A verdade dói, mas dói mais que uma mentira?

17 5 0
                                    

Quando Iris e o tio estavam dobrando a esquina para chagarem a "rua principal" em frente à cafeteria, eles começaram a ouvir um grito agoniante. Não dava para ver quem estava gritando, porque tinha uma multidão em volta, mas a voz... A voz era familiar para Iris. Ela abriu espaço por entre a multidão e... "Não pode ser!"
Era Daniel, sendo chicoteado, sem dó, pela própria mãe. Ele estava com as mãos amarradas, com os cotovelos apoiados em um banco, como se estivesse rezando. Daniel urrava de dor; pedia perdão; dizia que ia mudar... "Mas do que ele está falando?" Iris estava petrificada. Ela não conseguia se mexer. Iris só queria que a mãe de Daniel parasse de bater nele!
-Você não precisa dizer que vai mudar, porque depois disso aqui você nunca mais vai ficar de beijinho para lá e para cá com outros garotos. -Disse a mãe de Daniel
Essa foi à gota d'água para Iris. "Isso tudo é porque ele é gay?!". Ela não se aguentou mais. Ela tinha que parar isso!
Iris abriu caminho por entre as pessoas que ainda a separavam entre ela e Daniel. Iris sentiu a mão do tio a segurando, então ela se virou e disse:
-Me largue. Eu preciso fazer isso!
Iris se sentia fora se si, igual no dia do treinamento. Mas dessa vez ela não era a expectadora. Dessa vez era ela mesma, mas diferente... Como se uma força que ela não sabia que tinha havia aflorado pela raiva e confusão que ela estava sentindo. Iris não sabia, mas seus olhos haviam mudado de cor para um azul gelado, com uns desenhos que lembravam rachaduras de gelo. De seus pés estava saindo gelo, igual há aquele dia.
Ela caminhou na direção do chicote na mão da mãe de Daniel e o segurou-o no ar, congelando a parte onde sua mão havia tocado.
Só então que a mãe de Daniel percebeu a presença dela. Mas ela nem ligou, apenas disse:
-Saia do meu caminho, criança! Você não tem nada haver com isso. -Após dizer isso, a mãe tentou tirar o chicote da mão de Iris, mas não importava a força que ela fizesse, ela não iria conseguir.
Então Iris arrancou o chicote da mão dela. "Oh, isso é tão gratificante.". Iris pareceu se esquecer que havia uma "platéia" assistindo a tudo. Ela começou a falar o que lhe dava na telha:
-Agora é a minha vez de falar, senhora mãe do Daniel. -Seu tom era bem debochado, mas a cara da mãe de Daniel era apenas uma coisa; cara de assustada.
"Você acha que tem o direito de bater no seu filho com um chicote, só porque ele é gay?! Bem, eu acho que isso não é justo, sabe?! Ninguém chicoteou você só porque você é hetera. Bem, ninguém até agora."
A cada passo que Iris dava para frente, a mãe de Daniel dava para trás. No momento em que Iris levantou o chicote, pronta para revidar tudo o que a mãe de Daniel havia feito nele.
A mãe de Daniel havia cambaleado para trás. Agora ela estava indefesa e caída no chão. Iris ia revidar, até que ela sentiu uma mão no seu ombro trazê-la de volta a "quase" realidade. O ódio ainda corria em suas veias.
-Iris, não! -a voz era conhecida. Iris se virou para ver quem era, mas sem baixar a guarda. Quando viu, era o Lucas falando, olhando-a com carinho, bondade e compreensão. Iris viu, pelo canto do olho, duas pessoas no canto; Daniel (já sem os pulsos amarrados) se apoiando em Bruno. Daniel não andaria normalmente por vários dias, ou para a vida inteira.
Então Iris se virou totalmente e abraçou Lucas, sem perder os gelos nos pés e os olhos "novos".
-Vamos sair daqui - sussurrou Lucas no sou ouvido.
-Eu só tenho que fazer uma coisa. -respondeu Iris maliciosa.
Ela sentiu Lucas ficar receoso, mas antes que ele pudesse pensar qualquer coisa, ela se virou, olhou bem para a cara da mãe de Daniel e jogou o chicote no chão, na frente dela.
-Não pense que não terá volta. De um jeito ou de outro, você pagará pelo o que fez com o seu próprio filho. -depois de falar isso, Iris se virou e caminhou na direção de Daniel e Bruno. Lucas a envolveu com o seu braço; ele parecia preocupado. Quando os quatro estavam saindo, quase que dobrando a esquina, eles ouviram uma voz, obviamente a voz da mãe de Daniel, gritar:
-Essa não vai ser a última vez em que nos veremos garotinha!
Naquele momento, aquelas palavras fizeram os pelos de Iris se arrepiarem, mas ela não podia prestar muita atenção nesta mera ameaça. Ela precisava cuidar de Daniel.
Novamente uma mão tocou o seu ombro. Era o seu tio:
-Iris...
-Tio, agora não. Eu estou indo para aquele lugar, caso você queira me encontrar depois. Não conte a ninguém! -disse Iris interrompendo o tio. Não era hora de falar sobre outros assuntos não relacionados ao Daniel.
"Aquele lugar" era onde eles tinham acampado; Ela, Lucas e Daniel. É o único lugar seguro que ela conhece nesse mundo, e o único lugar que ela sabia que só o tio e o Sem-Olho conheciam além deles.
Reformulando, Iris não sabia se o lugar era seguro, se as acusações sobre o tio forem verdadeiras... Se fossem, todos corriam perigo e ela sabia que somente ela, Iris da Silva Black, poderia pará-lo.
Chegando ao lugar onde seria onde eles treinariam os seus poderes para fortalecê-los e dominá-los de forma justa e natural, Iris pediu para todos parassem e colocassem Daniel sentado em um banco e para tirarem a blusa que ele estava usando.
-O que você vai fazer? -perguntou Bruno, mas ela sabia que Lucas pensava a mesma coisa.
-Eu vou fazer um curativo no Daniel e tentar melhorar a situação dele. -disse Iris ao mesmo tempo em que remexia em todas as gavetas da mesa do treinador. -ONDE ESTA O CARALHO DOS PRIMEIROS SOCORROS? -Iris estava nervosa, irritada... Tudo o que se pode imaginar.
-Deixa que eu te mostro onde eles estão. -disse Lucas. Ele não queria só mostrar onde os primeiros socorros estão...
Eles foram para o outro lado do local. A estrutura não era das melhores, mas o lugar era bem grande. Chegando lá, Lucas abriu um armário e pegou uma caixa toda branca onde em cima estava escrito "primeiros socorros". Iris foi pegar a caixa quando Lucas moveu a caixa mais para trás de si. Então ele falou:
-Você está bem? Eu te vi na praça... E estou te vendo agora.
-Depois conversamos sobre isso. Temos muito que fazer e a minha saúde não é prioridade.
-Não agora e não para você, mas para mim sempre foi.
Eles ficaram se olhando por algum tempo. Lucas estava com o mesmo olhar da praça. Já Iris... Lucas via que ainda restava alguma coisa da Iris que ele conheceu, mas algo havia mudado em seu olhar. Lucas precisa agir rápido.
Iris foi a primeira a desviar o olhar e voltar à atenção para o Daniel. Ele parecia estar melhor. Daniel estava sentado no banco, meio curvado, conversando com Bruno. Eles pareciam felizes.
-Ok, eu não tenho certeza de isso vai melhorar, mas sei que vai cicatrizar os ferimentos. Eu só acho que vai doer, e muito... -disse Iris. Doía nela ter que fazer isso, mas era ela quem tinha de fazer.
-Tudo bem. Agora as dores vão continuar, mas vai ser mais fácil suportar agora que a pessoa que eu mais amo no mundo está do meu lado. -disse Daniel, olhando para Bruno com um olhar apaixonado. Bruno retribuiu o olhar e aperto mais forte à mão de Daniel, para mostrar que ele sempre estará lá para o que der e vier. No mesmo momento, Lucas colocou sua mão no ombro de Iris. Ela olhou para trás os dois ficaram se encarando, mas foi diferente do jeito de como eles se encararam quando pegaram os primeiros socorros... Agora eles se olhavam como se dissessem "estarei aqui para o que der e vier."
Enfim, tomando coragem, Iris pegou um frasco que estava escrito "remédio cicatrizante", abriu o frasco e despejou todo o líquido que tinha nas costas de Daniel. Os gritos de Daniel eram assustadores, mas dessa vez não eram tão horríveis quanto aos da praça. Iris começou a chorar, mas não parou de fazer o curativo. Lucas não tirou a mão dele do ombro de Iris. "Ele está aqui, comigo."
Iris pegou uma pomada e foi passando por entre os cortes de Daniel. Agora ele já não gritava mais, mas de vez em quando gemia enquanto Iris passava a pomada em cortes mais profundos.
Depois de já ter passado a pomada, Iris se concentrou e tentou criar uma camada fina de gelo sob os ferimentos. Depois enfaixou todo o tórax e a barriga de Daniel. Seu curativo estava pronto.
-Pronto Daniel. Agora só temos que ajeitar um lugar para você se deitar, ou algo do tipo. Sabe, para descansar...
-Podemos empilhar esses colchões ali perto da parede e colocar ele lá. -sugeriu Bruno. "Ele deve ter muitas outras qualidades, mas uma delas é a inteligência.". Iris apenas assentiu com a cabeça. Ela não conseguia falar. Os gritos de Daniel ainda ecoavam na sua cabeça.
Bruno ajudou Daniel a se levantar e a colocá-lo em cima dos colchões já arrumados. Iris estava ajeitando os primeiros socorros e já ia pega-los para guardar quando Lucas virou Iris em um ângulo de 180°graus, fazendo com que ela ficasse de frente para ele, abraçando-a logo depois. De início, Iris se assustou e ficou receosa, mas depois ela só desabou.
O mundo dela desabou sobre ela e ela agüentou firme até aquele momento. Ela se esqueceu de tudo e começou a chorar ali mesmo, na blusa de Lucas. Era semelhante ao momento em que ela havia derrubado o Daniel. Quem diria naquele dia ela havia machucado o Daniel sem querer e hoje ela o havia "salvado". Mas ela não estava pensando nisso, na verdade ela não estava pensando em nada. Ela só estava chorando.
Iris sentia que suas pernas não conseguiam mais agüentar o seu peso; peso de uma pessoa quase morta. Lucas perecia ter percebido então ele indicou que ia se agachar e lá estavam eles; os dois ajoelhados no chão, Iris ainda abraçada em Lucas, chorando em seu peito. Ela sentiu algumas gotas caindo no seu cabelo, era quase que imperceptível então Iris se tocou de que não era apenas ela que estava sofrendo com tudo isso. Lucas está sofrendo, Daniel está pagando por algo que ele não tem culpa Bruno, de uma maneira ou outra, também estava pagando por algo que não tinha culpa. Ela não estava sofrendo sozinha, todos estavam. Ela sabia que era injusto continuar chorando, como se ela estivesse sozinha carregando o peso de tudo, portanto Iris tomou uma decisão; parar de chorar; parar de sofrer. Claro, sofrer é inevitável, "as pessoas magoam as outras pessoas a todo instante", mas ela pararia de sofrer adiantado; ia parar de mostrar as suas fraquezas para tudo e todos. Ela ia se controlar.
Cessado o choro de Iris, Lucas continuou abraçando ela por mais alguns instantes para garantir que ela tinha parado de chorar. Quando ele soube que o choro havia acabado, ele olhou para ela e disse:
-Tudo vai ficar bem. Eu estarei aqui. -dito isso ele deu um beijo na testa de Iris. "Você mal sabe que tudo está começando a só piorar."
Lucas ajudou Iris a secar algumas lágrimas que ainda insistiam em correr pelo seu rosto. Ela percebeu que algumas lagrimas de Lucas insistiam em fazer a mesma coisa, então ela as secou por ele.
Finalmente, os dois se levantaram, mas, para a surpresa de todos, eles viram Jorge na porta, quieto e observando tudo.
-Tio?! O que você faz aqui agora? -perguntou Iris.
-Ah, você disse que estariam aqui então... -o tio deixou a frase no ar.
-Ah, claro. -Iris ainda se sentia um pouco abalada. Ela não parava de pensar se o tio tinha reparado nela com o Lucas. "É claro que ele reparou! Só espero que ele não faça perguntas." - Eu fiz um curativo no Daniel. Eu acho que ele ficará bem.
-Eu sei que vai. Ele está em boas mãos. -disse o tio- Mas, eu só vim aqui para deixar algumas comidas para vocês. É arriscado sair daqui por enquanto. Eu indico vocês ficarem aqui até a poeira baixar. -dito isso, Jorge largou a sacola com comida na mesa do treinador.
-Como assim ficar aqui "até a poeira baixar"? Eu... Nós não fizemos nada de mais! Pelo contrário, nós salvamos o Daniel! -disse Iris, indignada.
-Eu tenho certeza que eles te explicam depois. Eu só vim dar o recado e deixar as comidas. Quando vocês saírem, Iris me procure. -disse o tio. Ele estava com pressa.
-Tudo bem. E, muito obrigada, tio!
-Nós ainda vamos nos ver muito, sobrinha. Não fique aflita. -disse Jorge- Até mais, pessoal!
Então Jorge se virou e saiu porta afora.
-Será que é melhor nós trancarmos as portas? -perguntou Iris
-Eu acho melhor. Pelo menos por enquanto, até o Daniel melhorar. -sugeriu Lucas. Daniel e Bruno concordaram.
Iris trancou a porta pela qual o tio entrou e Lucas fechou as que restavam. Ela pegou a sacola e colocou no balcão ao lado da pia, que ficava em baixo do armário. No momento ela não ia se preocupar com a comida.
Depois de fazer tudo o que precisava fazer, ela foi e se sentou ao lado de Lucas que estava conversando com o Bruno e o Daniel. O assunto que eles estavam conversando era desconhecido para Iris. Quando o assunto tinha acabado, Iris esperou alguns segundos e disse:
-Eu acho que nós não fomos apresentados formalmente, ainda -dizia Iris a Bruno -Prazer, eu sou Iris! -e dizendo isso ela estendeu a mão e Bruno a cumprimentou.
-Prazer, Bruno!
-Agora que os dois já se conheceram, eu quero agradecer a você, Iris, por ter me salvado, e depois ter cuidado do meu ferimento. Eu te devo a minha vida! -disse Daniel, sorrindo. Ele a abraçaria ou algo do tipo, mas ele tinha medo de se mexer demais. Porém os seus olhos fizeram tudo. A gratidão neles era nítida.
-Eu faria isso por todos vocês - disse Iris, sorrindo também e pondo a sua mão acima da do Daniel. -Mas, eu queria pedir desculpa pelo meu choro, mais cedo... É que eu descobri coisas sobre a minha família, e meio que é assustador. E depois teve você, então eu não suportei...
-Sinto muito, Iris! Acredite, eu e o Bruno sabemos o que é se decepcionar com a própria família.
-Todos sentimos - disse Lucas, envolvendo-a com o seu braço. -Eu não posso dizer que me decepcionei como vocês, mas é quase que impossível não ter se decepcionado com a família...
-Bem, mas vamos falar de coisas mais alegres! Ou vocês querem almoçar? -perguntou Iris.
-Acho que podemos fazer os dois. Eu duvido que o seu tio não tenha comprado comida pronta. Até porque aqui não tem onde cozinhar... -lembrou Bruno.
-Verdade. Eu vou trazer a sacola que ele trouxe. -Iris já ia se levantando quando Lucas disse:
-Vou com você! -Iris sabia que Lucas não queria apenas ajudá-la. Ela sabia que ele queria falar em particular com ela, e o momento era perfeito.
Então os dois se levantaram e foram até a bancada ao lado da pia, onde estava a sacola. Chegando lá, Lucas confirmou as suspeitas de Iris:
-Se você quiser falar comigo sobre a sua família e dividir o fardo desses segredos, saiba que eu estou aqui, esta bem?! -"Como ele pode ser sempre tão gentil?!"
-Não se preocupe, quando eu descobrir mais coisas, você vai estar do meu lado. E eu vou precisar da sua ajuda. -disse Iris com um sorriso no rosto. Ela se sentia melhor, e os seus olhos já haviam voltado ao normal depois de ela ter chorado, de modo que só o Lucas já a tinha visto daquele jeito.
-Mas eu não poderia estar na sua frente?
-Poderia, mas por quê?
-Para eu poder fazer isso. -e dizendo isso Lucas beijou Iris.
-Ai que romântico, meu Deus -disse Iris, brincando com Lucas- Mas, mudando de assunto, será que levamos toda a sacola ou só algumas coisas?
-Levamos tudo de uma vez para não ter que ficar indo e voltando. E eu sei que sou muito romântico. O melhor que você poderia arranjar - brincou Lucas, também. Ela pegou a sacola com um sorriso e levou para lá, onde Bruno e Daniel estavam sentados se beijando.
-Eles estavam com inveja da gente - sussurrou Iris, mas de um modo que Bruno e Daniel escutassem. Nesse momento Bruno recuou, deu um sorriso amarelo e coçou a cabeça, "inteligente, mas tímido".
-Não liga para isso, Bruno! Ela estava brincando! Volta aqui e me beija, garoto! -disse o Daniel, brincando, mas tinha um quê que verdade na voz dele.
-Ah, vamos comer primeiro... -sugeriu Bruno.
-Oh garoto tímido, ein. Nunca vi. Mas eu aceito a comida! -riu Daniel. Todos riram.
Eles almoçaram e explicaram para Iris que lá, é ilegal "interromper" assuntos familiares como, por exemplo, a mãe espancando o filho por ele ser gay. Quem cometesse tal crime poderia ser espancado (a) em praça publica. Eles zelavam por privacidade em todos os sentidos.
Daniel dormiu após o almoço. Ele devia estar cansado depois de tudo o que ele passou. Bruno ficou alguns instantes ao lado de Daniel, mas depois saiu para dar uma volta pelo lugar. Ali dentro não era pequeno, mas não tinha muita coisa para se fazer.
Enquanto isso, Iris e Lucas estavam ligando o notebook que havia em uma das gavetas na mesa do treinador. Enquanto o notebook ligava, Iris explicava o que havia acontecido mais cedo com o seu primo e o tio.
Por mais incrível que pareça, Lucas sabia a senha do notebook. "Estranho, mas depois eu pergunto." Lucas colocou a senha no notebook e Iris conectou o pen-drive. O vídeo a seguir deixou Iris petrificada.

Os três lados [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora