Capítulo 4

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Aquilo não poderia estar acontecendo. De todas as pessoas que eu imaginei encontrar em Sob a Montanha, Ayla definitivamente era a última. A garota doce e gentil que um dia eu conhecera nunca iria se unir a um grupo de rebeldes. A não ser que Amarantha a tivesse destruído, da mesma maneira que destruiu muitos de nós.

Eu não conseguia imaginar o que o pai dela pensava sobre aquilo. Será que realmente havia concordado em enviar sua filha como prisioneira? Ou será que não sabia que ela estava aqui? Eu achava improvável que não soubesse, ele sempre fora muito próximo do Grão-senhor.

Caminhei automaticamente de volta a meus aposentos. Eu não conseguia pensar, era como se uma névoa estivesse tomando conta da minha mente. Ayla estava ali. Prisioneira, ferida. E eu a ferira ainda mais.

Apesar de tudo que havíamos passado, ainda a considerava minha amiga. Uma pessoa importante pra mim, que sempre teria um espaço em meu coração. E eu a deixei imaginar que havia me aliado ao inimigo, a deixei naquela cela úmida e escura.

Eu tinha que pensar numa maneira de ajudá-la. Não poderia simplesmente assistir enquanto Amarantha se divertia ao matá-la. Ou pior, enquanto me obrigava a matá-la.

Teria que ser muito cuidadoso, ou então arriscaria tudo pelo que havia lutado.
Aparentemente, ninguém sabia de meu relacionamento com Ayla. Fizemos um bom trabalho em nos manter escondidos, e nossos pais fizeram questão de abafar quaisquer que fossem os rumores. Eu tinha que ter certeza que ninguém em Sob a Montanha sequer suspeitasse do nosso envolvimento para que pudesse ajudá-la.

No dia seguinte, enquanto estávamos em reunião com outros aliados sobre o que fazer com os prisioneiros e qual seria a punição que mandaria uma mensagem adequada para a Corte Diurna, entrei sorrateiramente nas mentes de todos ali, procurando se sabiam alguma coisa sobre a existência de Ayla e de nosso envolvimento.

Durante todo o dia, fiz isso com todos que se aproximavam de mim. Nenhum deles sabia sobre nós. Eles nem a conheciam.

Um plano começava a se formar em minha mente. Para dar certo, teria que convencer Ayla a jogar um jogo muito perigoso. E precisaríamos de sorte. Muita sorte.

Meu próximo passo seria voltar às masmorras. Eu tinha que arranjar um modo de falar com Ayla sem parecer suspeito. E sem ouvidos intrusos repassando minhas palavras com ela para Amarantha.

Para isso, eu teria que dar um jeito nos carcereiros. Entrar naquelas mentes sujas e fracas não seria um problema, porém eu teria que ter muito cuidado para não transparecer que eles haviam sido manipulados. Sutilmente os convenceria a deixar as masmorras nos horários que eu precisasse, o que não deveria ser muito difícil.

Só poderia fazer isso à noite, quando atravessaria do meu quarto para as masmorras. Assim ninguém me veria caminhando até lá. Não que alguém fosse questionar porque o carrasco e torturador de Amarantha queria ver os prisioneiros, mas eu tinha muito a perder se fosse descoberto.

Esperar pelo fim do dia foi um tormento. A cada hora me perguntava se Amarantha não iria perder a paciência e ordenar que os rebeldes fossem mortos. Eu não sabia se conseguiria viver com a morte de Ayla em minha consciência, saber que ela havia sido morta porque eu me recusara a agir.

Afastei esses pensamentos da cabeça. Meu plano tinha que funcionar, eu não sabia o que faria se não funcionasse.

Quando finalmente todos começaram a se recolher, Amarantha me levou aos seus aposentos. Fiz o que ela queria, e logo depois ela me enxotou para meu próprio quarto. Ela achava que desse jeito iria me humilhar, mas mal sabia que contava os segundos para que ela se cansasse de mim e me desse um pouco de paz.

Caminhei tranquilamente, sentindo os olhos dos guardas em minhas costas. Assim que entrei no quarto, acendi as velas e aqueci o ambiente. Eu teria que ficar atento o tempo todo enquanto estivesse nas masmorras, para o caso de alguém entrar em sem ser convidado.

Após alguns minutos, quando passos pararam de ecoar nos corredores, atravessei para o andar onde mantínhamos os prisioneiros.

Não foi difícil achar o local que os carcereiros se escondiam. Era uma sala apertada escondida por uma das colunas da entrada das masmorras. Como eu imaginei, todos estavam lá bebendo um líquido escuro e de cheiro forte que eu definitivamente não queria saber o que era.

Foi menos difícil ainda entrar despercebido em todas suas mentes e convencê-los a não saírem dali por pelo menos uma hora. Todas, menos uma. Eu precisava que um deles levasse Ayla para uma cela mais isolada, onde os grão feericos ao redor não pudessem nos escutar.

Poucos minutos depois, ouvi o ruído de metal da grade de uma cela se fechando e os passos pesados e lentos do carcereiro voltando para a sala escondida.

Caminhei rapidamente pelo corredor e parei em frente à cela onde Ayla agora estava presa. Ela me olhou, com nada mais que irritação em seu rosto.

- Veio aqui para me dar outro sermão? Veio dizer que eu era melhor quando me comportava como uma bonequinha submissa?

Sua postura estava melhor e seus olhos brilhando com desafio mostravam que ela já estava se recuperando dos ferimentos do dia anterior.

- Não - eu disse, logo depois que atravessei para dentro da cela - Eu vim tentar consertar a merda que você fez.

Corte de Sangue e MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora