Capítulo 27

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Rhysand

Tudo que eu conseguia sentir era dor. Meu corpo era um mero retalho de carne e sangue, mas a dor que me consumia não tinha nenhuma relação com meus ferimentos. 

Eu a vi morrer na minha frente e não pude fazer nada para ajudá-la. Parecia uma maldição. Aqueles que eu amava eram tirados de mim, e eu era incapaz de mudar esse destino. De que adiantava tanto poder se não poderia proteger ninguém? De que adiantava estar vivo se todos ao meu redor morriam? 

Talvez eu tivesse nascido para ser sozinho. Eu apodrecia o caminho de todos que passavam por mim. Morte lenta e trágica era o destino de qualquer um que eu amei. Quanto tempo até o resto de minha família ser assassinada na minha frente? Porque agora eu sabia que era apenas uma questão de tempo.

A dor em meus membros, o sangue escorrendo do corte em minha cabeça eram um grande alívio. Eu preferia morrer a ter que viver daquele jeito. 

Não consegui desviar o olhar nem quando Ayla começou a brilhar tão intensamente que meus olhos doeram ao ponto de queimar. Sua pele pareceu se estilhaçar em mil pedaços antes de explodir e tudo ir aos ares. Não sei o que aconteceu com Amarantha, mas ela estava perto demais para ter saído viva. 

Meu poder, que foi inútil quando precisei, formou um escudo ao meu redor, me livrando da maior parte dos escombros. Para minha infelicidade. Eu desejei tanto que o teto de pedra me engolisse antes de Ayla chegar, e agora queria o mesmo, mas meu poder estúpido teve que me salvar. 

Não sei quanto tempo fiquei beirando a inconsciência jogado no chão da sala de trono destruída, mas senti a dor quando dois pares de mãos pegaram meu corpo destruído do chão e me arrastaram até um lugar que eu conhecia bem: as masmorras.

Eles me jogaram numa cela pútrida, machucando meu braço quebrado ao ponto de me fazer trincar os dentes para não gritar de dor. O osso que já estava se curando, quebrou novamente. Apesar do veneno já ter quase completamente saído de dentro de mim, o processo de cura era lento, porque eu mesmo lutava contra ele. Queria sentir a dor por quanto tempo fosse possível. Talvez, se eu tentasse o suficiente, minha mente focaria apenas no que estava quebrado e não lembraria do rosto de Ayla quando olhou para mim pela última vez. 

Dias ou horas se passaram, eu não tinha certeza, e eu só me movi porque não aguentei mais ficar deitado em cima do braço machucado. Eu não recebia comida nem água, mas nada disso importava. A angústia da fome e da sede eram bem vindas. 

O caos devia ter se instalado com a morte de Amarantha, e eu torcia para que Helion tivesse chegado a tempo de matar qualquer um que ousasse tentar tomar o poder. Não que eles conseguissem, agora que os Grão-Senhores tinham seu poder de volta.

Porque com Amarantha morta, deveríamos receber nossos poderes. Eu não sentia nada diferente, não sentia aquele poço de poder inimaginável que havia antes, mas meu corpo estava tão destruído que eu não me impressionaria se o poder tivesse fugido de mim. 

Dormi e acordei mais vezes do que eu pude contar. Talvez não houvesse mais ninguém em Sob a Montanha e eu fui esquecido nas masmorras, tomado como morto. Parecia um fim merecido para alguém como eu. 

Não lembro quando voltei a cair no sono, mas eu sabia que não estava acordado porque estava em pé, e meu corpo não doía mais. Estava numa floresta congelada, do lado humano da muralha. O frio intenso me fez caminhar em busca de abrigo, mas tudo que eu via eram árvores e mais árvores secas. Não sabia como os humanos conseguiam sobreviver ali. 

Um movimento repentino chamou minha atenção. Uma mulher humana, sozinha, caminhava a passos lentos e cautelosos pela floresta, segurando um arco e uma flecha. Tão magra, tão pálida e tão... linda. Tão linda que apenas de olhar para ela, eu sentia meu coração acelerar. 

Corte de Sangue e MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora