– Vejamos, Pri. Churrasco no abrigo de idosos. Festival do Peixe das Filhas de São Damião. Festival do Peixe Abençoado dos Filhos de São Miguel Arcanjo. Você tem que ir a tudo isso.
Luan está com um marca-texto e um jornal na mão. Minha mãe toma a terceira xícara de café.— Festivais de peixe? — pergunta ela, desanimada. — Nunca fui a nenhum.
— Você nunca teve um oponente de verdade, Pri. Então, sim, temos que ir a todos. Veja, vão abrir um restaurante num vagão antigo em Bay Crest. Você precisa estar lá.
Minha mãe toma um gole lento de café. Os cabelos dela estão mais desarrumados do que nunca — uma bagunça castanha onde deveria haver um coque. Ela apoia a cabeça no sofá.
Luan passa o marca-texto sobre outros artigos, depois olha para minha mãe.— Você está exausta — observa. — Eu sei. Mas tem tudo para conseguir, Pri, e precisa estar onde o povo está.
Minha mãe arruma a postura como se Luan tivesse puxado uma corda invisível. Ela anda até ele, se senta e examina o jornal, pondo os cabelos atrás da orelha.
A maneira como ela age com Luan me incomoda. Será que era assim com o meu pai? Existe um equilíbrio entre a Diarra e o Trash, percebo isso agora, mas minha mãe às vezes parece estar sob o efeito de um feitiço. Penso naqueles momentos no quarto do Noah. Se ela se sente assim com o Luan, não é que eu não entenda. Mas... Mas os arrepios que sinto perto de Noah não têm nada a ver com a pontada de ansiedade que percebo agora, vendo as cabeças dos dois lado a lado.
— Está precisando de alguma coisa, querida? — pergunta Luan, ao me notar parada ali.
Abro a boca, depois a fecho. Talvez a Diarra esteja certa e eu apenas não goste do fato de minha mãe “ter um namorado”. Talvez, apesar de tudo, esteja tentando ser leal ao meu pai invisível. Talvez sejam só meus hormônios. Olho para o relógio. Tenho uma hora e meia até ter que ir para o clube. Imagino a água fria, a luz do sol refletida nela, o calmo mundo subaquático, agitado apenas pelas minhas braçadas ritmadas. Pego minhas coisas e vou embora.
[...]
— Sailor Moon! Você está na TV! — Fred corre para mim quando entro pela porta da cozinha. — É você! Bem no intervalo do Mistérios dos Mamíferos. Vem ver!
Na sala de estar dos Urrea’s, Jaden, George, Josh e Sofya estão no sofá, hipnotizados por um dos comerciais da campanha da minha mãe. Agora, uma imagem do rosto dela em frente ao Capitólio ocupa a tela. Como mulheres, como pais, sabemos que a família vem primeiro, diz ela, enquanto a câmera mostra fotos de mim e Diarra em roupas iguais com cestas de ovos de Páscoa, na praia, sentadas no colo do Papai Noel do clube, sempre com minha mãe ao fundo. Nem me lembrava de haver alguma foto minha com o Papai Noel em que eu não estivesse chorando, mas estou bastante calma nessa. O Papai Noel do clube sempre cheirava a cerveja e tinha uma barba visivelmente falsa. Minha família sempre foi o meu foco.
— Sua mamãe é bonita, mas ela não parece uma mamãe — diz Jaden.
— É falta de educação dizer isso — avisa Sofya enquanto outra montagem de fotos aparece: Diarra recebendo uma medalha de ginástica, eu ganhando o prêmio da feira de ciências pelo meu modelo de célula. — Ah, que legal. Você também usou aparelho, Any. Não achei que tivesse precisado.
— Eu só quis dizer que ela parece chique — afirma Jaden, enquanto minha mãe sorri e diz: Quando fui eleita deputada, mantive meu foco. Minha família só se tornou maior.
Em seguida, aparecem imagens de minha mãe com uma multidão de estudantes de ensino médio, vestidos com becas de formatura; abaixando-se ao lado de uma senhora em uma cadeira de rodas, balançando uma bandeira;
recebendo flores de um menininho.
— Essas pessoas são mesmo da sua família? — pergunta George, desconfiado. — Nunca vi nenhum deles aqui do lado.
Agora, a câmera se afasta e mostra minha mãe à mesa de jantar com uma horda de pessoas de diferentes etnias, todas sorrindo e fazendo que sim com a cabeça, conversando com ela sobre sua moral e suas vidas... em um banquete de comidas típicas de Connecticut. Vejo caldeirada de frutos do mar, ingredientes para um cozido, pizza, coisas que nunca tivemos em nossa mesa.
Para mim, meus eleitores são minha família. Ficarei honrada se puder me sentar à sua mesa. Vou à luta por vocês em novembro e para sempre. Sou Priscila Rolim e esta é minha mensagem, conclui minha mãe, firme.
— Você está bem, Sailor Moon? — Jaden puxa meu braço. — Ficou triste? Não quis falar mal da sua mamãe.
Tiro os olhos da tela e o encontro ao meu lado, arfando como os meninos pequenos fazem, segurando o velho dragão de pelúcia, Happy.
— Se estiver triste, o Happy é mágico, ele ajuda — diz ele.
Pego o dragão e dou um abraço em Jaden. Mais respiração arfante.
Happy está espremido entre nós dois, cheirando a manteiga de amendoim, massinha e terra.— Vamos lá, gente. O dia está lindo e vocês estão aqui dentro vendo Mistérios dos Mamíferos. Isso só serve para dias de chuva.
Expulso os Urrea’s de casa, mas não sem lançar um último olhar para a TV.
Apesar de todos os pôsteres, folhetos e fotos no jornal, ainda é surreal ver minha mãe na televisão. E ainda mais ver a mim mesma e perceber a forma como me encaixo ao lado dela.
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Minha Vida Mora do Outro Lado - Noany
Fiksi PenggemarSinopse: "Minha mãe nunca ficou sabendo de uma coisa, algo que ela reprovaria radicalmente: eu observava os Urrea's. O tempo todo." Os Urrea's são tudo que os Rolim não são. Barulhentos, caóticos e afetuosos. São de verdade. E, todos os dias, de seu...