava parar de sentir naquele momento. Sabia que pensar na infância bagunçava tudo dentro de si e sabia que para poder continuar na casa dos Nicholls precisava bloquear aqueles sentimentos. Precisava trabalhar e fazer o seu melhor por Heloise, Arthur e até mesmo por sua patroa, talvez ainda houvesse um pouco de vida dentro dela.

-Senhora Nicholls, vou subir com as crianças agora para que elas possam começar as lições do dia. Se a senhora me permite a sugestão, creio que um passeio pelo jardim a faria muito bem. O dia está lindo e as flores estão em seu melhor momento. Eu mesma sempre que posso passeio por aqui, é renovador.

A patroa sorriu e disse que provavelmente faria isso mesmo, já que ainda não havia tido tempo de apreciar as melhorias que Daniel tinha feito.

Daniel.

A menção do nome do rapaz trouxe um lampejo de calor ao coração de Katherine. Não o via desde que havia terminado de trabalhar no jardim da sra Nicholls, não sabia quando teria a oportunidade de vê-lo mais esperava que não demorasse muito.

As crônicas de Bethton: Katherine EllisOnde histórias criam vida. Descubra agora