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            Aquele dia tinha começado quase como um dia qualquer. Bem, quero dizer... pelo menos a parte de o sol nascer no leste e de eu estar imersa no meu septuagésimo sono bem depois das dez da manhã. E acho que foi mais ou menos por aí que as semelhanças com um dia qualquer acabaram.

            Meu celular tocou. Dez e quatro. Revirei os olhos. A tela dizia que era a Mariana, e a Mariana provavelmente me daria a maior dor de cabeça se eu não atendesse.

            ― Gata, já viu as novidades? ― a voz estridente da minha melhor amiga perguntou do outro lado do celular, e eu tive vontade de jogá-lo contra a parede. Mas consegui controlar meus impulsos. Mariana era uma boa pessoa, apesar de insuportavelmente matinal.

            ― Novidades? ― perguntei, mas não saiu completamente direito. A minha boca ainda parecia estar adormecida.

            Mariana parecia que não ia me tratar como café-com-leite, mesmo eu ainda estando completamente sonolenta por ter acabado de acordar.

            ― Entra na twitter ― ela grasnou. ― Agora.

            ― Mari, sério, eu acabei de acordar e não... ― parei de falar. A linha estava muda.

            Admito que cheguei a pensar na possibilidade de voltar a dormir, mas forcei a mim mesma para fora da cama e me arrastei até a cozinha.

            Meu laptop ainda estava em cima da bancada, exatamente onde eu o tinha deixado na noite anterior. Havia pequenos pedacinhos de miojo cru por cima do teclado, resquícios de um lanchinho à meia-noite. Espanei-os para o chão com a palma da mão e apertei o botão de ligar.

            Sabe como hoje em dia os computadores são todos mega-rápidos para prover uma população cada vez mais imediatista? Bem, acho que não se podia falar isso do meu computador. Ele demorava uns dez séculos para simplesmente acender a tela, e depois mais uns dois séculos para entrar naquela página em que você coloca a senha. Depois disso, ainda tinha uns cinquenta séculos esperando ele iniciar, sem falar do tempo que eu tinha que esperar para poder abrir uma janela de navegação.

            Enquanto eu esperava aquela lerdeza toda, enchi uma tigela com cereal e joguei por cima um pouco de leite.

            Recebi umas mil mensagens da Mari no Skype assim que o programa resolveu conectar.


            Mari: Vc ainda não viu, né?

            Mari: Claro que ainda não viu, senão vc já teria vindo falar comigo q nem uma histérica.

            Mari: PQP, Mel, olha logo!!!!!

            Mari: To louca para ver sua reação.

            Respirei fundo e tive que lembrar a mim mesma de ter paciência. A Mariana era uma pessoa ótima, só tinha a infeliz característica de ser ligada no 220v. 

            Amelia: Mari. Jesus. Acabei de acordar, e acho q parte do meu cérebro nem teve chance de despertar completamente ainda! Do qq vc tá falando, menina?

            Mari: Olha. O. Twitter. Dele. AGORA.

            Sei que qualquer pessoa normal teria ficado alarmada com a urgência da Mariana, mas eu já estava acostumada com ela. Era a rainha do drama. Quando nos conhecemos, na quarta série, ela estava fazendo um escândalo de felicidade porque tinha conseguido capturar a criatura mais graciosa da face da terra. Todos os coleguinhas se reuniram ao redor da caixa de sapato dela e, quando ela abriu, era apenas uma joaninha. "Mas é rosa!" ela exclamava, quando todos pareciam extremamente desapontados. Eu fui a única que deu bola pra joaninha cor-de-rosa dela, e acho que por isso viramos melhores amigas. Mas eu já tinha aprendido a minha lição e sempre baixava as expectativas em 120% toda vez que a Mari dizia que tinha alguma coisa muito importante para me contar.

Como nos filmes [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora