Capítulo 20

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Rhysand

Rhys, 8 anos
Ayla, 7 anos

Eu corri pelas escadas espiraladas do palácio acima da cidade escavada a toda velocidade. Conseguia ouvir os passos hesitantes da menina bonita de pele marrom me perseguindo. Acelerei ainda mais, não podia deixá-la me alcançar. Um dia eu seria Grão- Senhor. Que tipo de Grão-Senhor perde uma corrida para uma menina mais nova e menor?

Joguei minha escuridão ao redor para fazê-la desacelerar. Não era justo, eu sabia, mas quem ligava? Aquele era meu palácio e eu podia fazer o que quisesse. 

As escadas desciam mais e mais, quase chegando ao nível da cidade feia que eu tanto detestava. Não gostava quando papai me fazia ir até lá, não gostava nem daquele palácio bonito em que estávamos agora. Eu preferia Velaris, onde poderia correr, voar a noite toda e brincar na biblioteca com Mor. Por mais que as sacerdotisas nos tivessem expulsado, sempre nos esgueirávamos para deslizar nas rampas.

E agora, eu tinha minha irmãzinha. Ela ainda era apenas um bebê que só comia e dormia, mas eu não conseguia sair do seu lado. Meu coração se apertava de uma maneira esquisita quando ela sorria pra mim. Mamãe disse que era amor. Devia ser mesmo. Mesmo ela sendo ainda uma coisinha pequena, eu sabia que faria qualquer coisa por ela. Queria que ela crescesse logo para poder ensiná-la a voar comigo pela cidade. 

Por isso que quando papai disse que ia me trazer para o palácio, fiquei chateado. Eu não havia saído do lado de minha irmã por nenhum dia desde o seu nascimento, mas ele soube me convencer. 

Porque quando a menina bonita estava lá, eu até que gostava um pouquinho daquele lugar. Ela era um pouco chata e mandona. Pensei que não sabia que eu ia ser Grão-Senhor e a avisei logo no dia que nos conhecemos.

“Não ligo se vai ser Grão-Senhor, as regras do seu jogo são ridículas.” Foi tudo o que ela disse. Não gostei. Nenhum pouco. Falei para minha mãe assim que tive oportunidade. Ela riu e me disse que eu não deveria mandar nas outras crianças porque ainda faltavam séculos para herdar o trono de  meu pai. Disse que ser Grão-Senhor não era sobre dar ordens, era sobre procurar o melhor para meu povo. 

Achei tudo aquilo muito chato. Ainda bem que eu ainda tinha muito tempo até ter que assumir o trono. Por enquanto, eu só iria me preocupar em vencer Az e Cas nos ringues e Ayla nas corridas pelas escadas.

Eu sabia que era injusto usar minha magia para cegá-la. Mas e daí? Eu não iria arriscar perder e aguentar Ayla se vangloriando. EU queria me vangloriar.

Vi a coluna que marcamos como linha de chegada, estava perto demais do fim para que ela me alcançasse agora. Sorri pensando que ela teria que pagar nossa aposta ridícula.

Estava quase alcançando a coluna adornada quando ouvi o baque de algo caindo no chão. Não algo, percebi, alguém.

- Ayla? - perguntei para a escuridão que se formava atrás de mim.

Droga, ela tinha caído e a culpa era minha. Se ela tivesse se machucado, seu pai não a deixaria mais brincar comigo. Eu implicava com ela e a chamava de chata, mas a verdade é que gostava muito de Ayla. Ela era uma das minhas únicas amigas e não tinha medo de mim como as outras crianças. 

Obriguei a escuridão a voltar para dentro de mim com alguma dificuldade, ainda não conseguia controlar bem meus poderes. E ninguém conseguia me ensinar, eles não sabiam como. 

Escutei um gemido de dor vindo da base das escadas e encontrei Ayla caída no chão com o braço torcido em um ângulo muito estranho. Eu já tinha visto muitos membros quebrados no acampamento para saber que o osso dela estava partido em pelo menos dois pedaços. A expressão de dor em seu rosto não me deixava dúvidas.

Agachei ao seu lado, pegando em seu braço cuidadosamente. Ela choramingou quando o levantei para ver onde o osso havia quebrado.

- Você deixou tudo escuro, eu tropecei no degrau. - seus olhos estavam cheios de lágrimas e eu não pude evitar a culpa que me invadiu.

- Desculpe, Ayla. Pensei que você fosse parar de correr quando não enxergasse mais.

- E deixar você ganhar? Nunca! 

Eu dei uma risada que logo morreu quando ela se encolheu de dor quando tentou mover o braço.

- Temos que colocar o osso no lugar antes que você se cure. - Eu tinha feito o mesmo com Az e Cas algumas vezes, mas eles já estavam acostumados. Não sabia se conseguiria fazer o mesmo com Ayla, não queria que ela sentisse dor. - Vai doer.

- Eu sei. - Ela me olhou com raiva. - Já quebrei a perna uma vez, em três lugares.

- E eu já quebrei os dois braços três vezes e a perna esquerda duas vezes. - Ela não podia me vencer na batalha de ossos quebrados.

- Então seus ossos devem ser muito fracos. - Ela desdenhou, empinando o nariz.

Aproveitei a raiva que o insulto descarado me trouxe e alinhei seu braço sem nem mesmo um aviso. 

Ela tentou conter um grito de dor, mas sem muito sucesso. Eu só esperava que meu pai não tivesse escutado e viesse nos procurar. 

- Desculpe, mas é melhor fazer sem aviso. Dói menos.

Ayla me encarou com raiva, lágrimas descendo por suas bochechas. 

- Da próxima vez, vou quebrar um osso seu. 

- Não se incomode, meus amigos Azriel e Cassian já me quebram com muita frequência. - Não que algum dia eu fosse revelar isso a um deles. - Agora precisamos procurar o curandeiro. Tem que colocar uma tala até que cure, em alguns dias.

- Dias? - ela me olhou confusa - Eu não levo tanto tempo para me curar. 

Antes que eu pudesse dizer que ela estava mentindo, uma luz dourada brilhante saiu de seu braço, consertando a pele e o osso onde este ainda estava torto. Durou apenas alguns segundos, mas foi uma das coisas mais bonitas que eu já tinha visto. Parecia o brilho do céu na queda das estrelas. 

- Isso foi muito legal! - Eu disse depois que a luz se apagou e ela girou o braço, mostrando que estava totalmente curado. - Como aprendeu a fazer essa magia?

- Não sei, uma vez me machuquei e ela saiu sozinha. - Ela deu de ombros, como se não fosse nada demais - Interessante, não é? Seu poder é a escuridão e o meu é a luz.

Eu olhei dentro do brilho dourado dos seus olhos, tão bonitos quanto a luz de sua magia. 

- Sim, é interessante - Girei nos calcanhares, recomecei a correr e gritei sobre o ombro:  - Mas não tão interessante quanto a aposta que vou ganhar!

Ayla me xingou de alguma coisa que não ouvi porque já estava rindo da sua cara de raiva, enquanto eu segui para a vitória certa na linha de chegada. 

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Um capítulo bônus porque não aguentei e tive que escrever algo do Rhysinho 🥰
Até domingo! :)

Corte de Sangue e MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora