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Eu não sei como não previ.

Parecia óbvio de mais, até para uma pessoa genuinamente lenta, como eu. Quando Ray entrou no estacionamento de um shopping que se chamava Barra Shopping, eu não sei como uma luzinha não se acendeu na minha cabeça, nem como não me questionei, tipo, "Pera aí. Barra Shopping? Já vi isso em algum lugar..." Porque eu já tinha visto, mesmo. Mais ou menos quatro horas antes. No twitter do meu pai. Ele disse que "estaria assinando autógrafos na livraria do Barra" ou algo assim.

Meu pai não me notou no mesmo instante. Ele terminou de assinar o livro da garota que estava em primeiro lugar na fila, depois desviou o olhar para ver quem tinha atrapalhado o segundo da fila, que, a propósito, não ficou lá muito contente com a nossa pequena interrupção.

Então meu pai viu o Carlos e abriu um sorriso enorme.

― Carlos! ― ele exclamou, levantando-se e abraçando o garoto como quem cumprimenta um velho amigo.

Eu me aproximei dos dois e separei o abraço.

― Espera aí! ― eu disse, sacudindo a cabeça. ― Vocês se conhecem?

Por um instante, tudo pareceu fazer sentido na minha cabeça. Meu pai tinha contratado aquela sózia ridícula do Cadu Pompeo para me pregar uma peça no voo. Claro. Não tinha como ter qualquer outra explicação.

Mas olhei bem para os dois e minha teoria desmoronou instantaneamente. Carlos tinha uma expressão de "eu sei, eu sou demais" no rosto, mas meu pai se voltou para mim com uma alegria tão grande que quase me arrependi de não ter ficado calada.

― Mel! ― ele se afastou de Carlos e me abraçou apertado. Quando finalmente me soltou, fez um gesto na direção do rapaz, sorrindo ainda mais. ― Então, você já conheceu nosso querido Cadu.

Carlos estava me encarando agora como se de repente eu tivesse criado asas e antenas e um terceiro braço.

― Para tudo! ― ele gritou, sério. De repente um sorriso incrédulo se abriu em seus lábios e ele me segurou pelos ombros ― Por que você não me disse que era a Mel Coldheart?!

― Porque eu não sou a Mel Coldheart ― declarei.

Simples assim.

― Ela é modesta ― meu pai sussurrou para ele, e então se voltou para a fila de fãs. ― Pessoal, quero que conheçam minha filha, Amelia Clapp ― anunciou. Todos ficaram me olhando; alguns sorriram, alguns cochicharam alegres, mas a maioria parecia não estar nem aí. Até que o meu pai explicou: ― 99% da inspiração para Mel Coldheart. ― E a sala explodiu em comentários e felicidade.

Inspiração para Mel Coldheart. Esse era um fato que eu realmente tentava esquecer. Mel Coldheart era a co-protagonista de Cadu Pompeo nos Tesouros. Era a personagem mais patética, sem graça e idiota de toda a História. Além de ela ser totalmente afim do Cadu, o que eu acho que é fruto do 1% que não me inclui na personagem, porque eu nunca seria afim de alguém tão idiota. Mas, devo admitir, a filha-da-mãe tem bastante coisa em comum comigo.  

― E esse aqui ― meu pai indicou Carlos, colocando a outra mão sobre o ombro dele. Os olhares saíram de mim, e eu senti como se um enorme peso tivesse sido retirado das minhas costas. ― Esse aqui é o Carlos. E atenção, senhoras e senhores, vocês estão prestes a ouvir uma revelação inédita! ― Pausa para o suspense. ― O nosso Carlos aqui vai interpretar ninguém menos que Cadu Pompeo na versão para o cinema!

Por que eu não fiquei surpresa?

Depois daquela declaração, tudo se encaixou melhor ainda na minha cabeça. Até mesmo me senti um pouco idiota de não ter acreditado na história de Carlos sobre o "grande trabalho" que ele tinha conseguido no Rio. Eu sorri, balançando a cabeça.

Como nos filmes [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora