Capítulo 3

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Meu coração batia acelerado, medo pungente percorria minha espinha.

Não. Não. Não

Ela não podia estar ali. Não ela, pelos deuses. Amarantha me faria torturar e matar aquela fêmea.

- Ayla, não posso dizer que é um prazer vê-la aqui. - apesar do medo e do desespero que me corroíam, consegui manter meu tom de voz frio, quase que entediado.

- Rhys, é você mesmo? - a voz era baixa, um sussurro. Sua pele cor de amêndoa apresentava hematomas por todos os membros, e os olhos bronze, aqueles olhos tão lindos e um dia vívidos estavam opacos, sem vida.

Deixei uma risada de escárnio sair pelos meus lábios, me odiando a cada momento.

- E quem mais seria? - perguntei, inclinando a cabeça e me aproximando da cela.

- Ouvi dizer que estava aqui embaixo. Haviam dito que você tinha se aliado a Amarantha - os olhos me avaliavam, cheios de dor e pesar - Mas eu nunca acreditei, sempre combati todos que falavam isso de você.

Eu não sabia o que fazer. Só queria abrir a grade, abraçá-la e levá-la para longe daquele inferno. Mas eu sabia que não podia, não sem me expor.

Me doía mais do que tudo ver seus olhos esperançosos sobre mim, esperando que eu a ajudasse de alguma forma.

Ayla havia sido uma das minhas únicas amigas na infância. As outras cortes não viam com bons olhos um mestiço iliriano que podia destruir cômodos inteiros em um acesso de raiva, mas um dos lorde da Corte Diurna tinha negócios com meu pai e sempre trazia sua filha para nossa corte.

Nos raros momentos em que eu não estava treinando no acampamento iliriano, Ayla havia sido minha companhia pelos corredores intermináveis do palácio da corte. Aquele local podia ser muito solitário para uma criança, especialmente quando Mor estava fora. Mas a presença de Ayla sempre foi bem vinda. E eu a adorava. Sua mania de me importunar, seu gosto por brincadeiras que sempre nos deixavam em apuros era o que tornava meus dias mais alegres.

Perdemos o contato depois de um tempo. Ela com suas obrigações na corte, eu com meu treinamento. Porém, após alguns anos, já adultos, nos encontramos novamente. E foi como se não tivéssemos nos separado um só dia. Aos poucos, a amizade deu espaço a algo mais.

Ayla crescera para ser uma mulher linda. Aquele sorriso me fascinava, a pele brilhante e os olhos vívidos visitavam meus sonhos constantemente. E eu sabia que ela também sentia atração por mim.

Quase todos os dias, eu atravessava para as fronteiras da Corte Diurna e ia a um campo onde nos encontrávamos para passar a tarde conversando, ou apenas lendo sentados lado a lado.

Às vezes ela me pegava a admirando, e seu sorriso quando percebia isso era uma das coisas mais lindas do mundo. Eu a amava. E ela me amava também. Passei a visitar seus aposentos, onde passava quase todas as noites. E todos os horários livres que tinha no dia.

Meu pai descobriu sobre nosso relacionamento alguns meses depois e me proibiu de voltar a vê-la. As negociações com a Corte Diurna não iam bem e agora estávamos numa guerra comercial. É claro que eu nunca o obedeci e continuei encontrando-me com ela às escondidas.

Aparentemente, o pai de Ayla compartilhava da aversão de meu pai sobre o nosso relacionamento, mas nós ignorávamos os dois. Eu nunca havia amado fêmea nenhuma na vida. Ela fora a primeira e a única, mas eles a tiraram de mim.

Seu pai a obrigou a se casar com um lorde qualquer da Corte Diurna. O casamento foi feito às escondidas, sem festa, sem convidados, pois ele sabia que eu faria de tudo para impedir a união.

Eu lutei por ela, por meses, tentei falar com seu pai, implorar para que me deixasse vê-la, mas nunca era recebido. E eu não sabia para onde aquele lorde a tinha levado.

Algum tempo depois, Ayla veio me ver. Eu sabia que ela não estava feliz, mas me implorou pra deixar de procurá-la. A situação com o pai estava ruim, e eu só estava piorando as coisas. Só aceitei fazer aquilo porque ela disse que o lorde era um bom macho e parecia amá-la. Ela estava devastada, mas disse que aprenderia a amá-lo também.

Nunca entendi seus motivos, eu só queria pegá-la e levá-la dali. Poderia fugir para o outro lado do mundo se aquilo significasse que estaríamos juntos. Mas ela fizera uma escolha, e só me restava aceitá-la.

Então parei de procurá-la, de tentar entrar em contato. Tive outras amantes, mas nenhuma que me fizesse esquecer aquela amiga com os olhos brilhantes como as estrelas do céu de Velaris.

E agora, mais de 400 anos depois, ela estava ali. Rebelde, prisioneira e prestes a ser assassinada pela autointitulada rainha Sob a Montanha.

- Sinto muito que tenha desperdiçado seu tempo e esforço - eu disse, com a voz fria, mas cada palavra parecia uma punhalada em meu coração - Eu sirvo à rainha Amarantha.

Seus olhos marejaram, e mesmo sob a luz fraca, eu conseguia ver o sofrimento que minha palavras tinham levado àquele rosto já abatido.

- Eu conheço você, Rhysand - sua voz agora era um tom quase acusativo - Você não é esse tipo de pessoa. Conheço você há séculos.

- Você e eu seguimos caminhos muito diferentes há muito tempo. Eu mudei. E pelo visto você também - a olhei de cima a baixo, tentando manter uma expressão de desprezo, mas procurava por lesões mais graves que precisassem de cuidados imediatos. Com alívio, não encontrei nenhum - Não sabia que seu digníssimo pai a deixaria se juntar à causa rebelde.

- Fui submissa a meu pai por muito tempo - ela disse, erguendo o queixo. Sem dúvidas uma mulher diferente daquela garota doce que conheci - E não pense, Rhysand, que não me arrependo. - sua voz falhou, e eu sabia do que ela estava falando. - Mas agora não sigo ordens de ninguém. Nem dele, nem do lorde com que fui obrigada a me casar.

Me aproximei mais das grades da cela. Cada respiração minha era compartilhada por ela.

- Mas deveria. - eu disse rispidamente - Deveria ter continuado submissa. O que diabos você estava pensando? Se juntar a um grupo rebelde, Ayla? Que merda você fez? - a voz quase sussurrada não escondia minha raiva, genuína, por vê-la naquela situação. - Ela vai matar você. Todos vocês.

Seu rosto agora só mostrava raiva. Aquela raiva que eu via quase todos os dias nos rostos dos grão feéricos Sob a Montanha e já não ligava. Mas aquele sentimento vindo dela... Aquilo quebrava meu coração de maneiras que eu nem sabia poder ser possíveis.

- Eu prefiro a morte - lágrimas de raiva agora lhe escorriam o rosto - a servir aquela assassina.

- Você não sabe o que está dizendo. Ela não vai simplesmente matar você. Amarantha vai torturá-la por dias, semanas, de formas inimagináveis. Você vai implorar para morrer.

- Se esse for o preço para salvar Prithyan, estou disposta a pagar - não havia nada a não ser determinação em seu rosto.

- O único que pode salvar Prithyan está confortavelmente fazendo nada na Corte Primaveril - dei um meio sorriso cruel - Você só está perdendo seu tempo. E aparentemente sua vida.

Eu deveria sair dali. Naquele momento. Deveria sair antes que os carcereiros voltassem e me vissem conversando com ela. Eles reportariam a Amarantha, e Ayla seria a primeira vítima da rainha. Como se percebesse minha intenção de sair, ela agarrou minha mão pela grade.

- Eu não acredito em você - sua voz um sussurro, quase inaudível - Não acredito nenhum segundo que tenha se aliado a ela. Não acredito que meu melhor amigo, o macho que amei, concorde com as atitudes daquela louca.

Eu queria dizer. Queria contar que tudo era uma farsa para proteger minha família. Mas ela nunca soube da existência de Velaris, e nunca poderia saber, especialmente agora.

- Eu deixei que ser aquele macho há muito tempo. - me livrei de suas mãos com um puxão e caminhei para fora das masmorras .

Corte de Sangue e MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora