Capítulo 2

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Caminhei de volta aos meus aposentos, com a túnica ainda entreaberta e os cabelos bagunçados, ignorando os olhares de desdém enquanto passava pelos corredores.

Eu imaginei que, depois de uma década, estaria mais acostumado a ser usado, mas, a cada vez que ela me obrigava a servi-la, meu ódio só aumentava.

Só de pensar em passar mais trinta e nove anos à mercê de Amarantha, eu tinha vontade de liberar minha escuridão sobre o mundo e deixá-lo explodir. Eu o teria feito essa noite se a desgraçada não tivesse roubado meus poderes.

Eu estava exausto, tão exausto de ser seu capacho, de torturar, matar e aterrorizar por ela, de ser usado por ela. Sabia que não podia me deixar cair nesses pensamentos, pois se entrasse nesse caminho, não seria capaz de sair. E tudo pelo que eu havia lutado, me vendido e me sacrificado pelos últimos dez anos estaria em risco.
Velaris, minha família.

Lembrar-me do sorriso de Mor, de voar sob as estrelas com Cass e Azriel e aguentar os humores de Amren me dava forças pra continuar. Por eles, eu faria isso. Mesmo que não tivesse mais esperanças de que um dia fosse voltar a reencontrá-los. Me destruiria de maneiras que eu não imaginei que fossem possíveis, mas nunca deixaria de protegê-los.

Durante os primeiros anos, tive esperanças de que Amarantha desistisse de me procurar  a cada vez que encontrava um novo amante, mas ela sempre se cansava muito rapidamente deles, que imploravam por misericórdia quando ela decidia torturá-los e depois matá-los para que não compartilhassem qualquer informação que ela lhes tivesse confidenciado. Eu me perguntava quando faria isso comigo.

Porém, ela nunca deixava de exigir meus serviços, provavelmente por eu ser o único que ainda tinha grande fonte de poder, apesar de tudo. Feéricos sentem-se atraídos pelo poder, e eu sabia disso muito bem sempre que usava a meu favor quando queria conquistar uma amante, mas Sob a Montanha isso significava tanto a salvação do meu lar quanto a minha ruína.

No quinto ano de confinamento, tomei uma das Grã-feéricas da corte invernal como amante, não porque gostasse dela, mas apenas para me lembrar de como era ter uma escolha.

Durante as semanas que passamos juntos, aquele fardo que eu carregava pareceu menos pesado. Mesmo assim, não me permitia passar muito tempo com ela, eu não podia deixar que a máscara caísse e que ela visse que eu realmente era. Então mantínhamos os encontros casuais e rápidos.

Não durou muito, Amarantha descobriu sobre nosso caso e a enviou de volta para a Corte Invernal, como uma prova de que estava disposta a cooperar se lhe entregassem quaisquer feéricos que ousassem se rebelar. Imaginei que isso foi até um ato de misericórdia, tê-la deixado viver.

Entrei no quarto, tirei as roupas e as jogue na cama. Eu me sentia sujo, de uma maneira que nenhum banho poderia me limpar. Sentei na cama e apoiei as mãos na cabeça, tentando controlar a respiração. Não poderia sucumbir ao desespero.

No início, acreditei que Tamlin encontraria uma maneira de nos livrar da maldição, mas o desgraçado parara de tentar. Sempre havia sido um covarde. Nunca deveria ter me aproximado dele, o bastardo que trouxe ruína à minha família e agora ficava de braços cruzados no conforto da Corte Primaveril enquanto éramos torturados em Sob a Montanha.

Meu quarto, normalmente aquecido e com a luz de algumas velas mantidas pela minha magia, agora estava frio e escuro. Não me importei o suficiente enquanto caía na cama, exausto e sem esperanças.

Nesses momentos, onde Velaris parecia apenas um sonho distante e eu apenas queria desistir de tudo, só me lembrar quem eu era e o que dependia de mim poderia me trazer de volta à realidade.

Eu era o Grão Senhor da Corte Noturna, o mais poderoso da história de Prythian, não a vadia de Amarantha.

Por mais que ela quisesse me dobrar, me quebrar, eu não deixaria. Tinha uma missão, um propósito, e não iria desistir.

Fiquei deitado na cama, tentando, em vão, dormir. Após algumas horas, quando seria evidente que eu não conseguiria nenhum sono naquela noite, me levantei e saí dos aposentos.

Um pequeno presentes dos deuses, eu supunha. Poder andar livremente a qualquer hora era um privilégio não concedido para muitos, e ninguém ousava me questionar quando saía caminhando durantes minhas muitas noites insones.

Não percebi aonde meus pés me levavam até chegar ao nível onde ficavam as masmorras. O ar ali era mais úmido, pesado, com cheiro de sangue, suor e excrementos.

Ninguém sobrevivia por muito tempo naquele local. Os carcereiros de Amarantha tinham um prazer interminável de torturar os prisioneiros até que morressem ou encontrassem alguma maneira de acabar eles mesmos com suas vidas.

Entrei no corredor de celas, observando que, dentro de algumas, jaziam corpos sem vidas de prisioneiros que nunca tive conhecimento.

Não havia nenhum sinal dos carcereiros, provavelmente estavam se embebedando onde quer que passavam a maior parte do tempo. Bom, pelo menos não teria olhos indesejáveis observando meus passos para repassar para a rainha.

Caminhei mais um pouco, chegando nas celas mais escuras e frias das masmorras. Aparentemente, ali passava uma corrente de ar, mas nunca consegui descobrir de onde vinha. Não havia nenhuma abertura nas pedras e em nenhum lugar por perto.

Os grão feéricos da Corte Diurna tinham sido jogados naquelas celas. A maioria estava desmaiada, com sangue escorrendo das feridas do açoite nas costas e olhos inchados da surra que levaram.

Os poucos que estavam conscientes me lançavam olhares cheios de ódio. Eu não me importava mais.

Enquanto via seus rostos, percebi que não reconhecia nenhum daqueles prisioneiros. Aquilo deveria ser motivo de alívio, porém o que senti foi desapontamento, tristeza até. Eu sabia que era egoísta querer que alguém que conhecesse estivesse ali só para ver um rosto familiar, mas secretamente havia me deixado ter esperanças.

Cheguei ao fim do corredor, nenhum dos prisioneiros fizera menção de falar comigo, e eu não iria fazer o trabalho sujo de Amarantha mais do que o necessário. Se ela quisesse que eu torturasse algum deles, teria que me ordenar. Eu não tinha me perdido tanto assim para sentir prazer nisso. Ainda.

Estava quase chegando ao portão da saída das masmorras quando uma voz fraca, só possível de escutar por conta da audição feérica, chamou meu nome.

Olhei na direção do som. Uma fêmea tentava se levantar do chão da cela com dificuldade, cada movimento a fazia soltar um gemido de dor. Não consegui ver seu rosto, uma cascata de cabelos negros lhe encobria a face.

Com dificuldade, ela conseguiu se levantar e veio em direção à grade da cela. Quando seu rosto finalmente ficou visível pela luz fraca do corredor, eu desejei nunca ter esperado encontrar alguém conhecido ali.

Corte de Sangue e MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora