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            Minha felicidade apenas durou tempo o suficiente de eu entrar no avião e perceber que me sentaria ao lado de um garoto.

            Antes que você comece a fazer suposições, devo dizer que não, eu não tinha algum tipo de pânico infantil a respeito de garotos. Eu apenas tinha um pânico, infantil ou não, a respeito de garotos que usavam headphones amarelos e botas de cowboy, e em quem tudo me lembrava de Cadu Pompeo, o infeliz protagonista de meu pai em seus livro, Os Tesouros.

            Cadu e eu tínhamos uma pequena rixa desde que papai passara a dedicar seu tempo mais a ele do que a mim.

            Eu prendi a respiração enquanto caminhava até o meu assento designado.

            Nem tudo estava perdido. Felizmente, as cadeiras de lá eram bem mais afastadas do que na classe econômica. E, para o meu total deleite, aquela suposta cópia do Cadu Pompeo parecia estar dormindo.

            Consegui passar pelo assento dele sem nem esbarrar em suas pernas e me sentei muito delicadamente na poltrona da janela. Sabe como é, nessas situações, evitam-se movimentos bruscos. Cadu não moveu um músculo quando eu me vi completamente sentada. Missão cumprida.

            Agora eu só tinha de descobrir o que faria nas próximas duas horas de voo, ou seja lá quantas fossem. Dormir parecia uma boa opção, mas eu acho que não conseguiria fazer isso com tanto barulho e com toda aquela luz. Foi aí que resolvi pegar meu Ipod e sintonizar em Beethoven, e nos olhos coloquei um protetor.

            Ao som da Nona Sinfonia, eu comecei a relaxar. Era esse efeito que a música clássica tinha sobre mim. E, embora eu gostasse de uma variedade imensa de músicas, clássicos como Mozart, Beethoven e Bach eram os únicos que realmente vinham a calhar quando eu queria me sentir mais calma.

            Se a viagem continuasse assim até o fim, acho que eu não teria muito do que reclamar. Mas, não deu cinco minutos, e uma voz vinda de onde eu sabia que estava o meu querido amigo "Cadu" me interrompeu:

            ― O que você está ouvindo?

            A primeira coisa que reparei? Sotaque paulista. Ótimo. Ainda mais vivacidade para minha impressão de Cadu Pompeo, que também era nativo de São Paulo.

            A minha segunda reação foi esconder o Ipod dentro do bolso do meu moletom de lã. Não me entenda mal, eu amava as minhas músicas, mas morria de vergonha delas. Sei que as pessoas da minha idade me achariam uma completa esquisita se eu dissesse qual melodia eu cantarolava no chuveiro.

            A terceira coisa que fiz foi afastar o protetor o suficiente para descobrir apenas um dos meus olhos. Quando eu vi, por seu olhar suplicante, que ele não desistiria tão cedo, tirei o protetor de olhos completamente e tentei parecer educada quando disse:

            ― Nada de muito interessante.

     ― Ah, vamos ― ele sorriu, companheiro. ― Não pode ser uma música assim tão constrangedora.

            Eu revirei os olhos e sorri, decidida a dar uma chance.

            ― Está bem. Estou ouvindo Beethoven, satisfeito?

            ― Beethoven? O cachorro?

            Meu sorriso congelou no rosto.

            Não. Dar uma chance decididamente não tinha sido uma boa ideia.

            Alguém se contorceu em seu túmulo. E não foi um cachorro!

Como nos filmes [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora