Capítulo 6

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Trash e Diarra voltam para casa, queimados de sol e enrugados, com mariscos, refrigerante e cachorros-quentes enormes do Clam Shack. Os dois arrumam tudo na bancada da cozinha, parando para se agarrar pela cintura, beliscar a bunda e beijar as orelhas um do outro.

Queria ter ficado mais tempo na casa dos Urrea’s. E por que não fiquei?
A Joalin deve estar com a custódia do celular da Sina, porque, quando ligo, é isso que ouço:

— Olha, Shiv, não acho que seja uma boa ideia a gente sair de novo.

— É a Any. Cadê a Sina?

— Ah, pelo amor de Deus. Você sabe que não somos gêmeos siameses, não sabe? Por que fica perguntando essas coisas para mim?

— É... sei lá. Talvez porque você atenda o telefone dela. Ela tá em casa?

— Acho que sim. Provavelmente. Ou não — responde Joalin.

Desligo. O fixo está ocupado e os Loukama Deinert não têm chamada de espera (“É só uma maneira eletrônica de ser mal-educado”, segundo a Sra. Loukama), por isso decido ir de bicicleta até a casa da Sina.

Diarra e  Trash foram para o sofá da sala de estar e dá para ouvir os murmúrios e risadas. Quando chego ao corredor, Trash sussurra, ávido:

— Eu te quero mais que tudo.

Vou vomitar.

— Está pensando em formar uma dupla sertaneja, Trash? — dou uma zoada.

— Vaza! — grita Diarra.

Está calor e a maré já subiu, o que significa que o cheiro de mar está especialmente forte, quase superando o perfume terroso do rio. Os dois lados da cidade. Adoro ambos. Adoro o fato de poder identificar a estação e a hora do dia fechando os olhos e respirando fundo. Fecho os olhos e inspiro o ar quente e pesado, então ouço um grito assustado e os abro a tempo de desviar de uma mulher usando uma viseira rosa, meias e sandálias. Stony Bay fica numa pequena península na foz do rio Connecticut. Temos uma baía grande, por isso os turistas gostam da nossa cidade. Ela fica três vezes mais cheia no verão, então eu já deveria imaginar que não posso andar de bicicleta com os olhos fechados.

Sina abre a porta quando bato, o fixo na orelha. Ela sorri, põe o indicador nos lábios, apontando para a sala de estar com o queixo enquanto fala para o telefone:

— Bom, vocês são minha primeira opção. Por isso quero começar a preencher o formulário logo.

Sempre tenho a mesma sensação quando entro na casa dos Loukama Deinert. Há simpáticos bonequinhos de porcelana espalhados por todos os cantos e pequenas placas com bênçãos irlandesas, além de toalhinhas de crochê sobre todas as poltronas e até sobre a TV. No banheiro, o papel higiênico fica escondido sob a saia rosa bufante de uma boneca meio assustadora.

Não há livros nas prateleiras — apenas mais estatuetas e fotografias de Sina e Joalin, muito gêmeos, nos primeiros anos de vida. Eu as analiso pela milionésima vez enquanto Sina passa seu endereço pelo telefone. Os bebês Sina e Joalin vestidos de Mamãe Noel. Sina e Joalin com dois anos, cabelos loiros e olhos claros, vestidos de coelhinhos na Páscoa. Sina e Joalin com cinco anos e roupas típicas alemãs. As fotos param abruptamente com elas aos oito anos. Se bem me lembro, esse foi o ano em que se vestiram de Sam e Cat para o feriado da Independência e Joalin mordeu o fotógrafo.

Nas fotos, as duas se parecem muito mais uma com a outra do que agora.

Agora elas são muito diferentes, os cabelos lisos de Sina são loiros platinados e completamente arrumados e ela tem olhos verdes. Joalin tem apenas algumas sardas no nariz e sobrancelhas e cílios escuros, além de cabelos loiros bagunçados e olhos  azuis.

Minha Vida Mora do Outro Lado  -  NoanyOnde histórias criam vida. Descubra agora