Então, é claro, neste dia, o trabalho fica ainda mais chato porque Vítor e um bando de garotos da escola resolvem aparecer. Vítor e eu terminamos bem, mas ainda assim tenho que aturar olhares, frases do tipo "Quer dar uma olhada na minha luneta?" e piadas de duplo sentido no estilo grosseiro-idiota-imbecil. É claro que eles estão em uma das minhas mesas, a oito, e ficam me pedindo mais água, manteiga e ketchup o tempo todo, só para exercerem poder.
Por fim, decidem ir embora. Ainda bem que me deixam boas gorjetas.
Vítor pisca para mim enquanto saem.- A oferta da luneta ainda está de pé, Gaby.
- Desaparece, Vítor.
Estou limpando a nojeira que deixaram na mesa quando alguém puxa o cós da minha saia.
- E aí, menina.
Joalin, os cabelos loiros estão bagunçados e ela ainda está com as mesmas roupas que vestia da última vez em que a vi: calça de pijama de flanela incompatível com o calor do verão. Ela realmente não visitou a lavanderia.
- Ei, tô precisando de dinheiro, riquinha.
Isso machuca. Joalin sabe, ou sabia, o quanto odeio ser chamada assim; era a forma como as meninas das equipes de natação rivais me chamavam.
- Não vou te dar dinheiro, Joalin.
- Porque vou gastar com bebida, não é? - pergunta ela, num tom agudo e sarcástico, imitando minha mãe quando ela passava por mendigos em New Haven. - Você sabe que posso mudar de ideia. Quem sabe gastar com maconha também. Ou, se for generosa e eu tiver sorte, pó. Por favor. Cinquentinha?
Ela se apoia no balcão, juntando as mãos e erguendo o queixo para mim.
Eu a encaro de volta. Vamos brincar de quem pisca primeiro? Então, inesperadamente, ela ataca o bolso da minha saia, onde guardo minhas gorjetas.
- Isso não é nada para você. Nem sei por que trabalha, Gaby. Só uns trocadinhos.
Dou um pulo para trás, puxando a saia com tanta força que tenho medo que o tecido barato se rasgue.
- Joalin! Para com isso! Você sabe que não vou dar.
Ela balança a cabeça para mim.
- Você costumava ser legal. Quando virou uma otária?
- Quando você virou uma retardada. - Passo por ela com a bandeja cheia de pratos sujos. Lágrimas enchem meus olhos. Não faça isso, penso. Mas a Joalin me conhecia melhor do que ninguém.
- Está com problemas? - pergunta Ernesto, o cozinheiro, tirando os olhos das seis frigideiras que tem no fogo. O Breakfast Ahoy não é um restaurante de comida saudável.
- É só uma idiota. - Jogo os pratos na pia, fazendo barulho.
- Nenhuma novidade, então. Bosta de cidade cheia dessa bosta de gente que nasceu numa bosta de berço de ouro...
Opa. Ativei sem querer o botão de "xingamento favorito" do Ernesto. Eu o ignoro, abro um sorriso largo e volto para lidar com Joalin, mas só vislumbro o punho de um pijama xadrez sujo e ouço a porta batendo. Há algumas moedas na mesa próxima à porta e outras no chão. O resto da gorjeta foi embora.
Um dia, algumas semanas depois de termos começado a sétima série na Hodges, antes da Joalin ser expulsa, esqueci o dinheiro do lanche e estava procurando a Diarra ou a Sina. Em vez disso, encontrei Joalin, sentada num canto com os piores maconheiros da escola. Joalin, na época, até onde eu sabia, era tão inocente com relação a essas coisas quanto eu e Sina. O chefe do bando era Marcus Flint, um drogadinho do último ano que só andava com doidões como ele. Uma ótima conquista para mencionar na redação do vestibular.
- Ah, é a irmã da Diarra. Calma, irmã da Diarra. Você parece tensa. Precisa relaxaaaar... - disse Flint.
Os outros garotos riram como se aquilo fosse extremamente engraçado.
Olhei para a Joalin, que estava encarando os próprios pés.
- Que tal uma aventura, irmã da Diarra? - Flint sacudiu um saquinho na minha direção, cheio de nem sei o quê.
Fiz algum comentário idiota sobre ter que ir para a aula, que Flint transformou em canção e cantou por vários segundos, sob o incentivo dos risos forçados de seu leal grupo de puxa-sacos.
Comecei a me afastar, mas me virei e gritei para Joalin, que ainda olhava para os tênis:
- Sai dessa!
Foi então que ela finalmente olhou para mim.
- Vai à merda, Any.
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Minha Vida Mora do Outro Lado - Noany
FanfictionSinopse: "Minha mãe nunca ficou sabendo de uma coisa, algo que ela reprovaria radicalmente: eu observava os Urrea's. O tempo todo." Os Urrea's são tudo que os Rolim não são. Barulhentos, caóticos e afetuosos. São de verdade. E, todos os dias, de seu...