24. A LEI DO RETORNO

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— EU ESTAVA me perguntando quando você iria ligar.

Daniel piscou.

— Estava? Mas... Você sempre desliga o telefone na minha cara.

Regina riu.

— Acho que estou começando a me acostumar com isso.— ela riu de novo.— Maldito Daniel. O que há de errado com você?

— Jiló.

— Jiló?— ela repetiu.

— Odeio Jiló. O que você odeia?

— Azeitonas.— ela respondeu rapidamente.— fofocas, mentiras, qualquer tipo de traição, e pessoas.

— Pessoas?— Daniel franziu a testa.

— Odeio gente. Não consigo deixar de lado minha posição antissocial.

— Certo.— ele riu.— Comida preferida?

— Chinesa. E chocolate. Você.

Ele sorriu. Caramba, era a primeira vez que Regina estava pegando leve com ele.

— Massas.

— Filme preferido?

— Não consigo escolhe só um.

— Dois, então.

— Rebeldia indomável e Pulp Fiction. Você.

— Forrest Gump e Show de Truman.

— Qual o seu livro predileto?— ela quis saber.— Você tem cara que gosta de ler.

— O sol é para todos.

— Sério? É meu livro preferido, também.

O silêncio que tomou conta da linha era de hesitação. Daniel implorou aos céus qualquer outra coisa que o ajudasse a criar coragem para chamar aquela garota para sair de novo.

— Daniel?

— Sim?

— Eu aceito sair com você

As paredes da minúscula cela de Daniel no FBF eram inteiramente transparentes. Meio metro de quadrado preenchido por uma cama e uma mesa dobrável coberta com livros. Ele não tentou usar magia, mas Marcus tinha dito que nenhuma magica afetaria o lugar. Mas ele estava se comportando. Não iria fazer nada.

Ele estava deitado na cama, olhando para a câmera no canto superior da cela, sem vontade de ler. Ele estava preso a quase uma semana e não havia recebido visitas de ninguém, além de Marcus. Graças ao Mestre tinha livros para ler e passar o tempo- livros sobre a historia de Asgard, como ele havia pedido. Aprendera com os livros o suficiente para compreender o motivo de Zacarias querer tanto que o rapaz se unisse a ele.

Daniel ficou ali deitado, revivendo os motivos do próprio encarceramento. Achavam que ele tinha matado Isadora, Alex, e o professor Hugo, inclusive Júlia. Acharam até a faca utilizada no crime entre Júlia e ele, adormecido. Ele havia incendiado a Praça da Sé... Marcus não estava na mira da FBF. Não havia um jeito claro de provar algo contra ele, nenhuma evidência ou testemunha relacionando Marcus a ter ajudado Daniel e os outros terem fugido no helicóptero.

Um som de passos o fez virar a cabeça. Do lado de fora da cela, estava seu pai, Lucas Amorim. Um guarda trouxe uma cadeira e seu pai sentou-se.

— Vou pra forca hoje ou o FBF e o Conselho finalmente decidiram se render ao meu charme?— Daniel, sentou-se, sorrindo, um quê de malícia em seu sorriso.

— Você ainda tem que passar pelo Tribunal dos Bruxos, Dan.— ele disse. E então, depois de uma curta pausa, ele acrescentou:— Sua madrasta e eu sentimos muito sua falta.

Lucas viu Daniel enfiar a mão no bolso dianteiro e retirar um pacote de chicletes. O rapaz desembrulhou um e enfiou na boca, com expressão de pouco caso. A postura do filho estava mudada.

— Marcus me contou tudo.— continuou o pai, sentindo um estranho desconforto.— É uma pena que o FBF não encontrou a Fabrica de Vassouras vazia, sem nenhuma prova. Conhecemos o Direito Bruxo. E ele, eu e sua madrasta estamos fazendo o possível para provar sua inocência, filho.

Daniel revirou os olhos. Tocou seu pulso direito sentindo a rigidez do pequeno rastreador da FBF implantado sob sua pele. Não haviam utilizado o Soro da Verdade quando o prenderam. Achavam que ele poderia ser imune ao efeito como era as pulseiras que detinham magia.

— Não quero que provem nada.

— Tudo bem, então o que você quer, Dan?

— O que eu quero?— o rapaz pôs o chiclete no bolso de novo, dando de ombros.— Eu quero ver o circo pegar fogo.— Lucas observou o semblante do rapaz adquirir uma expressão obscura sobreposta a uma paz inquietante, um sorriso insano no rosto.— E sou eu que vou provocar o incêndio.— mais rápido do que Lucas percebeu, a expressão do filho desanuviou. O sorriso agora era de uma criança que acaba de receber a notícia de que está indo para Disney.— Tudo bem, papai. Eu estou brincando.

O pai ficou em silencio por alguns segundos. A expressão em seu rosto era de quem não acreditava no que ouviu. Ele encarou Daniel.

— Meu filho, não se esqueça: sou seu pai, de todas as maneiras relevantes. E você é o Daniel. O pedaço Loki é um mero detalhe técnico.

Depois do pai ter ido embora, continuou sentado na cama, na mesma posição, quando a pele do seu braço esquerdo retesou com a sensação de uma cobra deslizando sobre ela, fria, subindo por seu braço.

Não se mexeu. A cobra chegou ao seu pescoço. Então começou a dar a volta nele, transformando-se em um nó.

— Oi, Enyo. Demorou.

Três fatores o levavam a se comportar. Primeiro, ele sabia, a pedido seu e intermédio de Marcus, que a avó de Júlia, através de magia, se desvinculara do mundo magico para viver uma vida humana. Era uma feiticeira. Era o segredo de família que Júlia havia descoberto. E ela culpou por muito tempo a avó pela morte dos pais. Se a avó não tivesse se tornado humana, a mãe de Júlia seria uma feiticeira e, provavelmente, ela e o marido não teria morrido tão facilmente no acidente de carro. Segundo, ele havia se tornado numa barata para libertar Arthur e Júlia, e seu amigo traidor havia a matado para incrimina-lo mais, além de levar sua namorada com ele, e queria desforra. Terceiro, não era mais quem o pai queria que ele fosse, e não voltaria mais a ser. Ele fora bom por tanto tempo, muitos foram, e para quê? Qual o propósito, afinal? Estivera desperdiçando seus talentos.

A cobra abriu a boca e dela saiu A Chave de Cobre. Ele queria poder ter virado uma mosca e visto a cara de Arthur e Zacarias quando descobrisse que A Chave de Cobre levada pelo seu amigo traidor era apenas uma pedra envolta de ilusão. Daniel havia feito Enyo engolir o objeto dentro do Jipi. Suspeitava de Regina, não de Arthur.

— Foi difícil encontrar você.— ela tomara a forma humana e agora estava sentada ao lado dele.— Essa cela é no subterrâneo. Além disso...— ela o abraçou pelo pescoço.— depois que fugi do Jipi, eu fui passear um pouco. Fiquei muito tempo preso naquela jaula.— ela fez um beicinho, dengosa.

Ele sorriu. Enyo parecia o reflexo dele, de alguma maneira. Agora parecia muito mais bela e sombria do que angelical.

— Está afim de um passeio?— ele se levantou.

Ela bateu palmas, animada.

— Pra onde vamos?

Daniel encostou a Chave de Cobre numa das paredes. Uma passagem se abriu diante dele. Agora sabia que a Chave levava o portador através das dimensões, rompendo a necessidade de portais.

— Conseguir aliados. Aliados com poder.

Ele olhou de relance para a câmera de segurança, mostrando o dedo do meio. Não estava nem aí. Eles dispunham de alguns minutos antes que alguém fosse até a cela.

Além disso, estavam de saída mesmo.   

As crônicas Darwich. Chave de CobreOnde histórias criam vida. Descubra agora