Capítulo 18

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–Srta. Rolim! Srta. Rolim? Pode vir aqui um instante? — A voz do Sr. Lennox corta o ar, praticamente vibrando de raiva. — Agora mesmo!

Faço soar meu apito, ponho a placa de “Salva-vidas fora do posto” na cadeira depois de garantir que não há crianças pequenas na água sem os pais e vou até a piscina de água natural. O Sr. Lennox está lá parado com a Joalin. Mais uma vez, ele parece estar a alguns segundos de um AVC. Joalin, rindo e meio chapada, aperta os olhos para enxergar ao sol de meio-dia.

— Isto — o Sr. Lennox aponta para mim — é um salva-vidas.

— Aaaaaahhhhh... — responde Joalin. — Agora entendi.

— Não, você não entendeu, minha jovem. Você se considera uma salva-vidas? É isso que diz que é?

A expressão de Joalin é familiar: está decidindo se vai falar alguma gracinha.

Por fim, ela diz:

— Geralmente eu me apresento como Joalin.

— Não é isso que quero dizer! — O Sr. Lennox se vira para mim. — Sabe quantos pontos essa menina já perdeu?

Ela só trabalha no clube há uma semana, então dou um chute baixo.

— Hum... Cinco?

— Oito! Oito! — Quase espero que o Sr. Lennox exploda numa bola de fogo.
— Oito pontos! Você trabalha aqui há dois verões. Quantos pontos já perdeu?

Joalin cruza os braços e olha para mim. “Demonstrações de afeto” no trabalho custam quatro pontos, mas ela nunca conversou comigo nem com a Sina, aparentemente, sobre me ver com o Noah.

— Não sei — respondo. Nenhum.

— Nenhum! — grita o Sr. Lennox. — No pouco tempo que trabalha aqui, essa menina ela já — ele ergue uma das mãos e vai baixando dedo por dedo — pegou comida da lanchonete sem pagar. Duas vezes. Não usou o boné. Três vezes. Permitiu que alguém se sentasse na cadeira de salva- -vidas...

— Era só uma criança — intervém Joalin. — Ele queria ver a vista. Devia ter uns quatro anos.

— A cadeira não é brinquedo. Você também deixou seu posto sem notificar ninguém nem colocar a placa duas vezes.

— Fiquei ali no canto da piscina — retruca Joalin. — Só estava conversando com umas meninas. Teria parado se alguém estivesse se afogando. Elas não eram tão bonitas assim — acrescenta para mim, como se me devesse algum tipo de explicação para aquele inexplicável senso de responsabilidade.

— Você nem percebeu quando parei atrás de você, pigarreando! E fiz isso três vezes!

— Não notar o pigarro é um problema diferente de não colocar a placa? Ou perdi três pontos por causa das três vezes que o senhor pigarreou?

O rosto do Sr. Lennox parece se contrair e congelar. Ela ajeita as costas para ficar o mais alto que uma mulher baixa pode ficar.

— Você — diz, enfiando o dedo no tronco de Joalin — não tem o espírito do clube. — Ele pontua cada palavra com um cutucão.

O lábio de Joalin se contorce, outro movimento errado.

— E agora — troveja o Sr. Lennox — não tem mais emprego.

Ouço um suspiro atrás de mim e me viro para Sina.

— Uma semana — sussurra ela. — Um novo recorde, Joalin.

O Sr. Lennox se vira, gritando:

— Por favor, devolva ao meu escritório todos os itens de vestuário que forem do clube.

— Ai, merda! — exclama Joalin, pondo a mão no bolso do casaco apoiado na cadeira de salva-vidas e tirando um pacote de Marlboro. — Queria tanto ficar com aquele boné maneiro.

— É só isso? — A voz de Sina fica mais aguda e alta. — Você só vai dizer isso? É o quarto emprego que perde desde que foi expulso da escola! Da terceira escola em três anos! O quarto emprego em três meses! Como é possível ser demitido tantas vezes assim?

— Bom, aquele emprego no cinema era muito chato... — justifica-se Joalin, acendendo o cigarro.

— E daí? Você só tinha que entregar os ingressos! — berra Sina.

Joalin mantém a voz baixa, mas o Sr. Lennox estava gritando e Sina, que odeia fazer escândalo, não parece se importar com o fato de estar fazendo um agora.

Um grupo de crianças pequenas está encarando a cena de olhos arregalados. A sra. Henderson já está com o celular a postos.

— E você acabou estragando tudo por deixar seus brothers entrarem de graça!

— O cinema mete a mão no preço da pipoca e das balas. Duvido que a gerência estivesse perdendo dinheiro.

Sina põe a mão na cabeça, o cabelo molhado de suor por causa do calor ou da frustração.

— Depois, foi o abrigo de idosos. Você ofereceu maconha para os velhinhos, Joalin. O que passou pela sua cabeça? — A Sra. Henderson agora se aproxima, sob o pretexto de andar para a lanchonete.

— Olha, Si, se eu estivesse com a bunda colada numa cadeira de rodas num lugar como aquele, eu ia querer muito que você me oferecesse um baseado. Aqueles coitados precisavam perder um pouco a noção da realidade. Fiz foi uma boa ação. Eles obrigavam os velhinhos a dançar quadrilha. Criavam competições no estilo American Idol. Tinham até o dia do chapéu engraçado. Parecia um evento de tortura na terceira idade. Eles...

— Você é ridícula — diz Sina, que nunca fala nada de mais ou a menos nunca xingou ninguém. — Não é possível que seja sangue do meu sangue.

Então, uma coisa surpreendente acontece. Mágoa surge no rosto de Joalin. Ele fecha os olhos e os abre de novo para encarar a irmã.

— Desculpa, maninha. Viemos da mesma barriga. Eu poderia te culpar por ter ficado com todos os genes perfeitos, mas, já que eles te deixam triste pra caralho, não me importo. Pode ficar com tudo.

— Está bem, chega, vocês duas — peço, assim como fazia quando éramos crianças e os dois brigavam, rolando na grama, se beliscando, se arranhando, se socando, sem restrições. Aquilo sempre me assustava. Tinha medo de que acabassem se machucando. De certa forma, o potencial para isso parece muito maior agora que as armas são palavras.

— Any — chama Sina. — Vamos voltar ao trabalho, já que ainda estamos empregadas.

— É isso aí — grita Joalin para as costas dela. — Às vezes, até deixam vocês ficarem com os uniformes! Tudo é só uma questão de prioridade, não é, Sina? — Ela pega o boné, põe na cadeira de salva-vidas e apaga o cigarro nela.

Minha Vida Mora do Outro Lado  -  NoanyOnde histórias criam vida. Descubra agora